quarta-feira, 19 de junho de 2013

Manifestações II

Ontem, acompanhando a transmissão dos protestos da Globonews, dois professores de sociologia ou algo que o valha acompanhavam (aliás, porque apenas sociólogos ou cientistas políticos são chamados a dar suas opiniões? Porque não um economista, políticos influentes etc?). A opinião dos dois - e dos jornalistas que participavam - era de que prefeitura e estado erravam, e feio, ao não "suspender" o aumento para parar as manifestações. Era quase como se a culpa das manifestações continuarem fosse exclusivamente deles.
Ora, é evidente que para muita gente que se manifesta a questão não são, necessariamente, os 20 centavos. Mas os fatos são os fatos e tem sua história. Quem começou, organiza e é reconhecido como líder da manifestação em São Paulo é o tal do Movimento Passe Livre, grupo que é uma franja de partidos de extrema esquerda e que tem uma proposta claramente socialista como bandeira principal. Muitas pessoas podem estar aderindo às manifestações pelos mais diversos motivos, contra 'tudo que está aí', mas, na prática, estão engrossando o coro desse movimento com um objetivo específico: cancelar o aumento.
Que fique bem claro que não votei no Haddad e tenho toda a motivação para torcer que ele tenha o máximo de desgaste político possível nessa questão, mas aí vem: Haddad foi eleito pelo povo de São Paulo é o prefeito legitimamente eleito. Em nenhum momento de sua campanha prometeu não aumentar (ou reduzir) o preço da passagem, mudar o modelo de concessão ou qualquer coisa que o valha. Se havia algum candidato com essa bandeira, passou longe de vencer, porque nem Haddad, nem Serra nem Russomano tinham essa proposta. Há muitos anos que aumentos na passagem acontecem de 2 em 2 anos, em anos ímpares - em governos do PT, do PSDB, de outros partidos, há pelos menos 20 anos. Vivemos num país com inflação não insignificante - aliás, longe disso. É impraticável que algum preço, qualquer preço, fique mais de 2 anos sem reajuste (aliás ficar mais de 1 já é algo foram do comum).
Então faz algum sentido pensarmos que a única alternativa do prefeito é acatar a solicitação de um grupo organizado, mas insignificante do ponto de vista de representação, que teve como grande ativo ter se beneficiado de uma insatisfação difusa da população com uma série de coisas? Não estamos diante de uma situação na qual o prefeito tomou uma decisão contrária a tudo que é sabido, respeitado, ao que foi prometido na campanha etc (por ex se ele fechasse a Câmara dos vereadores...). O aumento da passagem era esperado para esse ano, desde Janeiro, foi adiado até Junho e ocorreu abaixo da inflação. Qual é a grande afronta à população? Se eu e mais alguns amigos organizados formos contra (por ex) a política de segurança pública da Dilma, eu posso organizar manifestações e, se tiver sorte o suficiente para angariar apoios que talvez não tenham nada a ver com a minha causa, tenho o direito indiscutível de não só ser ouvido, mas atendido prontamente no meu pedido? O Brasil inteiro que votou na Dilma (para o meu desespero) tem de se dobrar à vontade dos que podem parecer muitos, mas não só são pouco relevantes na totalidade da população como não são democraticamente legítimos a exercer qualquer poder de decisão?

Claro que há questões de segurança, claro que o movimento ganhou uma adesão (por quaisquer motivos) monstruosas, claro que nos parágrafos acima simplifiquei a questão, e suspender o aumento é uma das opções. Mas fica a dúvida. Baixar o aumento não é tarefa fácil; há um orçamento, há uma política por trás disso. Quem disse que a maioria dos paulistanos é a favor de reduzir a tarifa se isso implique em redução de investimentos em educação, por ex? A Prefeitura tem um déficit grande de creches. Pergunte a uma mãe que deixa seu filho numa creche da prefeitura para trabalhar se ela aceita que a creche seja fechada para que a diferença do preço seja bancada. Pergunte a uma que está na fila que ela não terá vaga por causa disso. Aumento de impostos? Pergunte a qualquer um - mesmo o pai sem muitos recursos que banca a passagem dos filhos estudantes - se ele aceita pagar mais IPTU por conta disso (talvez a grande empresa que banca o vale transporte dos seus funcionários aceitasse de bom grado um pouco mais de IPTU na sua sede, provavelmente sairia ganhando nessa barganha). São essas as questões que estão na mesa, e num regime democrático esses pontos são resolvidos elegendo-se representantes - no executivo e legislativo - que tem posições mais ou menos definidas a respeito. Claro que esses representantes podem e devem ser influenciados ao longo dos mandatos, além da óbvia avaliação final na eleição. O que muitos que estão adorando as manifestações e achando que "a tarifa tem de baixar" esquercem é que não vivemos numa 'democracia direta', e não podemos, ou não deveríamos querer, viver na sociedade do "quem faz mais barulho pode mais". Quem julga qual causa é mais importante? Governantes são eleitos e pagos para lidar com a complexidade, achar soluções, trabalhar com opções que são excludentes. Qualquer um pode levantar um cartaz sem ter o menor compromisso com as implicações do seu pedido.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Manifestações

