domingo, 27 de fevereiro de 2011

Não existe almoço grátis

Essa expressão é conhecida; significa que ninguém ganha nada de graça. Quando alguém te chama para almoçar e paga o almoço - bom, ponha as barbas de molho...

Tenho andado meio desligado das notícias há alguns dias, e fiquei sabendo recentemente do movimento "passe-livre", que até onde sei, tem como objetivo fazer com que o transporte público em São Paulo torne-se grátis. Parece que o movimento teve como maior detonador o aumento recente do preço das passagens de ônibus em São Paulo. Bom, várias questões me vem a cabeça:

O preço da passagem é justa?

Essa já é uma pergunta complicada - justo para quem, sob qual ótica? Consta das contas públicas que o preço economicamente viável, para cobrir custos e assegurar uma certa margem de lucro às operadoras de ônibus (afinal não vivemos no socialismo nem ninguém é obrigado a fazer caridade) já seria de 3,17, e não 3 reais. Significa que, atualmente, a prefeitura "subsidia" uma parte do preço das passagens para que preço ao consumidor final seja menor. Mas fiquemos, então, com o preço atual: R$ 3,00. Para fazer uma comparação internacional, é algo em torno de US$ 1,80 (isso considerando o câmbio valorizado como está; se o câmbio estivesse a um nível mais razoável esse valor seria abaixo de 1,50 dólar). Não é especialmente barato, mas também não é caro, comparativamente a outras grandes capitais do mundo. A isso, é preciso somar outros 2 fatores. O primeiro são as reduções e gratuidades: estudantes pagam metade; idosos (acima de 60 anos) não pagam; desempregados até 6 meses também tem passe livre. A lógica funciona que nem a meia-entrada do cinema: você, que não tem carteirinha, paga 20 reais porque a maioria, que tem carteirinha, paga 10 - então o preço é ajustado para que a receita fique balanceada. O outro fator é que, já há alguns anos, o sistema de transporte de São Paulo conta com o tal do "bilhete único": você paga uma passagem só para fazer o trajeto que quiser - podendo pegar até 4 ônibus. Se você vai pegar um ônibus e o metrô - ou trem da cptm - você paga um valor reduzido se comparado à soma das duas passagens. Esse critério é justo? Essa discussão fica para depois; mas é claro que isso já beneficia quem anda mais e por mais tempo e pode dar a impressão da passagem ser cara para quem precisa pegar 1 ônibus para andar 10 quadras.


Do ponto de vista conceitual, faz sentido o transporte ser de graça?

Para começar a discussão, é importante a premissa do "não existe almoço grátis". Organizar, por para funcionar, controlar toda uma rede de transporte, por pior que seja, custa dinheiro. Alguém vai pagar - isso está claro, espero. A questão, então, é, se o consumidor direto não paga, quem vai pagar? "Ah, o governo deve financiar". Ok, mas quem é o governo? De onde vem o dinheiro? Vem da gente, do seu imposto, de tudo que é recolhido da sociedade e é transferido - nesse caso - para a esfera municipal. A proposta de tornar o transporte "de graça" significa tirar a conta do usuário e repassar para a toda a sociedade, de forma mais ou menos linear. Faz sentido? Essa resposta passa pelo visão política e filosófica da coisa. Entendo que há certas coisas que a sociedade tem de bancar, de forma geral, e outras que não. Educação, saúde e segurança, ao meu ver, não tem como privatizar totalmente - o estado tem de se responsabilizar por prover essas instâncias, independetemente da questão financeira. Transporte já me parece que não; cada um deve ter a premissa de escolher como, quando e quanto gastar para se locomover. A premissa de que espalhar esse custo de forma aleatória na sociedade é "justiça social" parece-me ingênua. Claro que, falando das classes "macro-sociais", existe uma correlação entre andar de transporte público e renda: gente rica tende a andar de carro, gente pobre tende a andar de ônibus. Mas olhando mais minuciosamente, a coisa não é tão clara assim. Estudantes já pagam um valor bem razoável; estudei em um colégio "de rico" e tinha muita gente que ia para escola de ônibus e metrô. Boa parte da massa trabalhadora que se desloca diariamente de transporte público tem sua condução paga pelos empregadores - trabalhadores CLT, construção civil, domésticas, diaristas etc. A parcela realmente menos favorecida da população não anda muito de transporte público - nas comunidades, muita gente tem emprego informal ali na própria região, ou nem emprego tem. Na classe média (média média ou média baixa), o principal fator para definir se o cabra vai de carro ou de ônibus é a facilidade e economia: se o trajeto de ônibus não for tão pior do que o de carro e se for bem mais barato (como, geralmente, o é) muitas vezes o cara prefere ir de transporte público. Então, retirar esse custo do usuário e repassar linearmente para a sociedade não trará "justiça social" - os grandes beneficiados serão os empregadores, que deixarão de ter o custo do vale-transporte.


