domingo, 27 de fevereiro de 2011

Não existe almoço grátis

Essa expressão é conhecida; significa que ninguém ganha nada de graça. Quando alguém te chama para almoçar e paga o almoço - bom, ponha as barbas de molho...

Tenho andado meio desligado das notícias há alguns dias, e fiquei sabendo recentemente do movimento "passe-livre", que até onde sei, tem como objetivo fazer com que o transporte público em São Paulo torne-se grátis. Parece que o movimento teve como maior detonador o aumento recente do preço das passagens de ônibus em São Paulo. Bom, várias questões me vem a cabeça:

O preço da passagem é justa?

Essa já é uma pergunta complicada - justo para quem, sob qual ótica? Consta das contas públicas que o preço economicamente viável, para cobrir custos e assegurar uma certa margem de lucro às operadoras de ônibus (afinal não vivemos no socialismo nem ninguém é obrigado a fazer caridade) já seria de 3,17, e não 3 reais. Significa que, atualmente, a prefeitura "subsidia" uma parte do preço das passagens para que preço ao consumidor final seja menor. Mas fiquemos, então, com o preço atual: R$ 3,00. Para fazer uma comparação internacional, é algo em torno de US$ 1,80 (isso considerando o câmbio valorizado como está; se o câmbio estivesse a um nível mais razoável esse valor seria abaixo de 1,50 dólar). Não é especialmente barato, mas também não é caro, comparativamente a outras grandes capitais do mundo. A isso, é preciso somar outros 2 fatores. O primeiro são as reduções e gratuidades: estudantes pagam metade; idosos (acima de 60 anos) não pagam; desempregados até 6 meses também tem passe livre. A lógica funciona que nem a meia-entrada do cinema: você, que não tem carteirinha, paga 20 reais porque a maioria, que tem carteirinha, paga 10 - então o preço é ajustado para que a receita fique balanceada. O outro fator é que, já há alguns anos, o sistema de transporte de São Paulo conta com o tal do "bilhete único": você paga uma passagem só para fazer o trajeto que quiser - podendo pegar até 4 ônibus. Se você vai pegar um ônibus e o metrô - ou trem da cptm - você paga um valor reduzido se comparado à soma das duas passagens. Esse critério é justo? Essa discussão fica para depois; mas é claro que isso já beneficia quem anda mais e por mais tempo e pode dar a impressão da passagem ser cara para quem precisa pegar 1 ônibus para andar 10 quadras.


Do ponto de vista conceitual, faz sentido o transporte ser de graça?

Para começar a discussão, é importante a premissa do "não existe almoço grátis". Organizar, por para funcionar, controlar toda uma rede de transporte, por pior que seja, custa dinheiro. Alguém vai pagar - isso está claro, espero. A questão, então, é, se o consumidor direto não paga, quem vai pagar? "Ah, o governo deve financiar". Ok, mas quem é o governo? De onde vem o dinheiro? Vem da gente, do seu imposto, de tudo que é recolhido da sociedade e é transferido - nesse caso - para a esfera municipal. A proposta de tornar o transporte "de graça" significa tirar a conta do usuário e repassar para a toda a sociedade, de forma mais ou menos linear. Faz sentido? Essa resposta passa pelo visão política e filosófica da coisa. Entendo que há certas coisas que a sociedade tem de bancar, de forma geral, e outras que não. Educação, saúde e segurança, ao meu ver, não tem como privatizar totalmente - o estado tem de se responsabilizar por prover essas instâncias, independetemente da questão financeira. Transporte já me parece que não; cada um deve ter a premissa de escolher como, quando e quanto gastar para se locomover. A premissa de que espalhar esse custo de forma aleatória na sociedade é "justiça social" parece-me ingênua. Claro que, falando das classes "macro-sociais", existe uma correlação entre andar de transporte público e renda: gente rica tende a andar de carro, gente pobre tende a andar de ônibus. Mas olhando mais minuciosamente, a coisa não é tão clara assim. Estudantes já pagam um valor bem razoável; estudei em um colégio "de rico" e tinha muita gente que ia para escola de ônibus e metrô. Boa parte da massa trabalhadora que se desloca diariamente de transporte público tem sua condução paga pelos empregadores - trabalhadores CLT, construção civil, domésticas, diaristas etc. A parcela realmente menos favorecida da população não anda muito de transporte público - nas comunidades, muita gente tem emprego informal ali na própria região, ou nem emprego tem. Na classe média (média média ou média baixa), o principal fator para definir se o cabra vai de carro ou de ônibus é a facilidade e economia: se o trajeto de ônibus não for tão pior do que o de carro e se for bem mais barato (como, geralmente, o é) muitas vezes o cara prefere ir de transporte público. Então, retirar esse custo do usuário e repassar linearmente para a sociedade não trará "justiça social" - os grandes beneficiados serão os empregadores, que deixarão de ter o custo do vale-transporte.


