quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Porque ainda há chances...

Embora os institutos de pesquisa estejam dando essa eleição como liquidada, ainda há chances de virada (embora pequenas, claro...). Vejamos:

no primeiro turno, o instituto que menos errou foi o Datafolha: deu 50% de votos válidos para Dilma na véspera da eleição, quando ela teve, na prática, menos de 47%. Os outros institutos erraram ainda mais, então fiquemos com o Datafolha. Na hipótese mais benévola, o erro é de metodologia, e não foi corrigido. Então não é esdrúxulo supor que esse viés de 3 pontos ainda exista. A diferença hoje deve ser algo de 53% x 47% (e os trackings dos dois partidos estão demonstrando isso). Em votos válidos do primeiro turno (101 milhões), é algo como 53,5 milhões x 47,5 milhões de votos.
A abstenção cresce no segundo turno. Historicamente, temos uma abstenção de 20% no primeiro turno contra 25% no segundo. 5% a menos de votos (em uma base de 131 milhões de eleitores) são 6,5 milhões de votos. Como a abstenção é sensivelmente maior no NE e nas regiões mais pobres, onde a Dilma lidera com folga, é de supor que ela perca 3 votos para cada 1 do Serra. Sendo assim, teríamos uma diferença prática de 48,5 milhões de o votos x 45,8, menos de 3 milhões de votos (lembrando que, num segundo turno, a diferença é metade: se 1,5 milhão mudar de candidato tudo se iguala).

O debate da Globo pro segundo turno, historicamente, tem uma audiência de 30 pontos, o que dá, em todo o Brasil, cerca de 10 milhões de domicílios (25 milhões de pessoas). Se 1,5 milhão dessas pessoas mudarem de idéia vendo o debate...vai saber! não custa torcer e não deixar de votar domingo...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre legislação trabalhista

Um princípio econômico básico é que, toda vez que o Estado intervém em uma relação entre agentes econômicos (por ex, quando há um tributo, ou o Estado arbitra sobre um preço mínimo ou máximo para uma mercadoria) há uma ineficiência, um dinheiro que se perde - chamado de peso morto do Estado. Todo mundo que estudou o básico de economia conhece esse conceito; para quem não, é difícil visualizar isso sem o auxílio de gráficos, mas te garanto que é assim que funciona.
Nem por isso o Estado não deva intervir; até pq a própria existência de Estado pressupõe tributos, o que por si só já cria essa ineficiência. E cada vez mais há um consenso de que o capitalismo precisa ser regulado em vários aspectos, pois sendo moralmente ineficiente, ele por si só nao garantirá uma distribuição mais humana dos recursos.
Mas a ineficiência que cada intervenção do Estado causa deve ser sempre avaliada frente aos benefícios de regulação e justiça social que essa mesma intervenção causa; senão há uma enorme ineficiência que não é compensada, nem de longe, por um ganho social. O caso da legislação trabalhista brasileira é um exemplo claríssimo dessa situação.
Um conceito fundamental em Marx é o da mais valia. A exploração do proletário pelo capitalista se dá pelo fato de que o patrão paga ao funcionário um valor pelo seu trabalho que é inferior ao que o trabalho do funcionário gera para o patrão. Se o trabalho vale 10, o patrão vai justamente pagar menos que 10, senão a relação, economicamente, não faz sentido. Mais valia seria, então, justamente a diferença entre esses 10 (valor real do trabalho) e o valor que o empregado recebe pelo seu trabalho (digamos, 5), e poderia ser expressado como o "tamanho da exploração".
O Brasil está entre os países com o custo do emprego mais alto do mundo. Isso se mede na seguinte relação: que percentual do efetivo salário do funcionário o empregador realmente desembolsa? No Brasil, essa relação é de 2 para 1, isso é, para cada real de salário do funcionário, o empregador efetivamente desembolsa 2. Além de uma série de encargos e tributos que incidem sobre a folha, que não se revertem em recursos para o funcionário, há vários direitos trabalhistas que compõe a remuneração do trabalhador e, teoricamente, são benéficos a ele - como décimo-terceiro, fgts etc. Uma pessoa que ganha 1500 reais ainda vai pagar 11% de INSS mais 15% de IR, o que ainda dá mais descontos - na prática, o que entra líquido é 74% do salário. Então, a situação é que o empregador desembolsa 200% pro funcionário ganhar 74%, quase um terço! O sensacional efeito que a legislação trabalhista tem sobre o salário é triplicar o efeito da mais valia!!

