segunda-feira, 23 de abril de 2012

Como funciona

Eu tinha uns 20 anos, estava no quarto ano de faculdade e tinha um ano e pouco de estágio. A empresa fazia contratos de estágio de 1 ano. Ao final do contrato, havia uma discussão de como o estágio tinha andado e do que fazer pro futuro. No meu caso, recebi um bom feedback, mas como não havia vagas na minha área, meu contrato de estágio foi prorrogado por mais um ano. Nesse momento eu fiz questão de pontuar que meu objetivo era ser efetivado e, a partir de então, passei a cobrar meus superiores com uma frequência de, digamos, 2 em 2 meses, sobre em que pé estava a coisa. E a conversa ia sempre na linha de "olha, você tá indo muito bem, mas sabe como é, ainda não tem vaga, tenha um pouco de paciência...".




Quem já passou por isso sabe como é. Em poucos meses de estágio você está fazendo trabalho de analista, só que ganhando um terço (entre salário e benefícios) do que deveria ganhar. Aos poucos sua paciência vai se esgotando...



Um belo dia eu descobri que havia uma regra de aumento para estagiários. Era coisa pequena, tipo 10%, e só era dado para um %, os considerados "melhores". Pedi para o meu chefe e ele ficou de averiguar. Alguns dias depois ele me chamou, e falou que não ia rolar, por conta de uma burocracia etc e tals, mas de novo falou para ter paciência, que agora estava perto de acontecer o que eu queria (efetivação). Com alguma educação, expressei o meu descontentamento, e o desafiei dizendo "pô, como eu posso acreditar nisso, se nem um simples aumento de 10% vocês conseguem?". Ele, com paciência, deu um sorriso de canto de boca e falou "as coisas não funcionam assim". Uns 2 meses depois houve uma reestruturação na área, abriram vagas e eu fui efetivado. Meus rendimentos totais quase triplicaram.



Esse poderia ser um texto sobre "cobrar", brigar pelo que vc quer, mas não é. Só alguns anos depois, quando me lembrei disso, consegui imaginar o que meu chefe, naquela conversa, pensou ao dar aquele sorrisinho. Com alguns anos de experiência do mundo do corporativo, tive mais clareza do que ele quis dizer com "as coisas não funcionam assim". Efetivar alguém depende de você ter vaga; as vezes pessoas muito competentes acabam não sendo aproveitadas enquanto outras, com menos tempo e dedicação, acabam sendo efetivadas pelo simples fato de que em uma área não havia vaga e na outra, sim. É claro que um desempenho bom sempre ajuda; se o chefe tem um estagiário muito bom na área, ele fará todos os esforços possíveis para arrumar uma vaga. No caso em voga, esse "aumento" de 10% seguia uma burocracia gigante. Era controlado pelo RH, que fazia um ranking dos estagiários, e os parâmetros para estabelecer quem seriam os primeiros eram bastante confusos; cada chefe tinha que ir lá brigar e, como quase tudo em empresa, o fator político contava bastante. Enquanto que efetivar alguém, tendo vaga, era tarefa muito mais fácil: é só o chefe da área dizer "nessa vaga vai fulano" e, pronto, está feita a festa.



Agora o sorrisinho: imagino que o que ele tenha pensado é o que costumo pensar, em algumas situações, escutando uma certa formulação lógica. A pessoa faz uma asserção que, pela sua lógica interna, é incontestável. Fazia todo sentido para mim imaginar que um aumento de 10% fosse mais fácil conseguir do que uma efetivação e, portanto, se não consegue-se o mais fácil, o que dizer do mais difícil...O problema aqui, no entanto, é a premissa. E era uma premissa errada, de quem não conhecia o sistema, simplesmente por falta de experiência, por não ter vivido, por não conhecer de perto. E ele nem tentou me explicar isso, justamente porque, nessas horas, não adianta explicar. Tem de conhecer para saber como funciona e, certas coisas, só vivendo para saber.