Quem já leu algo por aqui não deve ter dificuldade em imaginar porque sou pouquíssimo simpático a um movimento que busca que a tarifa seja zero - o que implica, em um país já com Estado paquidérmico, ineficiente e corrupto, em que mais dinheiro de impostos recolhidos em uma carga tributária abusiva e injusta sejam destinados a subsídios. Não vou discutir o porquê da pauta de 'contra o aumento' ou 'passe livre' é absurda - há textos aos montes explicando isso muito bem por aí. Só adendaria que seria muito bem vinda uma discussão, no entanto, sobre modelo de concessão vigente, que impede a competição entre empresas (o que melhoraria a qualidade, mas não o preço, pois o preço que está na idéia vigente de transporte interligado não tem como ser baixo). Protestar contra as consequências dum modelo com forte interferência estatal pedindo mais Estado é o paradoxo ao cubo.

Em frente. Já na semana passada tinha passado perto das manifestações por dois dias. Junte-se a isso o que vemos nas imagens e os meus 9 anos de convivência na USP e chega-se a clara a impressão de que, apesar de chamarem de 'manifestação do povo', de povo não se trata (ao menos na maioria). Ontem (segunda) peguei o metrô entre 5 e 6 da tarde (como faço todo dia), percebi a movimentação acima do normal, lembrei-me da manifestação e comecei a jogar o 'jogo dos sete erros' - identificar no cenário do dia o que não era comum em todos os outros dias do ano. Em geral, grupinhos de estudantes, naquela idade em que é difícil reconhecer se estão nos últimos anos do ensino médio, nos primeiros anos da faculdade ou naquela fase 'nem-nem' (nem estuda nem trabalha) de cursinho ou algo que o valha - as caras, as roupas, o jeito de "meninice" são mais ou menos os mesmos. A grande maioria com cara de bem nutrida, de quem vem de família com certa condição. É sabido que a riqueza tem cara - já escreveram que boas proteínas e certos nutrientes nos momentos certos deixam sua marca inequívoca, por mais que alguns tentem se travestir como se de boa condição não fossem. O clima era totalmente de "happening", de "há uma coisa bacaninha acontecendo e precisamos participar dela", para alguns até de baladinha; grupos de 4 ou 5 aguardavam um ou outro amigo que estava para chegar, excitados com aquilo tudo, alguns até bebendo cerveja (não me lembro a última vez que vi alguém bebendo cerveja no metrô as 6 da tarde numa segunda-feira). Enfim, só para pintar o quadro: minutos depois estava eu andando no meio da manifestação no Largo da Batata por 5 ou 6 quadras e o que vi, em predominância, foi bem esse clima. Isso desqualifica o movimento? Torna-o menos legítimo? Nâo necessariamente, só ajuda (para quem tem real interesse nisso) a que as nossas teorias sobre o que está acontecendo sejam mais apegadas à realidade, e não teorias que são muito mais "o que gostaríamos que de fato estivesse acontecendo".

Pauta - 'não são apenas os 20 centavos', ou "não é mais só sobre a tarifa". Olha, manja aquela namorada que está brava com o namorado, e quando ele pergunta por que, ela dá uma resposta tão objetiva quanto "foi porque você não reparou que eu cortei o cabelo...". E aí papo vai papo vem, no fim ela acaba revelando que não era só por isso, mas por outra coisa completamente diferente? Pois é, se não for por causa da tarifa, seria então por alguma outra coisa que não está clara. E não se reinvidica tudo de uma vez ou uma agenda escondida, difusa. Ontem dois representantes do tal do MPL estavam no roda-vida, e numa coisa eles tem razão: na manifestação, os gritos e cartazes predominantes eram sobre a tarifa. Recuso-me a argumentar qualquer coisa fora disso, porque se pessoas sentem-se no direito de parar a cidade e atrapalhar a vida de milhões, o mínimo que se espera é que tenham um pedido objetivo.