E do ponto de vista prático, a probabilidade de ser eficaz é grande?

Nada que é público funciona, em especial no Brasil. Quem pode paga escola particular pros filhos, faz plano de saúde privado, mora em condomínio fechado, anda de carro - o que denota a ineficiência governamental em cuidar de educação, saúde, segurança e transporte. Todo o mundo civilizado já aprendeu isso - a União Soviética, última tentativa significante de nação totalmente controlada pelo Estado, faliu há 2 décadas. Uma proposta que visa aumentar ainda mais a responsabilidade estatal sobre os transportes significa dar outra tartaruga para quem ainda não consegue cuidar nem de uma - manca. Para o Estado "bancar" o transporte, uma das duas coisas aconteceria: ou assumiria o controle total dessa área ou deveria arrecadar mais para fazer frente a esses custos. A primeira hipótese seria um desastre total - se o transporte funciona minimamente é por conta da gestão privada; o Estado não consegue cuidar nem da sua parte, que é o planejamento e os investimentos em estrutura. A segunda implica em dois problemas - mais dinheiro circulando pela esfera pública (mais corrupçao, mais ineficiência), e menos competição para as empresas de transporte - mais comodismo, menos investimento, afinal o Estado sempre vai garantir o dinheiro entrando.


Esse tipo de filosofia e pensamento jurássico sempre encontra alguma nova forma de se manifestar. E ainda escutamos que professores estão divulgando esse tipo de proposta e convocando alunos para participar de manifestações. Imagina a "elite" pensadora que deve estar saindo das nossas escolas...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

10 músicas brasileiras que eu gostaria de ter escrito

Pensei nesse post há algum tempo; no começo, o título seria "as 10 músicas brasileiras mais bonitas". Mas era muita pressão e eu não conseguia fechar a lista. Depois pensei em mudar para "10 músicas brasileiras bonitas para car$%#..."; foi quando eu me lembrei de que, com frequência, quando escuto alguma música de que gosto bastante, fico com inveja do compositor; penso "pqp, queria ter escrito isso". Daí o nome do post. Embora o principal fator para cada música ter entrado na lista seja a letra, outros aspectos - como melodia, arranjos etc - contribuíram. Em cada uma eu destaco uma parte da letra que especialmente me chama a atenção; a letra inteira não vai (o eventual leitor que quiser que procure...!) Vamos à lista, que não vai em ordem de preferência.

Eu sei que vou te amar - Vinícius de Moraes e Tom Jobim
Fazendo a lista percebi que gosto mais do Vinícius poeta do que do letrista. Claro que ele fez muita coisa bacana, mas a simplicidade, que na poesia dá uma fluência legal, na música as vezes fica corriqueiro. Ainda sim, essa música é um clássico. Ok, a letra pode não ter nada de tão elaborado, mas a combinação da musicalidade, com o poema que geralmente acompanha, e a beleza com que transmite o sentimento, me fazem gostar bastante.

'eu sei que vou chorar...a cada ausência tua eu vou chorar...mas cada volta tua há de apagar...o que essa ausência tua me causou'

Há tempos - Renato Russo
Bom, eu sou do time que curte (bastante) Legião. Sou fã do Renato Russo, pelo talento musical, pela personalidade etc. Poderiam ter outras músicas aqui, mas como eu queria limitar a 10, decidi escolher uma só do Renato. E escolhi essa porque combina tudo: musicalidade, letra bonita, boa para cantar, para tocar no violão, estrutura bacana - não tem refrão. Enfim, pacote completo.

'disseste que sua tua voz, tivesse força igual, à imensa dor que sentes...teu grito acordaria, não só a tua casa, mas a vizinhança inteira...'

Eu te amo - Chico Buarque e Tom Jobim
O Chico cai no mesmo esquema do Renato Russo - se deixar, faz uma lista só de músicas dele. Nesse caso abri uma exceção e coloquei 2 ehehe. Outra coisa: como tem melodia bonita do Tom! (todo mundo deveria conhecer todas as músicas que Tom e Chico compuseram juntos, são todas muito bonitas). Não me lembro de ter ouvido outra música que reflita tão bem aquele sentimento do amor perdido...

