sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Real Madrid jogando a Libertadores

Esse texto é sobre política, mas pra você que não conhece muito sobre futebol, valem explicações prévias: a Libertadores da América é o torneio sul-americano entre clubes, titulo mais almejado pelos clubes brasileiros. Embora tenha melhorado nesse quesito de uns anos para cá, é um torneio conhecido pela dureza da disputa. A origem disso vem de vários aspectos. Joga-se alguns jogos no seu próprio estádio, outros tantos na casa dos adversários. Quando jogam em casa, os clubes costumam fazer tudo que seja possível para tornar a vida do seu visitante um inferno. Exemplos comuns de estratégia nesse sentido são: na ida para o estádio, o ônibus que leva os jogadores é obrigado a passar pela torcida adversária, sendo devidamente hostilizado; o vestiário que os adversários usarão no estádio está sem condições de uso, as vezes falta água, as vezes demasiadamente sujo; cria-se uma atmosfera de hostilidade tamanha que, provavelmente, os jogadores temem pelo seu bem estar físico; além de também serem influencidados por esse clima e, portanto, costumeiramente acabar beneficiando os times da casa, os juízes também são mais lenientes com a violência e o contato físico nessa competição do que em outras. A lista não pára por aí, mas creio que a idéia esteja clara.
O Real Madrid é um tradicionalíssimo clube espanhol. Você pode imaginar o que seja o futebol europeu, de maneira geral: campos bem cuidados, torcidas bem comportadas, boa organização etc. Na Espanha, em especial, o futebol é menos truncado, há menos contato físico, menos marcação. O Real Madrid caracterizou-se, nos últimos anos, por tentar montar times altamente técnicos, com toque de bola refinado - brasileiros habilidosos preferem ir jogar na Espanha do que na Itália, por exemplo, onde a marcação é mais forte e, portanto, preveligia-se um futebol objetivo em detrimento de habilidade exagerada. Pronto, agora o cenário está completo.

Imagine o Real Madri disputando a libertadores. Na sua primeira experiência jogando no estádio de um adversário, experimenta todo aquele clima de guerra; se revoltam com o tratamento recebido e já entram em campo com a cabeça quente. O campo é horrível e não possibilita um toque de bola, há muito contato físico; o time adversário bate a valer, mas o juíz não toma nenhuma providência. Toma um gol; pensa que dá para recuperar, mas a torcida faz um inferno e empurra o time adversário para frente, que não deixa eles respirarem, e acaba fazendo outro gol; um jogador cai em mais uma provocação do adversário, revida e é expulso - ele não sabe "bater sem ser notado". No jogo da volta, na sua própria casa, aquele clima ameno que é costumeiro nos jogos do futebol espanhol - campo em perfeito estado, torcida comportada. O outro time tem a vantagem conquistada no primeiro jogo e se posta inteiramente na defesa; o Real Madrid tenta atacar, mas quando a defesa adversária não consegue marcar na bola, pára o jogo com faltas, continuamente, a todo momento. O juíz, novamente, não toma nenhuma atitude contra essa anti-desportividade. Aqui e ali só adverte verbalmente, de vez em quando um cartão amarelo, e só. Toda oportunidade que o adversário tem de fazer o jogo parar ele usa: quando um jogador cai no chão só levanta 2 minutos depois, chama o médico para atender uma contusão claramente falsa, o goleiro demora para repor a bola e assim por diante - e o tempo continua rodando. Cada vez mais os jogadores do Real Madrid vão ficando irritados e não conseguem reverter a vantagem - eventualmente outro jogador acaba sendo expulso de campo. No final, o time acaba sendo eliminado da competição. Essa situação se repetiria eternamente até que o clube "aprendesse" a disputar aquela competição; estivesse psicologicamente preparado para o inferno que é jogar fora de casa, reavaliasse as estratégias que iria usar em cada situação e, claro, entendesse que, ali, "fair play" e desportividade não colam - o lema é "salve-se quem puder".