Polícia: o certo e o cômodo. Antes da manifestação de quinta passada, já tinham ocorrido 2 manifestações com problemas: depredações de ônibus e estações de metrô, pichações etc. Não falemos nem dos problemas de locomoção para a população. Na terceira manifestação, é se de se imaginar o estado de espírito que o comando da PM, instituição que, entre coisas, deve proteger o patrimônio público, estava para lidar com os manifestantes. Some-se a isso o acordo que havia para que a manifestação não chegasse na Paulista, o desrespeito a esse acordo e está feito o cenário para um confronto, como o que houve. Pode ser que tenha havido excessos e é preciso apurá-los, mas no geral a PM estava no seu papel em um estado democrático de Direito de fazer respeitar certas regras sociais. O que ouvimos em geral a seguir, na grande mídia, de artistas etc? Polícia violenta, que absurdo etc e tal (se a jornalista da folha não tivesse sido agredida, teria a imprensa paulista, em especial, abraçado a causa tão declaradamente?) . Ok. Nessa segunda a PM tomou a decisão incorreta mas muito mais confortável: deixar rolar. Querem ocupar a paulista? Sem problemas! Querem parar a cidade inteira? Opa!! A cidade parou, virou um caos, milhões foram prejudicados. Mas as atenções da mídia, em geral, foram para Brasília e, principalmente, RJ e RS, onde o pau comeu. Politicamente foi a melhor saída (Alckmin, o demônio predileto da imprensa foi poupado) embora para a população como um todo tenha sido pior.

Sei que muitos querem ver nas manifestações um sinal de que "o povo está acordando". Não me comove simplesmente porque não é isso que tenho visto nas ruas - ao menos falo de São Paulo. Tenho visto, no geral, uma mobilização de grupelhos de extrema esquerda sendo engrossada por estudantes loucos por uma causa para chamar de sua, para viver na pele (nem que seja num simulacro) os ideais de luta e mobilização sobre os quais seus professores de colégio e faculdade tanto falam sobre. Não vivemos numa ditadura; há 11 anos um grupo supostamente progressista e de esquerda está no poder - e aliás tornou-se o maior partido do Brasil. Quem é a opressão? Contra quem estamos lutando? 60 mil pessoas é gente para caramba, e nesse universo deve haver muitos ânimos. Acho até que a maioria está muito bem intencionada, com o sentimento honesto de que estão fazendo algo de importante. O fato de que o estopim para tudo tenha sido uma mobilização feita por um movimento de extrema esquerda, no momento que nem de longe é o mais crítico dos últimos 10 anos, por uma pauta muito ruim e simplista, não é algo para se descartar da análise. Releva-se esse fato (com argumentos de "a maioria não tem partido" ou "não são só pelos 20 centavos") para poder encaixar o que é visto à teoria que mais agrada. A realidade às vezes é a realidade, não o que gostaríamos que ela fosse

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Resultados

(A última motivação para esse texto foi futebol, o que me levou a ficar na dúvida em qual blog postar. Na dúvida, postarei nos dois).




Diz um ditado educadinho que "opinião é que nem bunda - cada um tem a sua". Sobre qualquer assunto, qualquer um pode falar o que quiser - a batatada que for. Faz parte. O problema é determinar quem tem razão.



No excelente livro "O que devo fazer da minha vida?", uma das historias que o autor Po Bronson conta é sobre um roteirista de Hollywood. Em um momento, para contextualizar a situação que está descrevendo, ele explica uma certa lógica do funcionamento das coisas por lá. Os elogios são tão fartos e fáceis que a melhor maneira de se determinar o quanto cada um é realmente bom (ou quanto vale) é pelo simples preço que é oferecido para se contratar esse alguém (roteirista, ator, diretor...). Ou seja, quem está lá há tempo suficiente já aprendeu que um comentário "nossa, você estava tão bem naquele filme!" vale muito menos do que um "te ofereço xyz milhões para fazer meu próximo filme"...