Um erro grosseiro é pensar que, se um direito é criado, o funcionário vai ganhar mais e o patrão vai pagar mais. É besteira pura. Imagine que você está pensando em viajar para um lugar nas férias e vai consultar quanto custa a passagem; você tem 500 reais para gastar e se a passagem custar até esse valor, vc vai, do contrário você não viaja ou vai procurar outro lugar. Aí você liga na agência e o cara te fala: "olha, a passagem custa 300!" você fica todo feliz, até o cara complementar "só que tem taxa de embarque de 100, tarifa de bagagem de mais 100 e imposto sobre viagens de mais 100". O que você faz: viaja porque o preço é 300 ou não viaja porque o custo total é de 600? Você pode até viajar, mas não vai ignorar que no final o seu custo final é 600. É isso que acontece; se alguém está pensando em contratar, vai estabelecer o quanto é possível gastar com aquele funcionário. Se há uma montanha de encargos, o salário é que vai ser diminuído, não o valor que o empregador vai pagar que aumenta. Ou fica inviável e o cara prefere não contratar do que pagar mais do que é economicamente possível para aquela função.

Sendo assim, há uma série de supostos "benefícios" que, além de conceitualmente serem sem sentido, estão, na verdade, ferrando o trabalhador, não ajudando. Sem sentido porque paternalistas, porque partem do princípio que o cidadão não consegue cuidar de si mesmo. Veja o décimo-terceiro: supostamente é para fazer frente as despesas de final de ano (não vou entrar no mérito do que seriam despesas de final de ano - presente de Natal?). Mas o empregador fatura o dobro no final do ano para fazer frente a essas despesas? Talvez o povo do comércio, mas mesmo assim eles vão começar a receber essa receita extra em Janeiro, e a primeira parcela do décimo-terceiro é paga em Outubro! E os outros setores da economia que se virem para pagar! Na teoria, é o governo assumindo que o cidadão não consegue se planejar durante o ano para esses gastos e mete uma lei que obriga as empresas a pagarem um salário-extra; na prática, nenhuma empresa tem dinheiro para pagar, então tomam empréstimo dos bancos para pagarem ao longo do ano posterior, claro, pagando juros. Esse custo adicional de juros que as empresas tem é obviamente incorporado aos preços dos produtos e toda a população - quer tenha emprego formal e receba 13° ou não - arca com isso. Quer outra maravilha? Acabou de sair uma pesquisa dizendo que 70% da população vai usar o décimo terceiro para pagar dívidas. Ou seja, esses funcioários que poderiam ter um salário melhor mês a mês em vez de ganhar um salário extra, tomam empréstimos já contando com o dinheiro adicional do final de ano - quem ganha de novo? Bancos! Recapitalando: o governo decide que todo mundo é criança, decide criar um encargo extra, e como esse gasto extra não faz sentido econômico, toda a população contribui para encher o cofre dos bancos. Muito bacana.

Outro exemplo? FGTS. Supostamente é um dinheiro que te garante um respiro quando você é demitido. Eu mesmo já precisei e devo dizer que é bom contar com ele quando precisa. Mas na prática, um % muito baixo dos recursos é usado para essa finalidade. Você só pode sacar o dinheiro que aquele empregador que te demitiu depositou, se você saiu de um emprego porque quis você só vai ver aquele dinheiro quando se aposentar ou se comprar uma casa! E a rentabilidade dele é ridícula, rende algo em torno de 3% ao ano quando qualquer investimento merreca estaria rendendo 9%. Não seria melhor te dar o dinheiro e você decide o que faz com ele? Mas essa montanha de dinheiro fica em controle do governo, que decide como bem entender onde gastar - tem certeza que o benefício é pro trabalhador? Tem outros exemplos de benefícios paternalistas que não necessariamente melhoram a situação do trabalhador e que, economicamente, não fazendo sentido, como o adicional de férias. Mas acho que o ponto ja está claro.