'como, se nos amamos feito dois pagãos, teus seios ainda estão nas minhas mãos, me explica com que cara eu vou sair'

Além do que se vê - Marcelo Camelo
Aqui eu admito que é bem menos unanimidade, mas confesso que tive que fazer um certo esforço para só colocar uma do Marcelo Camelo - gosto demais do estilo de composição dos Los Hermanos. Mistura letras bem pensadas, arranjos muito bacanas, musicalidade. Essa aqui, pra quem gosta de violão, é bem legal (ouça alguma versão com o Marcelo tocando acústico).

'é preciso força, para sonhar, e perceber, que a estrada vai além do se vê...eu sei, que a tua solidão me dói, e que é difícil ser feliz, mais do que somos nós...'

Tocando em frente - Renato Teixeira
Para contrapor, um clichezão; ainda sim, a música é muito bonita. É um exemplo de como profundidade e simplicidade podem andar juntos...

'ando devagar porque já tive pressa e carrego esse sorriso, porque já chorei demais...' (essa frase é do car*...!)

Oceano - Djavan

Para mim, Djavan é meio que nem Caetano: gosto mais das músicas pelas construções musicais, pela fluência, do que pela letra - para falar a verdade, boa parte das vezes não entendo patavinas do que eles estão tentando dizer. Oceano é um pouco assim, embora a letra tenha partes bonitas Mas o conjunto é que fica bom - a melodia é muito bacana e encaixa muito bem na letra.

'você desagua em mim e eu oceano...e esqueço que amar, é quase uma dor....'

Detalhes - Roberto Carlos
E não podia faltar uma do Robertão, né...são tantas emoções! eheh talvez tivessem outras para escolher, mas eu gosto muito dessa.

'eu sei que esses detalhes vão sumir, na longa estrada...no tempo que transforma quase tudo, em quase nada...'

Você - Raul Seixas

Toca Raul!! essa letra é um soco no estômago - é uma daquelas na qual o Raul demonstra seu entendimento das coisas como elas são, a despeito (ou por causa?) de todas as drogas e maluquices.

'por que deixar que a vida lhe acorrente os pés...e finge que é normal estar insatisfeito'....

Minha namorada - Carlos Lyra / Vinícus de Moraes

A outra de Vinícius da lista; gosto muito dessa letra...tenho um amigo que pediu a (hoje) esposa em namoro tocando essa música no violão ehehe... um tanto machista, mas pela época que a música foi composta, e conhecendo um pouco da hístória e da personalidade do Vinícius, totalmente compreensível.

"você tem, que vir comigo em meu caminho, e talvez o meu caminho, seja triste para você..."

Partido Alto - Chico Buarque

Quando eu defini que seria justo ter pelo menos 2 do Chico, foi difícil fechar a segunda; mas quando me lembrei de Partido Alto, não saiu mais da lista. Chico tem a capacidade de combinar a construção musical com a mensagem da música; essa letra toda de exposição do jeitinho brasileiro, da malandragem, tocada num sambinha com muita ginga. É muito bom.

'Deus é um cara gozador, adora brincadeira, pois para me jogar no mundo tinha o mundo inteiro, mas achou muito engraçado me botar cabreiro, na barriga miséria eu nasci brasileiro' (versão original devidamente censurada pelo ufanismo da ditadura)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

depois reclama...

Esses dias precisei de um serviço de chaveiro para carro. O guincheiro indicou um cara aqui perto de casa; ligamos para ele e ele foi - chegou 3 horas depois do que tinha combinado. Começou o serviço, precisou vir 2 vezes a mais do que tinha estipulado no primeiro encontro e levou 2 dias a mais para completar o serviço. Com o agravante de que, toda vez que precisava ir, atrasava-se pelo menos 2 horas. Depois da terceira ligação nossa "onde você tá car*#$WW" ele não atendia a ligação até chegar aqui. Cara educado, até prestativo, mas nunca mais vou chamar ele.

Dois spots de luz aqui em casa morreram - nem trocando a lâmpada acendia. Chamei um eletricista que faz serviços no prédio - ele veio com um assistente, deu aquela olhada e mandou ver: precisava trocar os spots. Tive motivos para desconfiar daquele diagnóstico, mas como entendo tanto de eletricidade quanto de sapateado, fiquei quieto. Meia-hora depois, chega só o assistente dele para trocar as peças: o que faz diferença, porque fui eu que tive que ficar segurando a escada pro cara não cair. Mexe daqui, mexe dali, o cara descobre que o problema não é aquele - tem um fusivel na casa de disjuntor queimado. O cara vai pegar a peça para trocar, mas aí combino com ele um horário, porque eu não podia esperar. Você chegou aqui no horário combinado? Ele também não...No dia seguinte, o cara aparece num horário x, dá alguma explicação tosca pro sumiço e troca o fusível, mas o problema continua. Mexe daqui, mexe dali, precisa voltar para falar com alguém mais experiente, porque ele não sabe bem o que é. De tarde aparece o cara que realmente manja: em meia-hora resolve o problema. Mas o cara quer cobrar um preço final que era o triplo do combinado, porque, afinal, "precisamos fazer mais coisa" - só que o erro foram deles mesmos ao diagnosticar errado.