Recentemente, decidi prestar um concurso público e, para tanto, tive que entrar de cabeça nesse mundo paralelo que é o mundo dos concursos; aprender a estudar, saber como e por onde aprender as disciplinas etc etc etc. Ajudou-me muito as dicas de pessoas mais experientes e de especialistas no assunto. O problema é que tem muita informação e muita gente dizendo coisa muita diferente. Só que tem um cara que fala X e já foi aprovado em 4 concursos concorridos (todos nas primeiras posições) e outro que fala Y e tá há 3 anos estudando para passar....qual dos dois você vai ouvir?



Não conheço outro assunto com mais espaço para divergências e opiniões diferentes do que futebol (aí falando mais do plano tático, de como jogar, do que fazer, e não da paixão em si - essa sim incontornável). O técnico arma o time de um jeito e um lado da torcida pensa "que imbecil!"; se ele mudar, é o outro lado que vai pensar a mesma coisa. Nâo tem jeito. Qual o melhor jeito de estabelecer, no fim, quem estava certo? Alguém ganhou, alguém foi campeão - esse é o jeito menos enviesado de saber quem tinha razão. Há sorte, há fatores circunstanciais, mas no conjunto da obra, o resultado é muito menos subjetivo do que um simples "ah, eu acho que...".



Resultados as vezes apagam erros, sobrevalorizam esforços em certas direções. Nâo tem jeito. Mas não arrumaram ainda jeito mais objetivo de medir quem estava certo no que estava fazendo. Se a sua opinião é que há um outro jeito melhor de fazer, em algum momento esse jeito de fazer vai mostrar resultados. Se não mostrar, então por mais que você invente teorias mil para explicar, você está errado.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A bendita sacolinha

Parece uma questão interminável...
Para mim sempre pareceu natural que a medida de não distribuir "de grátis" as benditas fosse tomada em algum momento. Talvez porque nas minhas pouquíssimas viagens internacionais, em todo país já fosse assim. Você quer sacola, você compra. Se não leva na sua bolsa, leva uma mochila de casa, enfim, se vira.

Mas ultimamente eu não tenho sido muito de aceitar as coisas como naturais e tenho tido uma curiosidade de ouvir opiniões diversas. Quando pela primeira vez ouvi alguém perguntar "e como é que faz com o lixinho do banheiro e da cozinha? e para catar o cocô do cachorro?", pensei que eram argumentos interessantes. Do outro lado, não ouvi respostas muito convicentes. E agora, José?

O argumento de defesa do consumidor contra um ganho de lucratividade dos supermercados me parece um falso argumento. É uma visão de curto prazo. Isso é, estão dizendo que os supermercados vão lucrar mais porque agora não tem de dar a sacolinha, e estão vendendo a retornável. O contrargumento é que, no longo prazo, pelo setor varejista ser muito concorrido, em especial em preços, alguém irá jogar essa margem para os preços e todo mundo terá de seguir para competir. Faz sentido. O que não faz sentido é, se a sacolinha for mesmo a praga que é, não achar outra solução pelo "direito do consumidor".

Outro dia o onipresente presidente do Instituto Akatu, que dá umas vinte entrevistas por dia, tava falando sobre os lixinhos. A idéia dele é fazer aqueles "sacos" de papel reciclável ou, como os lixinhos são de plástico duro, deixar de usar os saquinhos e lavar os lixinhos de tanto em tanto tempo. Não pude controlar o pensamento "esse cara tem uma empregada que vai fazer isso para ele...".

Tudo considerado, acho que passa por um princípio básico de finanças públicas: externalidades. Se alguma atividade econômica traz externalidades negativas, isso é, traz más consequências que não são arcadas pelos participantes do negócio (e sim pela sociedade como um todo), essa atividade deve ser desestimulada. O que dizer de incentivada! Dar sacolinhas plásticas é incentivar uma atividade que traz fortes externalidades negativas. Não faz sentido. Se a gente quer usar a sacolinha no lixinho ou para catar o cocô do cachorro, beleza; mas que paguemos por isso. Receber de graça significa não controlar, usar mais do que o necessário, por 2 ou 3 sacolinhas para não vazar, jogar fora porque uma alça quebrou e coisa do tipo. Pagando, se controla mais e, se for o caso, buscar outras soluções. Mas buscar porque se escolheu assim. Eu não baniria as sacolinhas; só colocaria um preço não irrisório para quem quiser comprá-las.