Um outro problema seríssimo dessa legislação é a falta de dinamismo na economia. O próprio FGTS e a multa, assim como o aviso-prévio, são benefícios que supostamente protegem o trabalhador de ser mandado embora, dão segurança. Na prática podem até ferrar o trabalhador, além de tornar a economia engessada. Quem tem emprego formal tem um baita medo de ser demitido, pois sabe que é difícil arrumar outro emprego. Agora, porque é tão difícil arrumar outro emprego? Porque é tão caro contratar, e tão caro se você não gostar do funcionário e quiser demitir, que contratar é a última coisa que alguém quer fazer! A economia começa a crescer e o emprego só vai crescer junto muito depois; o cara estica hora-extra, contrata terceiro, põe robô! faz o diabo mas não contrata! só quando não dá mais...Então assim, é o rabo balançando o cachorro: tem uma legislação que 'protege' o trabalhador de ser mandado embora porque arrumar outro emprego é difícil, só que só é difícil arrumar emprego porque a legislação cria a dificuldade! E com isso a economia fica pouco dinâmica: o empregador não quer demitir porque é caro, então mantém um cara mediano lá só para não ter aborrecimento e despesa. Eu trabalhei 10 anos em banco exceção feita a processos de fusão, onde áreas inteiras são demitidas, poucas vezes vi alguém ser mandado embora - as que vi eram por problemas éticos, e não produtividade baixa. O funcionário queria mudar de emprego, mas como tem um empreguinho 'mal-ou-meno' vai ficando, ja que é difícil arrumar um. Um funcionário pouco competente e desmotivado, já viu como fica a produtividade né...enquanto isso outro mais competente e mais produtivo fica sem emprego até que alguém resolva abrir uma vaga.

Irrita-me profundamente quando o assunto "reforma trabalhista" surge e alguém vem com aquele frase "não pode mexer em direito dos trabalhadores". 50% dos empregos são informais e há 10% de desemprego. Se você desconsiderar que a PEA poderia ser até maior porque muita gente deixou de procurar emprego, na melhor das hipóteses essa legislação atende 45% da população! É um previlégio para poucos! E é claro que qualquer mudança na lei preveria não mexer nos benefícios adquiridos por quem já está empregado. Em tempos de sindicatos fortes isso não seria um problema.
Para desesperos de alguns, felizmente vivemos no capitalismo. Mas na sociedade brasileira esquizofrênica parece que as pessoas gostam de uma solução "acochambrada". Nem tanto para cá, nem tanto para lá. Aí vivemos nessas situações sem pé nem cabeça e que, pior, vira tabu discutir o tema.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sobre esforços e resultados

Um texto longo e chato, mas ainda sim importante.
Há certas circunstâncias da vida que é mais importante analisar esforços - o que foi feito - do que resultados. Imagine que você é um pai de dois filhos - ambos homens, de idade parecida e que jogam futebol pelos seus colégios. Você vai assistir um torneio entre colégios no qual os dois estão jogando. Um dos seus filhos fica na reserva do seu time; quando ele entra, não joga muito bem; na verdade, ele é indisciplinado taticamente, individualista, não cumpre muito o que o técnico pede e não corre muito para ajudar o resto do time - você logo percebe porque o técnico não o coloca muito para jogar. Mas o time dele é muito bom e acaba campeão do torneio. Seu segundo filho se apresenta muito melhor; além de jogar bem, parecer ser um líder natural do seu time; ouve as orientações do técnico e auxilia seus companheiros na quadra, corre muito. Mas seu time não é muito bom e acaba em quarto colocado.

Seu filho que foi campeão provavelmente sairá satisfeito e tirará sarro do outro, mas você, como pai, provavelmente estaria mais orgulhoso do segundo filho. Se você fosse jogar um campeonato que quisesse ganhar e só pudesse chamar um filho para jogar, provavelmente seria o segundo.

Gestão econômica de um país é um assunto muito complexo, com infinitas variáveis em jogo. Equipes econômicas com especialistas são formadas para ajudar, gente com pós-doutorado e 30 anos de experiência no assunto, e mesmo assim eles não entram em um consenso. E em época de eleição toda essa complexidade é diminuída em alguns números e idéias rasas para que 90% da população que não entende patavinas disso possa tomar partido.

O grande trunfo do governo Lula, mais até do que o bolsa-família, é o desempenho da economia nos últimos anos - indiscutivelmente, no governo Lula o Brasil cresceu a taxas mais altas e criou mais empregos do que no governo FHC. Comparações de números frios são explorados pela campanha Dilma sem dó - o que, politicamente, faz muito sentido; qualquer um faria no lugar deles. Mas para quem quer entender alguma coisa do assunto, essas comparações são sem pé nem cabeça. Se você perguntar a um entusiasta do governo Lula quais ações novas ou que aspectos do planejamento econômico do governo levaram a esse resultado, dificilmente você escutará uma resposta que faça sentido.