Quando eu encontro algum profissional, em qualquer área, que seja bom - por bom, entenda-se honesto, dedicado e minimamente competente - é comum não largar mais o cara; até se eu mudo de bairro e é possível fazer serviços com o cara, eu faço. Indico para todo mundo que puder. O problema é que é tão difícil achar né...e eu nem sou muito exigente; é só o cara cumprir mais ou menos o prometido, cobrar um preço razoável e não ser completamente descompromissado. Mas, ainda sim, é difícil...

Um conhecido meu, quando via alguém fazendo cag*, costumava falar "depois reclama que filho de pobre não tem sorte". Ou, no caso, "depois reclama que o país não tem oportunidade, que não tem trabalho, que o mundo é injusto"...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

barganha, semi-blefe

Outra boa de um seriado americano de que gosto: The Good Wife. O pano de fundo é a história da esposa do Promotor público de Chicago (que nos EUA é um cargo eletivo), cujo marido é deposto e preso após um escândalo sexual. A protagonista, que tem sido dona-de-casa por 15 anos, tem de recomeçar a vida profissional como estagiária em um escritório de advocacia. Gosto do seriado, principalmente, pelas questões jurídicas envolvidas: como os casos correm, a relação advogados x juízes, promotoria x defesa etc.

Pois bem, mas o post é sobre outra personagem: Kalinda, uma investigadora do escritório onde a protagonista trabalha. Muitos dos casos que o escritório ganha vem das investigações dela, mas ainda sim ela se sente - e parece que é - desvalorizada; já em outros episódios ela tinha mostrado descontentamente pelo salário (por ex, quando descobre a fortuna que o escritório paga para um consultor de júri). Mesmo demonstrando claramente sua insatisfação parece que nada é feito de muito concreto para melhorar a situação dela. Para piorar, outro investigador é contratado que, aparentemente, ganha mais e tem mais prestígio com os sócios do que ela.

Até que, no episódio que assisti recentemente, ela decide agir. Aproveita que existe a oportunidade dela ir trabalhar em outro escritório - e seus chefes sabem disso - e pede um grande aumento, bem como outras condições de trabalho. Como, de costume, seu chefe fala "vamos ver o que pode ser feito", ela percebe o "enrolation mode: on" dos seus chefes e também começa a trabalhar em 'operação padrão' - só faz o básico, em vez dos constantes coelhos da cartola que ela costumava tirar para ajudar nos casos. Quando isso começa a prejudicar os casos importantes dos sócios, o que obviamente acontece é que ela é promovida.

Ok, é um exagero televisivo, mas é exatamente assim que acontece em empresas. É perfeitamente possível - aliás, é comum - duas pessoas que desempenham tarefas parecidas e tem habilidade equiparáveis ganharem salários muito diferentes. E isso vem do simples fato de que, assim como em qualquer outro produto, a mão-de-obra obedece a lei de oferta e demanda. Você não vai pagar 10 por um produto que pode ser comprado por 5. Você até pague se a loja que vende por 5 só tem uma unidade e você precisa de duas - mas naquela unidade cujo preço é 5 é 5 que você vai querer pagar. Porque o chefe seria otário o suficiente para fazer diferente? Se tem alguém que aceita - sem reclamar, ou pelo menos sem tomar atitudes sérias a respeito - receber 5, porque vou pagar 10? A "mercabilidade" (hein?) é o fator preponderante para determinar quanto alguém vai ganhar. Não me considero o cara mais "adaptado" ao corporativismo, mas sempre me irritou muito as pessoas que reclamavam dessa dinâmica. As coisas são como são - reclamar disso é que nem achar ruim a lei da gravidade ou que chocolate engorda.

Nunca vi alguém crescer rápido ou ter um salário acima da média sem essa "mercabilidade"; e isso se compõe de várias características: marketing pessoal, capacidade de causar uma boa impressão, contatos e possibilidades de mudar de emprego. Seu chefe pode realmente achar que você poderia ganhar mais do que ganha, mas ele estará muito mais disposto a pagar quando acreditar que o risco de outro alguém pagar é grande.