Não ter a sacolinha nem para vender é um problema. Muitas vezes estou no meio do caminho e só preciso comprar uns 2 ou 3 itens. Mas não levei a sacola retornável e não vou comprar outra só para 3 ou 4 itens. Nem vou carregar na mão. Aí não passo; eu fico sem, o supermercado não vende.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Como funciona

Eu tinha uns 20 anos, estava no quarto ano de faculdade e tinha um ano e pouco de estágio. A empresa fazia contratos de estágio de 1 ano. Ao final do contrato, havia uma discussão de como o estágio tinha andado e do que fazer pro futuro. No meu caso, recebi um bom feedback, mas como não havia vagas na minha área, meu contrato de estágio foi prorrogado por mais um ano. Nesse momento eu fiz questão de pontuar que meu objetivo era ser efetivado e, a partir de então, passei a cobrar meus superiores com uma frequência de, digamos, 2 em 2 meses, sobre em que pé estava a coisa. E a conversa ia sempre na linha de "olha, você tá indo muito bem, mas sabe como é, ainda não tem vaga, tenha um pouco de paciência...".




Quem já passou por isso sabe como é. Em poucos meses de estágio você está fazendo trabalho de analista, só que ganhando um terço (entre salário e benefícios) do que deveria ganhar. Aos poucos sua paciência vai se esgotando...



Um belo dia eu descobri que havia uma regra de aumento para estagiários. Era coisa pequena, tipo 10%, e só era dado para um %, os considerados "melhores". Pedi para o meu chefe e ele ficou de averiguar. Alguns dias depois ele me chamou, e falou que não ia rolar, por conta de uma burocracia etc e tals, mas de novo falou para ter paciência, que agora estava perto de acontecer o que eu queria (efetivação). Com alguma educação, expressei o meu descontentamento, e o desafiei dizendo "pô, como eu posso acreditar nisso, se nem um simples aumento de 10% vocês conseguem?". Ele, com paciência, deu um sorriso de canto de boca e falou "as coisas não funcionam assim". Uns 2 meses depois houve uma reestruturação na área, abriram vagas e eu fui efetivado. Meus rendimentos totais quase triplicaram.



Esse poderia ser um texto sobre "cobrar", brigar pelo que vc quer, mas não é. Só alguns anos depois, quando me lembrei disso, consegui imaginar o que meu chefe, naquela conversa, pensou ao dar aquele sorrisinho. Com alguns anos de experiência do mundo do corporativo, tive mais clareza do que ele quis dizer com "as coisas não funcionam assim". Efetivar alguém depende de você ter vaga; as vezes pessoas muito competentes acabam não sendo aproveitadas enquanto outras, com menos tempo e dedicação, acabam sendo efetivadas pelo simples fato de que em uma área não havia vaga e na outra, sim. É claro que um desempenho bom sempre ajuda; se o chefe tem um estagiário muito bom na área, ele fará todos os esforços possíveis para arrumar uma vaga. No caso em voga, esse "aumento" de 10% seguia uma burocracia gigante. Era controlado pelo RH, que fazia um ranking dos estagiários, e os parâmetros para estabelecer quem seriam os primeiros eram bastante confusos; cada chefe tinha que ir lá brigar e, como quase tudo em empresa, o fator político contava bastante. Enquanto que efetivar alguém, tendo vaga, era tarefa muito mais fácil: é só o chefe da área dizer "nessa vaga vai fulano" e, pronto, está feita a festa.



Agora o sorrisinho: imagino que o que ele tenha pensado é o que costumo pensar, em algumas situações, escutando uma certa formulação lógica. A pessoa faz uma asserção que, pela sua lógica interna, é incontestável. Fazia todo sentido para mim imaginar que um aumento de 10% fosse mais fácil conseguir do que uma efetivação e, portanto, se não consegue-se o mais fácil, o que dizer do mais difícil...O problema aqui, no entanto, é a premissa. E era uma premissa errada, de quem não conhecia o sistema, simplesmente por falta de experiência, por não ter vivido, por não conhecer de perto. E ele nem tentou me explicar isso, justamente porque, nessas horas, não adianta explicar. Tem de conhecer para saber como funciona e, certas coisas, só vivendo para saber.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

bom senso ou lógica?

Muitas vezes, o que é considerado "bom senso" vai sensivelmente contra ao que levaria uma análise lógica, mais racional. Exemplos disso são muito comuns, mas por conta de assuntos que precisei aprender recentemente, dois casos específicos me ocorreram.

