quinta-feira, 16 de junho de 2011

bom senso ou lógica?

Muitas vezes, o que é considerado "bom senso" vai sensivelmente contra ao que levaria uma análise lógica, mais racional. Exemplos disso são muito comuns, mas por conta de assuntos que precisei aprender recentemente, dois casos específicos me ocorreram.

1- Imagine uma eleição para governador de Estado. Os candidatos são João, José e Joaquim. O total de votos válidos nesse Estado para essa eleição foi de 100 mil votos, tendo João ganho a eleição, no segundo turno, contra José. Algum tempo depois, o TSE descobriu irregularidades na candidatura de João, impugnando o seu mandato. Qual a solução? Toma posse José, o segundo colocado na disputa eleitoral. Nada mais correto, correto?

Errado. E não, necessariamente, do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista lógico.

Ora, a maioria da população escolheu um candidato (João). Depois, apurou-se que o processo não foi válido, por conta de irregularidades, portanto esses votos não poderiam ser computados. Atribuir o resultado da eleição sem considerar os votos de quem votou em João (a maioria) é tomar uma decisão alijando a maioria da população do processo! Nada implica em que, estando João fora do páreo, José (e não Joaquim, o terceiro colocado), fosse eleito. Para deixar o argumento mais claro, vamos exagerar o exemplo. Imagine que João houvesse sido eleito com 80 mil votos, ficando, respectivamente, em segundo e terceiro lugares, José, com 12 mil votos, e Joaquim, com 8 mil. Ora, excluídos os 80 mil votos de João do processo, a diferença de 4 mil de José para Joaquim é insignificativa perto dos 80 mil votos que foram impedidos de manifestar sua decisão.

Recentemente, o STE decidiu pela eleição do segundo colocado em eleições onde o vencedor foi impugnado. Deveriam ter sido convocadas novas eleições, obviamente sem a presença do candidato impugnado.

2- Nas eleições para deputado funciona o tal do sistema proporcional. Divide-se o total de votos válidos (excluindo-se os nulos e brancos) pelo número de cadeiras a ser preenchidas para achar o Quociente eleitoral, e o número de cadeiras que cada partido vai ocupar é quantas vezes o número de votos desse partido alcançou esse Quociente. Vejamos um exemplo: imagine que, em um estado, há 30 cadeiras a ser preenchidas e 90 mil votos válidos; o Quosciente eleitoral será, então, de 3 mil votos. Imagine que partido A e partido B consigam, respectivamente, 5 mil e 61.500 votos; em uma divisão que desconsidera o "resto", o partido A ocupa uma vaga só e o B ocupa 20. Mas o que se faz com o resto da divisão? Excluindo-se o resto sobram cadeiras a ser ocupadas, - como computar quem fica com as sobras? A solução que melhor se apresenta é um "arredondamento", privilegiando a quem falta menos para chegar no número inteiro. Nesse caso, ao partido A faltam 1000 votos para alcançar mais uma cadeira, enquanto faltam 1500 ao partido B. Seria natural que a cadeira adicional ficasse com o partido A, certo?

Errado. No Brasil, o método é o das "médias", que faz total sentido. Soma-se a cadeira adicional ao número de cadeiras já conquistadas pelo partido e divide-se pelo número de votos já conquistados - quem tiver maior média de "votos por cadeira", leva. Nesse exemplo, Partido A = 5000 / (1+1) = 2500; Partido B = 61500 / (20 + 1) = 2829; como a média do Partido B é maior, ele leva a cadeira adicional. Faz sentido porque, nesse caso, ambos partidos "ganhariam de lambuja" alguns votos; só que a proporção desses votos "doados" é muito menor ao partido B (2,4%) do que seria ao partido A (20%), distorcendo muito menos a vontade popular do que se fosse usado o sistema de maior sobra.

Nem sempre a melhor solução é a que primeiro salta aos olhos.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Paranóia de mercado

Outro dia ouvi no rádio uma propaganda que era algo assim "venha para o primeiro feirão de carros desse ano...de 2012!". Era o anúncio de uma feira de carros, em Maio de 2011, só com carrros de modelos do ano que vem. Pqp, estamos em Maio...lembro de alguns anos atrás, quando já era uma novidade você poder comprar em Dezembro os carros com modelo do novo ano. Parece que a competição de mercado foi antecipando isso de tal maneira que, daqui a pouco, estaremos comprando carro de modelos de 3 anos pra frente.