No poker, embora o imaginário comum pense ser muito frequente o grande "blefe", tem um movimento que é muito mais usado e lucrativo: o semi-blefe. Isso acontece quando você aposta com uma mão que provavelmente não é a melhor, mas como ha ainda cartas por vir, a probabilidade dessa mão melhorar não é pequena. A jogada é lucrativa porque há 2 formas de vencer: quando seus oponentes desistem da mão ou quando eles pagam, mas ainda sim sua mão melhora e você vence. Nessa situação, seu principal objetivo é fazer com que seu oponente desista, mas se ele não desistir, também tudo bem. Essa situação que descrevi, do profissional barganhando, me lembrou muito essa jogada. Porque assim como o blefe puro é poucas vezes lucrativo, a barganha do profissional tem de ter uma saída - isso é, a pessoa tem de estar realmente disposta a mudar de emprego se as coisas não saírem como ela quer. E isso exige também outras características, como disposição para encarar novos desafios, sair da zona de conforto, reconquistar seu espaço em um lugar novo - coisas que, a maioria das pessoas - eu inclusive, quando trabalhava em empresa - não tem. Some-se a isso a tal da "mercabilidade" e temos a explicação de porque 2 pessoas podem desempenhar a mesma função e ganharem salários bem diferentes.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Into the Wild

Cris McCandless era um jovem americano, de família de classe média alta; ficou famoso quando seu corpo foi encontrado em um ônibus abandonado no meio do mata do Alasca, e Jon Krakeuer escreveu uma reportagem a seu respeito. Dois anos antes de ser encontrado morto, Cris havia se formado no college e, tendo ja demonstrado anteriormente apreço por viagens longas e com poucos recursos, saiu em uma viagem pelo país sem comunicar ninguém da sua família. Ao longo desses 2 anos, planejou o que chamava de "aventura derradeira": passar algum tempo no meio do mato no Alasca, sobrevivendo com seus poucos e próprios recursos.

Após escrever a matéria, Krakeuer interessou-se tanto pela história que escreveu um livro. Sean Penn adorou o livro e fez um filme("Na natureza selvagem"). Conheci a história pelo filme (que assisti mais de uma vez) e acabei lendo o livro, o que me ajudou a formar novas opiniões, pois os 2 tem, em alguns momentos, enfoques diferentes. Não sei qual é o propósito desse post; acho que como acabei de ler o livro, queria tecer alguns comentários gerais, sem nenhuma rigidez. Se o eventual leitor não está familiarizado com a história, a leitura será desinteressante, pois não é meu intuito contar os detalhes.

Tomando-me como exemplo, tendo a achar que o fascínio que essa história exerce tem a ver com o imaginário moderno, essa certa vontade que muita gente tem de viver alguma aventura, uma vida não entediada por laços sociais, obrigações, menos apegada a bens materiais (embora carpe dien e fugere urbem não sejam conceitos propriamente modernos). Cris encarna bem o "cara inteligente, legal, que poderia ser muito bem sucedido mas teve a coragem e espirituosidade para tentar levar uma vida mais simples e sincera". Cris fez questão de sobreviver com poucos recursos, de recusar o conforto, o luxo. Pelo que sabemos da história dele, a viagem de Cris não deixa de ter um forte tom de crítica social - uma crítica aguda ao american way of life, o ápice da desvirtuação das relações e dos valores dos quais o capitalismo é capaz. É compreensível porque isso desperte tanta paixão: vai ver um profundo e generalizado vazio nas pessoas, uma ausência de sentido e a angústia propiciada pela vida moderna sejam os invólucros ideais para que esse tipo de história encontre eco.

Parece-me que Sean Penn optou por uma visão mais romantizada e filosófica da história; Jon Krekauer, nos momentos do livro em que, claramente, transmite sua opinião pessoal, parece bem simpático a vários aspectos da história de Mccandless. Mas não se furta a debater - até porque o veículo "livro" lhe permite - com mais detalhes, outras considerações.

Tem muita gente nos EUA que considera Cris um grande babaca - um menino mimado, ingênuo, que teve a arrogância de enfrentar a natureza sem estar minimamente preparado para tal. Mas como tudo que invoca paixão mereça ser analisado, vale também para o outro lado: porque tanta raiva dele? Krekauer conta que, quando escreveu a história, recebeu muitas cartas de pessoas indignadas com essa certa idolatria pelo que Cris fez; em especial, alasquianos, que moram em um estado que está acostumado a esse tipo de evento - "malucos" fazendo experiências temerárias com a esperança de que a natureza bruta curará suas decepções. Na opinião do autor do livro, essa indignação teria a ver com o espelho de que a história do Cris fornece às pessoas - um reflexo de tudo que as pessoas tem de sufocar e abdicar para viver suas vidas enquadradas no modelo.