E do ponto de vista prático, a probabilidade de ser eficaz é grande?

Nada que é público funciona, em especial no Brasil. Quem pode paga escola particular pros filhos, faz plano de saúde privado, mora em condomínio fechado, anda de carro - o que denota a ineficiência governamental em cuidar de educação, saúde, segurança e transporte. Todo o mundo civilizado já aprendeu isso - a União Soviética, última tentativa significante de nação totalmente controlada pelo Estado, faliu há 2 décadas. Uma proposta que visa aumentar ainda mais a responsabilidade estatal sobre os transportes significa dar outra tartaruga para quem ainda não consegue cuidar nem de uma - manca. Para o Estado "bancar" o transporte, uma das duas coisas aconteceria: ou assumiria o controle total dessa área ou deveria arrecadar mais para fazer frente a esses custos. A primeira hipótese seria um desastre total - se o transporte funciona minimamente é por conta da gestão privada; o Estado não consegue cuidar nem da sua parte, que é o planejamento e os investimentos em estrutura. A segunda implica em dois problemas - mais dinheiro circulando pela esfera pública (mais corrupçao, mais ineficiência), e menos competição para as empresas de transporte - mais comodismo, menos investimento, afinal o Estado sempre vai garantir o dinheiro entrando.


Esse tipo de filosofia e pensamento jurássico sempre encontra alguma nova forma de se manifestar. E ainda escutamos que professores estão divulgando esse tipo de proposta e convocando alunos para participar de manifestações. Imagina a "elite" pensadora que deve estar saindo das nossas escolas...

2 comentários:

  1. Concordo plenamente com os argumentos contrários à gratuidade.
    Só faço um adendo pra dizer que o transporte aqui é sim muito caro. Em valor absoluto, é mais caro ou no mínimo igual ao das cidades européias. Isso quando falamos de um bilhete de 10 viagens. Em muitas cidades há os bilhetes de 100 viagens, 3 meses, etc (pacotes que beneficiam o heavy user) que deixam o valor unitário ainda menor.
    E..
    - incluem integração;
    - há estações para todo lado;
    - não há lotação de matadouro (talvez Tokyo seja exceção);
    - também há benefícios para estudantes, idosos, professores, etc.

    Se comparamos então o poder aquisitivo, aí vemos que o cara daqui gasta uma parte muito maior de sua renda do que um europeu (isso para quem não é subsidiado pelo patrão. Mas se analisarmos friamente, provavelmente isso está embutido no seu baixo salário).

    Vou ao trabalho de metrô e önibus e outro dia fiz uma conta. Gasto em média 190 reais/mês nisso.
    De carro gastaria 120....(pois teria onde parar de graça).
    Escolho o transp. público por outras razões não financeiras.
    O ganho médio em São Paulo, se não me engano, é na casa dos 1300 reais. Dá 15% do ganho.
    Um espanhol deve gastar 60 euros/mês e ter um ganho médio de 1500 euros. Dá 4% do ganho...

    Nesse valor de 3,17 mencionado como "ideal" deve ter um oceano de ineficiências e uma bela margem de lucro....

    abraço!
    Daniel

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  2. Daniel, bons argumentos...eu tentei deixar de fora o item "qualidade" do transporte, porque é óbvio que a qualidaede é bem baixa. O que nos leva a outra questão: a prefeitura gasta 800 milhões por ano com subsídios, dinheiro que poderia estar sendo gasto em investimento no setor. Quanto ao % ganho x gasto por transporte, realmente, seus argumentos são bons. Mas tem outros fatores que ajudam: por ex, a não necessidade de fiscalização nos ônibus - o cabra compra um bilhete válido por um tempo e só precisa mostrar quando for solicitado. Aqui você tem controlar a priori, o que dificulta. Outro ponto: a tecnologia; a maioria dos lugares que visitei da europa e eua não tinham integração ônibus x metrô, coisa que a tecnologia do bilhete único permite aqui - não sei qual a solução para manter essa tecnologia e ainda poder "contar" o número de viagens do heavy user, como vc mencionou. Só mais um fator para mostrar que nem o planejamento está sendo bem feito... abraços!

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