1- Imagine uma eleição para governador de Estado. Os candidatos são João, José e Joaquim. O total de votos válidos nesse Estado para essa eleição foi de 100 mil votos, tendo João ganho a eleição, no segundo turno, contra José. Algum tempo depois, o TSE descobriu irregularidades na candidatura de João, impugnando o seu mandato. Qual a solução? Toma posse José, o segundo colocado na disputa eleitoral. Nada mais correto, correto?

Errado. E não, necessariamente, do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista lógico.

Ora, a maioria da população escolheu um candidato (João). Depois, apurou-se que o processo não foi válido, por conta de irregularidades, portanto esses votos não poderiam ser computados. Atribuir o resultado da eleição sem considerar os votos de quem votou em João (a maioria) é tomar uma decisão alijando a maioria da população do processo! Nada implica em que, estando João fora do páreo, José (e não Joaquim, o terceiro colocado), fosse eleito. Para deixar o argumento mais claro, vamos exagerar o exemplo. Imagine que João houvesse sido eleito com 80 mil votos, ficando, respectivamente, em segundo e terceiro lugares, José, com 12 mil votos, e Joaquim, com 8 mil. Ora, excluídos os 80 mil votos de João do processo, a diferença de 4 mil de José para Joaquim é insignificativa perto dos 80 mil votos que foram impedidos de manifestar sua decisão.

Recentemente, o STE decidiu pela eleição do segundo colocado em eleições onde o vencedor foi impugnado. Deveriam ter sido convocadas novas eleições, obviamente sem a presença do candidato impugnado.

2- Nas eleições para deputado funciona o tal do sistema proporcional. Divide-se o total de votos válidos (excluindo-se os nulos e brancos) pelo número de cadeiras a ser preenchidas para achar o Quociente eleitoral, e o número de cadeiras que cada partido vai ocupar é quantas vezes o número de votos desse partido alcançou esse Quociente. Vejamos um exemplo: imagine que, em um estado, há 30 cadeiras a ser preenchidas e 90 mil votos válidos; o Quosciente eleitoral será, então, de 3 mil votos. Imagine que partido A e partido B consigam, respectivamente, 5 mil e 61.500 votos; em uma divisão que desconsidera o "resto", o partido A ocupa uma vaga só e o B ocupa 20. Mas o que se faz com o resto da divisão? Excluindo-se o resto sobram cadeiras a ser ocupadas, - como computar quem fica com as sobras? A solução que melhor se apresenta é um "arredondamento", privilegiando a quem falta menos para chegar no número inteiro. Nesse caso, ao partido A faltam 1000 votos para alcançar mais uma cadeira, enquanto faltam 1500 ao partido B. Seria natural que a cadeira adicional ficasse com o partido A, certo?

Errado. No Brasil, o método é o das "médias", que faz total sentido. Soma-se a cadeira adicional ao número de cadeiras já conquistadas pelo partido e divide-se pelo número de votos já conquistados - quem tiver maior média de "votos por cadeira", leva. Nesse exemplo, Partido A = 5000 / (1+1) = 2500; Partido B = 61500 / (20 + 1) = 2829; como a média do Partido B é maior, ele leva a cadeira adicional. Faz sentido porque, nesse caso, ambos partidos "ganhariam de lambuja" alguns votos; só que a proporção desses votos "doados" é muito menor ao partido B (2,4%) do que seria ao partido A (20%), distorcendo muito menos a vontade popular do que se fosse usado o sistema de maior sobra.

Nem sempre a melhor solução é a que primeiro salta aos olhos.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Paranóia de mercado

Outro dia ouvi no rádio uma propaganda que era algo assim "venha para o primeiro feirão de carros desse ano...de 2012!". Era o anúncio de uma feira de carros, em Maio de 2011, só com carrros de modelos do ano que vem. Pqp, estamos em Maio...lembro de alguns anos atrás, quando já era uma novidade você poder comprar em Dezembro os carros com modelo do novo ano. Parece que a competição de mercado foi antecipando isso de tal maneira que, daqui a pouco, estaremos comprando carro de modelos de 3 anos pra frente.