No começo de 94, quando FHC assumiu, o plano real tinha acabado de ser implantado e precisava ser gerido. A meta era continuar com a guerra contra a inflação de 20% ao mês que assolava o país havia tanto tempo. Em 7 anos tinham sido 5 planos fracassados, tínhamos passado por fiscais do Sarney, poupanças confiscadas pela Zelia etc. Era preciso manter a paridade do dólar com o real, pois uma disparada do dólar geraria pressão inflacionária - isso custou divisas ao Brasil e aumentou a dívida. O governo perdeu arrecadação com o fim do imposto inflacionário (se há uma inflação de 20% ao mês e você só precisa pagar seus gastos em 30 dias, seus recursos valem 20% a mais sem você fazer esforço; se a inflação acaba você perde esse valor - foi isso que aconteceu com o governo). Era preciso controlar gastos e sanear as contas. O governo teve de reconhecer os esqueletos - empresas estatais totalmente endividadas e que sangravam recursos, mas que ninguém contabilizava quanto de prejuízo realmente havia - o que aumentou o endividamento também. Os gastos de estados e municípios eram uma lambança - governantes gastavam tudo que podiam para sair bem na foto e deixavam a conta pro seu sucessor pagar. Para regularizar a situação, o governo federal assumiu a dívida de todos os estados e municípios, refinanciando-os a taxas menores e prazos maiores - processo que culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, onde os limites para os governantes gastarem estavam estabelecidos. A economia brasileira andava por um fio com todo esse processo de saneamento; foi preciso aumentar impostos para recuperar receita, havia muito pouco dinheiro para investir, e o aumento da carga tributária desestimulava ainda mais a economia. Quem emprestava dinheiro ao Brasil cobrava caro e queria prazos curtos de pagamento; ou você emprestaria para alguém que sempre teve uma gestão bagunçada, que só estava nos seus primeiros anos de tentativa de estabilização econômica e que já tinha dado calotes 3 vezes? Para ajudar, a economia internacional andava de mal a pior; nos 8 anos, foram pelo menos 4 crises sérias - crise do México, da Rússia, dos tigres asiáticos e a quebra da nossa vizinha Argentina; e não foram todas de um vez, foram espalhadas ao longo de 8 anos, o que dificultava que se respirasse por 2 anos seguidos. Se os investidores já tinham receio de investir no Brasil, com a economia internacional crescendo pouco e tantas crises nos países emergentes esses poucos recursos ficavam ainda mais escassos.
Em 2002 o governo achava que, finalmente, teria um ano tranquilo. Eis que PAM! um candidato chamado Lula, que havia passado os últimos 15 anos pregando o calote a dívida externa, que criticava sobremaneira a política econômica do governo, que havia dito frases como "o Brasil não pode exportar 1 real enquanto houver fome no país", de um partido que havia votado contra todas as mudanças importantes no país, era líder nas pesquisas para eleição a presidência. Os investidores pensaram "agora f* de vez, esse país vai virar uma Venezuela, vai quebrar que nem a Argentina", os recursos sumiram, foi preciso aumentar os juros a taxas exorbitantes para manter algum dinheiro no país. O governo não teve outra alternativa a não ser pedir ajuda ao FMI para garantir, ao próximo governo, algum dinheiro para governar.
Lula assinou a carta ao povo brasileiro, garantiu que não faria nenhuma das bobagens que passou 15 anos pregando e, graças a Deus, realmente não o fez. Durante o primeiro e segundo ano do governo os mercados perceberam que ele realmente estava cumprindo a promessa e as coisas se acalmaram - o governo pode trabalhar para gradualmente baixar os juros e aumentar os prazos das suas dívidas, inclusive pagar aquele dinheiro que o FMI tinha emprestado. O novo ministro do planejamento elogiava a política econômica que tinha sido estabelecida no governo anterior e não mexeu uma palha nela. E os ventos da economia internacional mudaram; as taxas de crescimento de todo o mundo eram maiores - China crescia a 10% ao ano, Índia a 9%, e mesmo países industrializados como a Alemanha cresciam a 5%. Começou a jorrar dinheiro dos investidores internacionais, que queriam lugares diferentes para investir. O Brasil exportava basicamente comodities, e não é que os preços da comodities subiram bastante? bum! mais dinheiro entrando, economia crescendo, arrecadação do governo aumentando, empresas gerando empregos. Com esse dinheiro entrando, o governo poderia ter feito tanto coisa. Diminuído impostos para estimular ainda mais a economia; investir pesado na precária e defasada infra-estrutura do país (estrada, ferrovias, portos); dado um salto de qualidade na educação e na saúde. Nada disso foi feito. Sabe o que fez? Por não saber o que ou como fazer, continuou sem mexer uma palha na estrutura econômica já montada, e usou uma pequena - bem pequena - fração desses recursos para distribuir via bolsa-família. E o resto foi gastando com o chamado "custeio da máquina"; contratou gente sem parar para áreas administrativas, que não atuam nos principais problemas do país, para empregar o pessoal do partido e da base aliada, mantendo a classe política satisfeita, tambem, com os resultados.