Agora sim a analogia - se o Lula adora fazer analogia futebolísticas, eu também posso. O processo político brasileiro nunca foi coisa para santinhos ou, para ficar na analogia, clima de futebol europeu. Imagino que em nenhum lugar do mundo seja. Mas a partir da década de 90 e, em especial, depois de ganhar as eleições em 2002, o PT consolidou as piores práticas desse processo, institucionalizando-as. Quando era oposição, entre 94 e 2001, apostou no "quanto pior melhor"; opos-se a projetos fundamentais ao Brasil como o Plano Real, a Lei de responsabilidade fiscal, entre outras. Criou a mentira da "privataria" que, apoiada em uma parte ideologizada e desinformada da mídia, tornou-se um mito brasileiro - jogou reputações no lixo. Quando assumiu o poder, passou a usar de todas as prerrogativas para perpetuar-se no poder, quer essas estratégias fossem ou não do jogo democrático. Ninguém é ingênuo de pensar que essas estratégias fossem novas mas, pelo menos desde a abertura do regime democrático, havia alguns limites - um deles era a regra tácita do "foi pego, negão? então sefu, pede para sair". Ou não foi assim com o Maluf? Com Collor? Com Sarney e Jader Barbalho? Com os anões do orçamento? Não é o ideal, mas é um pragmatismo que ajuda o país a caminhar para frente no quesito transparência e ética pública. Quando se aperta o cerco e os políticos ficam com mais medo de ser pegos, se fecham as brechas para a corrupção. E invariavalmente a corrupção vai diminuindo, uma vez que nem em teoria podemos pensar que será completamente extinguida. A novidade do PT foi o, em descoberto um esquema ou uma patifaria, o discurso é "veja bem, não sei se foi bem assim" e deixa no colo da mídia e da população o gosto de "todo mundo fazia ué, agora a gente não pode"...É, não pode, nunca pôde! Enquanto não se descobre, infelizmente não tem como punir. É a institucionalização do abuso, do pode tudo. Foi assim com o mensalão, onde o Zé Dirceu levou a culpa, foi afastado e preservou-se o presidente. No caso do caseiro Francenildo, Palocci precisou apenas de uma saída estratégica, para alguns anos depois voltar com tudo como coordenador da campanha da Dilma. Agora, com a quebra do sigilo dos tucanos, a intenção é justamente de criar, mais uma vez, uma atmosfera de "a gente não sabia de nada" e bola pra frente.

Ao escrever esse texto, a minha intenção original era de criticar a oposição feita ao PT nesses 8 últimos anos, em especial por DEM e PSDB. Acho que sobrou amadorismo político; em vários momentos, o que se quis foi assegurar para si mesmo o monópolio da polidez política. Se um projeto era bom para o país, votava-se junto. Se havia algo a criticar, a crítica era velada, era discreta, não queria se correr o risco de atrair para si a imagem de "oposição histérica". No mensalão, por ex, o cálculo político era que o presidente teria sua popularidade comida pouco a pouco e poderia ser derrotado no processo eleitoral, quando havia elementos de sobra para entrar no impeachment. Para não correr o risco de tornar Lula um mártir, apostou-se em deixar a coisa correr solta e o resto é história. A única exceção que eu me lembre a esse comportamento "certinho" foi na CPMF: deixaram ao governo o custo da decisão de usar truculência política para aprovar a manutenção do imposto ou perder a receita. Oito anos decorrendo, e estamos aí: Lula vai eleger a candidata que bem quis, usando como bem entender a máquina pública e desdenhando da democracia: participa de comícios no exercício do poder, já tomou não sei quantas multas (e desdenha do STE quando as toma), a campanha da Dilma flerta abertamente com esquemas irregulares - como esses da quebra do sigilo - e assim por diante. Não há o menor constrangimento em mentir deslavadamente e usar qualquer instância do Estado - que deveria ser público - em prol de um projeto de poder.

Mas não é só a oposição que entra nesse clima, parece-me que a sociedade, de maneira geral, assumiu isso. Eu acho que boa parte da população incorporou o conceito do "rouba mas faz" - é como se Lula, por conta do bom desempenho da economia e da melhora de renda dos mais pobres, pudesse fazer o que bem entendesse; tudo seria justificável. Mas não é só isso; outra parte da população ainda se comporta como o Real Madrid jogando a libertadores; é como se fosse tão esquisito acreditar que alguém pudesse jogar tão sujo, que o benefício da dúvida prevalece ad eternum. Vejo comentaristas na mídia - vários - conseguindo declarar coisas do tipo "não há evidências de que há relação entre a quebra do sigilo e o comando da campanha da Dilma". Catso, que outras evidências vocês querem? Recibos? Atas de reunião? Um e-mail da Dilma pedindo expressamente isso? Já não bastou mensalão, aloprados, caso do caseiro e tantos outros para perder a ingenuidade de achar que o PT vai se limitar ao jogo limpo do processo democrático? Quando o Real Madrid acordar, já vai ter pedido tantos campeonatos, e a regra do campeonato vai estar tão diferente que provavelmente nem poderá mais chamar-se aquele esporte de futebol.

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