Isso me lembra uma situação que acontecia quando eu trabalhava em banco. No mercado de empréstimos para pessoas jurídicas, um momento importante é a tomada de empréstimo, pelas empresas, para pagar o décimo-terceiro salário. Quer dizer, a legislação trabalhista cria uma obrigação paras as empresas que não tem a menor correlação com a realidade econômica; quando chega o momento de pagar a primeira parcela, que geralmente é começo de Novembro, a maioria das empresas procura os bancos para tomar um empréstimo específico para isso. Os bancos movimentam-se, nessa época, para montar estruturas de divulgação, propaganda, movimentação de pessoal interno para ganhar a maior parte possível desse mercado. Há 10 anos, quando primeiro tomei contato com essa realidade, lembro dessa discussão dentro do banco começar no começo de Outubro, porque durante o mês de Outubro, Novembro e, às vezes, começo de Dezembro as empresas tomariam esse empréstimo. Por conta da disputa mercadológica entre os bancos, esse prazo foi diminuindo...lembro bem claramente que, um belo ano, estávamos em Maio e, numa reunião de equipe, o nosso chefe comentou 'e aí, o que vamos fazer pro décimo-terceiro esse ano?". A cara de todos, minha inclusive, foi de surpresa. Caraio, tamos em Maio! O nosso chefe falou "mas o Santander já está anunciando"...O que tinha acontecido é que, em uma reounião com o pessoal do comercial, o diretor comercial cobrou justamente isso: que o Santander já estava anunciando e o nosso banco não tinha nem começado a se coçar. Não importava que o momento da propaganda e da ação comercial estivesse totalmente descolado do momento em que, efetivamente, as empresas tomavam sua decisão nesse sentido.

Um tempo atrás lançaram aquele açúcar light. Parece que é uma mistura de açúcar com adoçante; não é nem açúcar, nem adoçante, é algo meio termo - tem cara de açúcar, gosto de algo mais ou menos e não é tão calórico. E tão anunciando como se fosse uma p* invenção. Isso me lembra algo, novamente, do mercado bancário: a primeira vez que lançaram o empréstimo que, se você pagar todas as parcelas no prazo, você não paga a última parcela. O mercado se alvoroçou; no banco que eu trabalhava, as pessoas eram cobradas "porque ainda não temos aquele produto maravilhoso que o banco x tem". Claro, qualquer ser pensante entende que o banco não é instituição de caridade e, se ele te oferece algo assim, alguma compensação tem. A lógica aqui é clara: a taxa de juros é mais alta o suficiente para compensar a eventual "perda" dessa última parcela. Há considerações de crédito que tornam o produto interessante, mas o importante é que o alvoroço era pelo suposto genial apelo comercial. O problema é que se um dia eu voltar a trabalhar em empresas, é uma coisa com a qual terei de me adaptar. Eu não vejo nada de errado em que o mercado funcione dessa maneira, e até entendo a lógica. Eu só não tenho saco; como diria Raul "macaco jornal tobogã eu acho tudo isso um saco". Se você pudesse ficar no seu cantinho e, quando ordenado, executar a maluquice qualquer da vez que os caras inventassem, beleza - mas não é assim que funciona. O cara que primeiro inventou e implantou esse produto de isenção da última parcela deve ter recebido um bônus animal e ficou bem visto; assim como o cara que inventou o açúcar light. Os outros eram os perdedores que não inventaram nada de interessante... Cria-se um ambiente de total loucura na busca dessas supostas vantagens, de estar na frente; se o diretor (ou apenas UM diretor, se esse diretor foi influente o suficiente para que ninguém se ache no direito de questioná-lo) pôs na cabeça que a oitava da maravilha será alcançar aquela vantagem específica, isso passa a ser mais urgente do que tirar o pai da forca. Claro, apenas até outro diretor por outra coisa na cabeça...

Do ponto de vista da macroeconomia, a teoria geral inicial do capitalismo era a máxima Smithiana de que se todos buscarem o melhor para o seu interesse próprio, a mão invisível do mercado encarregar-se-ia de garantir que isso implicasse no melhor para a sociedade como um todo. John Nash, com sua teoria dos jogos, provou que isso nem sempre é verdade: é bem possível agentes interagindo escolherem o que é mmelhor para si e o resultado geral ser longe do ideal para todos. O liberalismo clássico vem sendo modificado pelas claras evidências que alguma - nem tão pouca assim - regulação é necessária. Parece que dentro das empresas, e nas competições mercadológicas em geral, ainda estamos no principio antigo do capitalismo. Cada um buscando o melhor de si e, boa parte das vezes, não gerando a melhor situação possível para todos. E não falo de algo ideológico do "social" - falo para todos dentro da empresa ou do próprio mercado! - em termos de resultado, de eficiência, de alcançar melhores metas com menos esforços. É a paranóia...