Mas e a crise de 2009? Não foi a maior crise desde a quebra de 29 e o Brasil não saiu rápido dela? É verdade, mas o Brasil teve 7 anos de calmaria para se preparar para essa crise - quando ela veio, as reservas eram gordas. E o principal: quando ela veio, o Brasil não era mais um país de instabilidade econômica, de histórico de calotes, com hiper inflação e que ninguém no mundo sabia o que esperar de nós. O Brasil era um país de inflação controlada, de 16 anos de estabilidade econômica e de respeito a contratos, que tinha conquistado, ao longo desses 16 anos, respeito internacional - e isso faz toda a diferença. E há prejuízos enorme da crise que muita gente não notou ainda - o país sofreu uma séria desindustrialização, mas os efeitos só serão sentidos nos próximos anos.

As grandes perguntas que deve-se fazer são: se o pessoal que assumiu em 2003 tivesse assumido em 94, o Brasil conseguiria ter feito as mudanças estruturas pelas quais passou? Se as condições econômicas de 2003 para cá não tivessem sido tão favoráveis, o Brasil estaria perto da situação que está hoje? E o mais importante: é sabido que a economia mundial vai mudar em 2011, e os desafios que enfrentaremos serão completamente diferentes; esse pessoal tem a capacidade de avaliar uma situação totalmente nova e tomar as decisões necessárias - ao invés de copiar um modelo que já vinha pronto de seus antecessores? É por isso que, nessas circunstâncias, esforços são mais importantes do que resultados.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sobre Imprensa golpista ou esquizofrenia

Eu me interesso por política e costumava ler vários blogs que tratam do assunto. De uns tempos para cá, parei de ler vários para ler alguns; o tal do "isentismo" me encheu e, deixando a hipocrisia de lado, passei a privilegiar aqueles que notadamente seguem a mesma linha política que eu. Sim, porque todo mundo tem lado, e nada pior do que ler um texto de alguém supostamente "isento" sendo construído sobre argumentos que atropelam a lógica para, no final, deixar mais ou menos explícito o porquê aquele candidato ou partido é melhor do que o outro.
Mas em tempos de eleição, por curiosidade, dei uma passeada no que diziam os blogs "deles" - a saber, blogs que apoiam claramente a candidatura da Dilma. E uma coisa me chamou a atenção - talvez não devesse: o papel que eles estão atribuindo a imprensa nessa disputa de eleição, de "golpista", de ter abraçado claramente a candidatura do Serra e de não sei mais o quê.

Talvez o exemplo que fosse mais favorável a essa análise "deles" seja a imprensa de São Paulo: Estadão, Folha, Veja (não é só para São Paulo, mas é uma revista muito lida no estado). Vou deixar a Veja para depois - falemos antes de Estadão e Folha.

O estadão, alguns dias atrás, tomou partido abertamente. Talvez nem precisasse, pois a leitura do jornal ao longo do tempo por um leitor atento já indicaria as suas tendências. Fez um editorial explicando porque era a favor da candidatura Serra. Mas, isso posto, dificilmente você vê uma cobertura jornalística tendenciosa - não costuma haver mentiras, nem ilações perigosas, no geral apenas fatos sendo noticiados. Não raro você lê uma notícia e pensa "humm..esse jornalista tá com jeito de ser petista". A opinião costuma vir no editorial. No espaço dos colunistas, cansei de ler opiniões diversas ao que poderia ser considerado "opinião do jornal". No site do jornal, no trecho de política, há rigorosamente o mesmo espaço para notícias da candidatura Dilma e da candidatura Serra - e as notícias não são necessariamente ruins ou boas para cada lado.