Há considerações práticas nessa discussão. Somente como exemplo: Cris não carregava um mapa topográfico da região na qual ficou no Alaska (deve ter tido motivos, senão práticos, psicológicos, para tal). Se tivesse um mapa, saberia que, quando não conseguiu atravessar o rio de volta, porque o mesmo estava na sua cheia, conseguiria ter atrevessado o mesmo andando 2 km ao sul - e provavelmente teria sobrevivido. Por outro lado, ele já tinha sobrevivido - muito bem, obrigado - por 3 meses naquela região com seus próprios recursos. Sua assunção de que sobreviviria sem problemas por mais um ou dois meses, até que o fluxo do rio diminuisse o suficiente para que fosse "atravessável", está longe de ser "maluca". Outra polêmica é a causa de sua morte - há várias suposições e nenhuma certeza. Jon Krakeuer duvida da versão corrente - e aceita por Sean Penn no filme - de que Cris confundiu duas sementes diferente e tenha comido a venenosa no lugar da comestível. Não faz muito sentido - há evidências de que Cris tenha colhido as sementes corretas por 3 meses; porque, de uma hora para outra, iria se confundir? A hipótese que ele lança, embasada por alguns botânicos, é de que, mais tarde, Cris passou a comer as vagens da planta comestível também com as sementes - e essas sim, embora não esteja descrito em nenhum livro, são venenosas. Esse não seria um erro bizarro de um incompetente desavisado, mas um infortúnio que, junto com uma conjunção de infelicidades, levou a sua morte.

Há as questões psicológicas; os críticos de toda essa história levantam todas as hipóteses - problemas com os pais, desequilíbrio, homosexualismo. Krekauer aponta bem que esse tipo de "pscinálise pós-mortem" não leva a lugar algum; apenas não possibilita ao "analisado" participar da sua própria análise. Fica claro que Cris tinha problemas familiares, e críticas sérias aos seus pais - aparentemente, nada muito mais grave do que nós todos temos. Talvez ele apenas tenha lidado com isso de maneira diferente. Com meu gosto por questões psicológicas, não consigo deixar de olhar para elas. Jon Krakeuer reconhece em Cris o que reconhecia em si mesmo anos antes - quando ele mesmo fez uma viagem para escalar um pico no Alasca e quase morreu: um certo dilema do porco-espinho, uma necessidade de ficar sozinho, de querer acreditar que ficará melhor sozinho mas que, em algum momento, reconhece a falta que o contato humano lhe faz. Parece que nas suas viagens Cris lidou, frequentemente, com esse dilema: fez amizades sinceras com pessoas que conheceu, mas em algum momento sentia uma vontade incontrolável de afastar-se. Há indicações que, ao final do seu período do Alasca, ele estava pronto para criar relações humanas mais profundas: grifara trechos de Tolstoi sobre a felicidade em uma comunidade, em volta de pessoas, bem como uma parte de Dr. Jivago que cita bem claramente "a felicidade só é real se compartilhada". Nunca saberemos se essa experiência teria realmente esse efeito terapêutico nele.

O traço em Cris que, por assim dizer, não consigo "perdoá-lo" (!!), é o que fez com sua família...tenho dificuldades em conceber algo de tão mal que seus pais o fizeram para justificar a dor insana que (imagino) ele os causou. Esse instinto de não causar tanta dor poderia ter falado mais alto do que qualquer consideração filosófica ou racional; tanto assim que, embora tenha conhecido muitas pessoas não tradicionais em sua viagem, a maioria delas tentou convencê-lo, sem sucesso, a contatar a sua família.

Obviamente, não conheço Sean Penn, nem tenho como saber suas motivações no filme. Mas me parece que sua abordagem "filosófica" foi muito feliz (sem contar a fotografia e trilha sonoro maravilhosas do filme). Olhar para o "exemplo" e pensar sobre questões práticas não são mutuamente excludentes. É provável que Cris fosse desequilibrado; que tenha encontrado uma maneira "esquisita" de lidar com suas frustrações. Ainda sim, é uma história linda. As histórias de heróis que conhecemos, que são contadas, não são as do equilibrados e sãos que dosaram adequadamente cada risco. São os de que, em algum momento, preocuparam-se menos com sua integridade física e mais com outra coisa. Sei lá, pode ser. O que você acha?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

direita, esquerda

Eu tinha escrito esse texto na época das eleições, mas por alguma razão, acabei não postando. Agora vai...