Isso me lembra uma situação que acontecia quando eu trabalhava em banco. No mercado de empréstimos para pessoas jurídicas, um momento importante é a tomada de empréstimo, pelas empresas, para pagar o décimo-terceiro salário. Quer dizer, a legislação trabalhista cria uma obrigação paras as empresas que não tem a menor correlação com a realidade econômica; quando chega o momento de pagar a primeira parcela, que geralmente é começo de Novembro, a maioria das empresas procura os bancos para tomar um empréstimo específico para isso. Os bancos movimentam-se, nessa época, para montar estruturas de divulgação, propaganda, movimentação de pessoal interno para ganhar a maior parte possível desse mercado. Há 10 anos, quando primeiro tomei contato com essa realidade, lembro dessa discussão dentro do banco começar no começo de Outubro, porque durante o mês de Outubro, Novembro e, às vezes, começo de Dezembro as empresas tomariam esse empréstimo. Por conta da disputa mercadológica entre os bancos, esse prazo foi diminuindo...lembro bem claramente que, um belo ano, estávamos em Maio e, numa reunião de equipe, o nosso chefe comentou 'e aí, o que vamos fazer pro décimo-terceiro esse ano?". A cara de todos, minha inclusive, foi de surpresa. Caraio, tamos em Maio! O nosso chefe falou "mas o Santander já está anunciando"...O que tinha acontecido é que, em uma reounião com o pessoal do comercial, o diretor comercial cobrou justamente isso: que o Santander já estava anunciando e o nosso banco não tinha nem começado a se coçar. Não importava que o momento da propaganda e da ação comercial estivesse totalmente descolado do momento em que, efetivamente, as empresas tomavam sua decisão nesse sentido.

Um tempo atrás lançaram aquele açúcar light. Parece que é uma mistura de açúcar com adoçante; não é nem açúcar, nem adoçante, é algo meio termo - tem cara de açúcar, gosto de algo mais ou menos e não é tão calórico. E tão anunciando como se fosse uma p* invenção. Isso me lembra algo, novamente, do mercado bancário: a primeira vez que lançaram o empréstimo que, se você pagar todas as parcelas no prazo, você não paga a última parcela. O mercado se alvoroçou; no banco que eu trabalhava, as pessoas eram cobradas "porque ainda não temos aquele produto maravilhoso que o banco x tem". Claro, qualquer ser pensante entende que o banco não é instituição de caridade e, se ele te oferece algo assim, alguma compensação tem. A lógica aqui é clara: a taxa de juros é mais alta o suficiente para compensar a eventual "perda" dessa última parcela. Há considerações de crédito que tornam o produto interessante, mas o importante é que o alvoroço era pelo suposto genial apelo comercial. O problema é que se um dia eu voltar a trabalhar em empresas, é uma coisa com a qual terei de me adaptar. Eu não vejo nada de errado em que o mercado funcione dessa maneira, e até entendo a lógica. Eu só não tenho saco; como diria Raul "macaco jornal tobogã eu acho tudo isso um saco". Se você pudesse ficar no seu cantinho e, quando ordenado, executar a maluquice qualquer da vez que os caras inventassem, beleza - mas não é assim que funciona. O cara que primeiro inventou e implantou esse produto de isenção da última parcela deve ter recebido um bônus animal e ficou bem visto; assim como o cara que inventou o açúcar light. Os outros eram os perdedores que não inventaram nada de interessante... Cria-se um ambiente de total loucura na busca dessas supostas vantagens, de estar na frente; se o diretor (ou apenas UM diretor, se esse diretor foi influente o suficiente para que ninguém se ache no direito de questioná-lo) pôs na cabeça que a oitava da maravilha será alcançar aquela vantagem específica, isso passa a ser mais urgente do que tirar o pai da forca. Claro, apenas até outro diretor por outra coisa na cabeça...

Do ponto de vista da macroeconomia, a teoria geral inicial do capitalismo era a máxima Smithiana de que se todos buscarem o melhor para o seu interesse próprio, a mão invisível do mercado encarregar-se-ia de garantir que isso implicasse no melhor para a sociedade como um todo. John Nash, com sua teoria dos jogos, provou que isso nem sempre é verdade: é bem possível agentes interagindo escolherem o que é mmelhor para si e o resultado geral ser longe do ideal para todos. O liberalismo clássico vem sendo modificado pelas claras evidências que alguma - nem tão pouca assim - regulação é necessária. Parece que dentro das empresas, e nas competições mercadológicas em geral, ainda estamos no principio antigo do capitalismo. Cada um buscando o melhor de si e, boa parte das vezes, não gerando a melhor situação possível para todos. E não falo de algo ideológico do "social" - falo para todos dentro da empresa ou do próprio mercado! - em termos de resultado, de eficiência, de alcançar melhores metas com menos esforços. É a paranóia...