À Folha está sendo atribuído um tal "tucanismo"; mas quem acessar a página on line do jornal verá, com muita probabilidade, na parte de política, 4 notícias da candidatura Dilma para 1 sobre o Serra; falando sobre "Lula diz não sei o quê sobre tal coisa", "PT planeja não sei o que"...reparei nos últimos cinco dias e é bem assim. Lembro que no governo FHC alguns conhecidos não gostavam da folha porque era excessivamente oposicionista; havia críticas contundentes a quase tudo que o governo fazia. Vai ver nessa época o PT achasse a Folha muito democrática...na última vez que eu li a Folha, seus três colunistas diários na primeira página eram o Clóvis Rossi, o Cony e a Eliana Catânhede. Não seria errado identificar os 2 primeiros mais com o PT do que com PSDB; e a terceira não é propriamente uma tucana.

Um professor meu citou, duas aulas seguidas, um texto do Leonardo Boff que dizia que, em linhas gerais, esse posicionamento da m´dia se deve a um grupo de família, donas dos maiores canais de comunicação, que sentiram que um determinado projeto político (pt / popular) ameaçava os seus privilégios, e então decidiram atuar. Por motivos que não vem ao caso, tenho um amigo muito próximo à família dona da Folha, e esse amigo atesta que, até uns 3 meses atrás, pessoas da família estavam realmente pensando em quem votar. Mas claro, o Leonardo Boff não sabe disso - nem precisa, afinal as teses dos supostos esquerdistas podem ser amparadas somente pelas suas especulações teóricas.

Agora, a Veja: aqui realmente dou o braço a torcer. A Veja é claramente pró-psdb - e isso afeta até a maneira de montar suas reportagens. Mas a Carta Capital, por ex, é o negativo da Veja - assim como a primeira, também traveste proseletismo político de jornalismo. Talvez a diferença entre as duas é que a Veja é de um grupo jornalismo grande, de maneira que, por mais que haja um alinhamento de pensamento entre os diversos setores de reportagem, é um pouco mais difícil uma grande unicidade. A Carta Capital tem um dono que manda e desmanda...mas talvez o que mais incomode os petistas é que a Veja deve ter umas seis vezes mais circulação do que a Carta Capital.

A tão temida Globo, para não fugir a uma questão principal, foi bem dócil com o governo lula nos últimos 8 anos. Não se furtou a noticiar os sucessivos escândalos, mas tomou muito, mas muito mesmo, cuidado para não, digamos, ferir sentimentos dentro do governo. Assim como fez com governos anteriores, diga-se de passagem...

Isso posto, não fica outra conclusão senão associar esse tipo de pensamento sobre uma suposta "imprensa golpista" a toda esquizofrenia que ronda os ditos "esquerdistas". É aquela velha questão: se você discorda, deve ser reacionário, elitista, quer manter o status quo - porque, afinal, como alguém pode ter uma outra opinião? Quando uma força potente como a mídia tem uma parcela considerável que não está propriamente aderida a causa deles, aí incomoda bastante...ou, para ficar numa linguagem popular, "pimenta no * dos outros é refresco".

sábado, 9 de outubro de 2010

Sobre reacionários e elitistas

Petistas e partidários "de esquerda" em geral costumam argumentar que "as elites" são contra um projeto político "popular", que possibilite a ascensão econômica dos mais pobres porque são contra a mudança, porque querem manter seus privilégios de elite econômica e que, portanto, a idéia dos mais pobres terem acesso a coisas que eram exclusivas de uma certa classe é muito assutadora. Acho que, até certo ponto, tem um fundo de razão aqui, mas não é esse o ponto do texto. O problema é o exagero de assumir essa posição. Quando se atribui a uma discordância política uma premissa emocional e individual, está desqualificando-se o debate, está negando-se ao adversário a possibilidade de discordar objetivamente, tecnicamente. E claro, isso é arrogância. Há as mais variadas teses, até embasadas "cientificamente", de que toda a estrutura burguesa cria argumentos e lógicas para desqualificar movimentos que possibilitem a melhoria social etc. Tente discutir contra isso e você será, automaticamente, reacionário e contra a mudança.
Então se vale para um lado, vale para o outro também. Há claramente um grande fator emocional envolvido nessa visão de política. Uma coisa que me chama a atenção é a total aversão ao PSDB, por exemplo. São chamados de elitistas, de reacionários, que formam a elite que mantém a desigualdade há anos no Brasil bla bla blá. Eis um ponto que não há nada de racional e objetivo. Pois vejamos...