Direita e Esquerda, em política, são termos oriundos da Revolução Francesa, na qual a burguesia, revolucionária (quem escuta o termo 'burguês' hoje em dia e desconhece História não imagina que a Burguesia, um dia, já foi revolucionária), ficava à esquerda no Parlamento, enquanto a Aristrocracia, conservadora, ficava à direita. Desde então, em política, usa-se o termo para caracterizar, de maneira bem genérica, alinhamentos políticos. A esquerda seriam os revolucionários, os que desejavam subverter (sem sentido depreciativo) a ordem estabelecida, em especial para estabelecer direitos e oportunidades iguais a todos - por extensão, a esquerda fica caracterizada como os que buscam, então, justiça social. A direita seriam os conservadores, do ponto de vista de costumes - que querem manter a ordem e o respeito a certas circunstâncias estabelecidas - e, do ponto de vista econômico, a partir do Século XX, partidários de uma economia liberal.

Não sou cientista político, mas parece óbvio, e muitos especialistas afirmam isso, que a classificação em direita e esquerda, hoje em dia, perde muito o sentido. Torna-se uma simplificação de uma gama de pensamentos que se alinham e desalinham, em cada aspecto da administração pública correntes ideológicas diferentes podem ter opiniões parecidas ou completamente divergentes. Mas como é comum, ainda hoje, usar essa divisão, vamos lá.

Onde está a Direita no Brasil? Hoje, em época de eleição, vemos um campo partidário completamente polarizado entre dois grandes partidos de centro-esquerda: PT e PSDB.(Nesse ponto imagino que alguém que esteja, eventualmente, lendo esse texto, possa ser pergunta "epa, PSDB de centro-esquerda?", então acho justo fazer uma pequena digressão: sim, centro-esquerda, com certeza. Tenho minhas críticas e minhas aprovações aos 8 anos de governo FHC no Brasil, mas um governo que aumentou impostos, não desinflou o Estado e criou uma estrutura de distribuição direta de renda, que serviu de base para que o governo posterior fizesse o bolsa-família, não pode ser considerado de direita em nenhum lugar do mundo. Inclusive, comparando a política macro-econômica dos 8 anos de governo do PT com as criticas que José Serra já fazia à política econômica do Malan, e não restará dúvidas que, em termos de economia, Serra poderia ser considerado à esquerda do PT!). A "opção alternativa" na eleição presidencial é uma candidata claramente identificada com setores de esquerda - inclusive recém saída do PT. Entre os nanicos, aqueles partidos com traço de intenção de voto e que tem 30 segundos na propaganda eleitoral para passar alguma mensagem são, quase todos, de extrema esquerda - PSOL, PSTU, PCO etc. Então, cadê a direita?

Alguém, provavelmente simpático aos ideias de esquerda, poderia perguntar: po, isso não é bom? Não é uma evolução política que não haja mais espaço para esses reacionários, conservadores? Muito pelo contrário. Não estou questionando preferências políticas individuais, estou discutindo espaço social para repercussão de idéias diferentes. Nos Estados Unidos, republicanos (mais associados ao conservadorismo) e democratas (mais associados ao que se assemelha a setores de esquerda) tem tanto equilíbrio de poder que, invariavalmente, acabam se revezando no governo de 8 em 8 anos. Dependendo da questão crítica no momento, pode pender mais para um lado ou para o outro. Na maioria dos países fortes da Europa, como Inglaterra, França e Alemanha, a direita tem apresentado uma força eleitoral crescente, chegando a ganhar até eleições em determinados momentos. E só o Brasil é politicamente evoluído o suficiente para ter "banido" a direita do mapa?