O PSDB nasceu no final da década de 80, como uma deserção (à esquerda) do PMDB - partido que, na época, era símbolo da luta pela democracia no Brasil. Chegou ao poder muito por consequência de um projeto de extremo apelo popular: o plano real, que finalmente acabou com a inflação. Inflação, aliás, que é um horror justamente para as camadas mais pobres, sem emprego formal, desbancarizadas, que tem seu poder de compra aniquilado com o passar dos dias. Em vários aspectos, podemos até considerar os 8 anos de governo FHC com mais medidas de real impacto às camadas menos favorecidas do que os últimos 8 anos. É verdade que FHC, em especial no seu primeiro mandato, governou junto com setores mais conservadores do PFL, como ACM. E o PT tem hoje em sua base de apoio os Sarney do Maranhão, os Collor de Alagoas, os Arraes de Pernambuco, os Gomes do Ceará, todas famílias tradicionalíssimas da elite dos seus estados que estão há anos perpetuando a pobreza (sem contar Maluf, Suplicys e outros "pobrinhos"). As maiores mamatas e roubalheiras acontecem em esquemas com ou dentro do Estado; FHC inicou um processo de racionalização e diminuição do estado; reconheceu os esqueletos, assumiu as dívidas dos estados e refinanciou-os, culminando com a lei de responsabilidade fiscal (na prática, protegendo a população dos seus próprios governantes); criou as agências reguladoras. Governo Lula voltou a inchar o estado, contratar sem concurso e degradar as instituições democráticas, tornando assim a população - em especial a mais pobre - cada mais refém dos seus governantes. Se no começo da década de 90 um telefone era coisa de rico - custava 2 mil reais e podia-se esperar uns 2 anos por uma linha - hoje, após a privatização das teles e consequente boom de investimentos no setor, qualquer um pode comprar um pré-pago por 10 parcelas de 10 reais. Privatizações essas que foram muito criticadas pelo PT, criando até o mito da privataria que jogou reputações no lixo. Na abeducação, o governo FHC alcançou ótimos resultados na universalização da educação básica - embora com sérios problemas na qualidade. Sabemos que a educação é a única maneira sustentável de reverter um ciclo de pobreza. Qual o resultado prático do governo Lula na educação? Na fundamental e média, quase nada. Só isentou faculdades ruins de imposto se dessem bolsa para alunos ainda menos qualificados e fez muita propaganda disso. A política econômica do Malan, tão criticada por ser chamada de "política pros banqueiros", não só foi mantida como foi a principal razão da economia ir tão bem e render tantos frutos eleitorais para Lula; banqueiros e grandes empresas nunca estiveram tão felizes. Ok, tem o bolsa-família; mas os primeiros programas de distribuição de renda foram criados no governo FHC, e a idéia de junção desses programas em um só foi do ex-governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo (há vídeos do Lula agradecendo-o pela idéia espalhados por aí, é só procurar).

Isso tudo para dizer: pode-se fazer variadas críticas aos governos tucanos, mas os dados estão aí para provar que de "elitistas", de governar para "os ricos", não há nada de objetivo. Minha impressão é que seja fundamental para um projeto autoentitulado de "popular", "dos pobres", criar essa contradição, acirrar esse sentimento de "nós pobres" contra "eles ricos". Senão o discurso perde a força; não interessa apenas uma discussão objetiva de quais caminhos levam a quais objetivos, até porque, muitas vezes, falta competência para essa discussão. Questões emocionais e deixar de lado questões objetivas para apelar para um suposto princípio não é exclusividade das chamadas "direitas".

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sobre aborto

Em épocas de discussão política sobre posicionamento a respeito do aborto, esse assunto volta à tona. A minha posição atual sobre o assunto é: sou contra a descriminalização do aborto. E não, não sou relioso, católico, evangélico etc. E a minha opinião é baseada em uma premissa básica: para mudar a legislação e, em especial, sendo essa mudança, a princípio, em confronto contra um princípio básico da nossa constituição (o respeito absoluto à vida), precisamos de um motivo muito forte. E até agora tudo o que eu ouvi são uma série de mistificações e uso frágil de estatísticas. Nas duas exceções que a legislação já prevê (risco de vida para a mãe e estupro) já existem essas considerações; no primeiro, é uma vida pela outra (assim como temos o direito de legítima defesa); no segundo, embora filosoficamente mais discutível, na prática acaba fazendo todo o sentido - acho difícil alguém, mesmo muito religioso, ser contra o aborto se a sua própria filha fosse estuprada, por ex.

Os favoráveis a tese da descriminalização costumam apontar, vorazmente, a interferência da religião em uma questão que deveria ser guiada por princípios laicos. E eu atesto que a religião não precisa ter absolutamente nada com isso. Quer dizer, algum prisma você deve adotar: o prisma religioso, o da sua própria moral, o jurídico, enfim, você escolhe. Mas algum prisma deve ser escolhido, em especial para responder a seguinte pergunta: feto é vida? Em que momento aquela "entidade" (por falta de termo isento melhor para caracterizar) pode ser entendido como vida? Claro, porque a decorrência natural dessa resposta é que, após aquele momento, interromper a gravidez é sim, sem dúvida, matar alguém. Há discussões por todo o mundo a respeito disso - só é vida quando o encéfalo está desenvolvido, ou começa na hora da concepção, enfim. Não há cientificidade capaz de dar uma resposta objetiva e não passível de contestação. No final, a partir da concepção, se nada interferir esse embrião vai se desenvolver e, nove meses depois, teremos um recém-nascido, correto? Então masturbação mental a parte, entendo que à partir da concepção, temos uma vida. É a premissa que escolhi para estabelecer a minha opinião.

Isso posto, o que temos é a discussão de permitir, legalmente, em constituição, o ato de matar, para ter algum benefício de cunho prático. O principal argumento seria de que, na prática, as pessoas já fazem mesmo, então a legislação é hipócrita. Do ponto de vista conceitual e lógico a tese é ridiculamente frágil; no extremo, todo crime que não se consegue coibir deve ser, então, liberado? É a mesma tese da liberação das drogas, correto? (coerente é a pessoa que adota o mesmo posicionamento nos dois casos). A legislação não está lá para acompanhar a prática, e sim como uma espécie de parâmetro a ser alcançado. Não que não possa haver tantos outros argumentos para quem defende essa posição, apenas esse argumento parece-me, na origem, muito fraco.

Aí entra a outra questão: o pragmatismo, a utilidade prática. A alegação é que, legislação como está, há um apartheid médico na questão: ricos tem acesso a clínicas ilegais, enquanto pobres se ferram fazendo aborto com medicamento, agulhas e outras atrocidades. Torna-se uma questão de saúde pública. Ah tá, então no Brasil a diferença de acesso a serviços médicos entre as mais variadas classes sociais é só no aborto e nasce, exclusivamente, da legislação? Não é ilegal fazer um transplante, mas vai ver a diferença de facilidade e qualidade que ricos e pobres fazem o procedimento. Poderia citar outros inúmeros exemplos. Se estamos falando de vida prática, de pragmatismo, tem que ser olhar par atudo. O sistema de saúde brasileiro, de forma geral e com raras exceções, é pracaríssimo. Pessoas esperam horas para serem atendidas, seja um resfriado ou um ataque cardíaco. Esperam meses por um exame que pode ser a diferença entre um tratamento de sucesso ou não. Esperam mais de ano por uma cirurgia que seria fundamental na sua qualidade de vida. Precisamos mudar isso, mas vai levar anos. Agora, mudar a legislação vai resolver o problema das mulheres pobres que querem fazer aborto? O sistema de saúde já não consegue dar conta de uma série de necessidades básicas da população, e estamos apostando nele para resolver mais esse problema? Quanto não pragmático nem prático é esse aposta? Com a campanha política veio a tona outro tema: 50% da população brasileira não tem saneamento básico e 60% dos atendimentos no sistema de saúde poderiam ser evitados com saneamento! E estamos contando com esse sistema de saúde para resolver o problema das mulheres pobres que decidem abortar...Se estivéssemos na Suécia, com um sistema de saúde eficiente e perfeitamente capaz de resolver esse problema, eu teria outra opinião sobre o tema? Provavelmente não, mas a discussão teoria x prática faria algum sentido.

No final das contas, é admitir na legislação uma permissão para matar sem contrapartida. Ricos continuarão fazendo seus abortos em clínicas de qualidade, pobres continuarão fazendo seus abortos de forma precária. Veja bem, eu nao sou contra a escolha. Alguém pode fumar seu baseado e ainda sim não ser a favor da descriminalização das drogas. Posso guiar meio bêbado depois de um happy-hour e ainda sim achar que a legislação de trânsito deva ser rígida contra motoristas alcoolizados. Tomar decisões, eventualmente, à margem da lei não tem nada a ver com qual princípio deva organizar a sociedade como um todo - e é disso de que se trata legislação. Estabelecer na nossa constituição essa permissão para matar sem nenhuma contrapartida importante me parece de um sem sentido infindável.