Mesmo que se continue usando os termos genéricos "esquerda" e "direita", é forçoso estabelecer em quais aspectos as diferenças aparecem. A esquerda está associada, diretamente, com quem deseja mais justiça social. Por extensão, a defesa de uma melhora na educação, na saúde, no transporte público, mais emprego, aumento da renda etc, ou seja, tudo que signifique melhora de vida, em especial para a população de baixa renda, fica caracterizado como exclusividade da esquerda. É justamente um discurso político que, entre a década de 90 e os anos 2000, o PT ajudou a disseminar: não é possível haver uma discussão de método, de meios para alcançar os diferentes fins; se você discorda, é porque você é contra a melhora, a justiça social. No Brasil, "direita" é reacionário, é elitista, é aquele que quer manter o status quo, porque assim a sua dominação maléfica permanecerá oprimindo os mais pobres (aperte a tecla sap, por favor). Em pleno século XXI, é uma sandice pensar que qualquer político, com um projeto de governo mininamente razoável, não considere que educação, saúde, transporte, habitação, segurança pública etc não sejam prioridades. O que difere, em essência, é o meio pelos quais cada corrente ideológica imagina ser melhor alcançá-los. Se a economia não vai bem, e falta emprego, um governo de esquerda estabeleceria que cabe ao governo criá-los, por meio de estatais, obras públicas, ou até minimizar o problema por meio de distribuição direta de renda. Um governo de direita estabeleceria que cabe ao governo criar as condições favoráveis para que a iniciativa privada voltasse a investir, estimulando a economia e gerando empregos de forma sustentável. Um governo de esquerda acredita em um Estado forte, poderoso, atuando em diversos setores da economia, com uma forte regulamentação da vida econômica. Um governo de direita acredita que o Estado deve ser manter apenas onde sua função é essencial, como saúde, educação de base e segurança; que em todos os outros setores deve haver regulamentação, mas que a iniciativa privada, devidamente regulamentada e controlada, é muito mais eficiente e menos sujeita a corrupção para tocar as atividades da economia. Como utopia, um governo de esquerda acredita, no final das contas, que todos são iguais e, portanto, deveriam ter as mesmas coisas. A utopia de um governo de direita é que todos devem ter a liberdade para exercer as suas opções e, portanto, cabe ao estado garantir o mínimo para uma sobrevivência digna de todos, como forma de assegurar a liberdade - mas que a partir daí cada um constrói a sua vida da maneira que bem desejar. Um governo de esquerda pode conceber que, em nome da justiça social e do aumento da igualdade, que alguma pequena transgressão possa ser cometida, inclusive em nível institucional, se no final das contas essa transgressão for positiva para esse objetivo maior. Um governo de direita atesta que o respeito aos princípios da democracia e da constituição está acima de tudo - em suma, que os fins não justificam os meios.

Será que essa oposição de ideais é tão absurda a ponto de, hoje, inexistir direita no Brasil? No período anterior e durante a ditadura, era comum a expressão "comunista come criancinha". Hoje em dia quem come criancinha é direitista reacionário...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Discos, Lacan, Lógica

Em um livro que estava lendo recentemente, tomei contato novamente com uma historinha que já tinha lido há muitos anos. É um conto sobre 3 prisioneiros que terão a oportunidade de se libertar, ao passarem por um enigma; quem descobrir a solução, consegue a liberdade. O chefe do presídio dispõe de 5 discos - 3 brancos e 2 negros - e colará um deles, nas costas de cada prisioneiro, de forma que um prisioneiro consegue ver os discos nas costas dos outros dois, mas não o seu próprio disco. Quem anunciar primeiro ao chefe do presídio de que cor é o seu próprio disco e, mais importante, porque chegou a conclusão, ganha a liberdade. Depois de algum tempo de hesitação entre os 3, um deles chama o chefe e anuncia a cor do seu disco. Qual era a cor?
A resposta intuitiva - e correta - é branco. A lógica é a seguinte: a hesitação dos 3 prisioneiros ao ver os discos dos outros 2 atesta que não poderia haver 2 discos pretos nas costas de 2 prisioneiros, senão o terceiro prisioneiro imediatamente saberia que o seu disco seria branco. Sabe-se, então, que cada prisioneiro pode ter visto um disco branco e outro preto ou 2 brancos. Ora, o prisioneiro que descobriu o enigma sabia que os outros 2 também sabiam dessa primeira premissa (ou pelo menos podia imaginar que fossem inteligentes o suficiente para tanto); ainda sim, nenhum dos outros dois tinha se manifestado. Se o disco nas suas próprias costas fosse negro, algum dos outros 2, por conta da primeira premissa apresentada e por ninguém ainda ter apresentado a solução, saberia que o seu próprio disco era branco, e logo apresentaria a solução para libertar-se. Como a hesitação continuasse, o seu próprio disco só poderia ser branco (na verdade, os 3 só poderiam ser brancos para que a solução do enigma por parte dos priosioneiros não fosse trivial).
A primeira vez que tomei contato com esse conto foi no famoso livro "O homem que calculava" de Malba Tahan, que li quando criança (essa história, junto com a das escravas vendadas e da divisão dos pães foram as que mais fascinaram na época). O ponto é que o livro em que reli, esses dias, esse enigma, é sobre psicologia - na verdade, aparece como uma referência a um dos seminários de Lacan, que justamente usa esse conto para formular seu conceito de tempo lógico, característica tão conhecida na psicanálise lacaniana. Não é interessante que algo tão lógico e matemático tenha tenta relação com algo, digamos, tão subjetivo como a psicanálise?