terça-feira, 18 de junho de 2013

Manifestações

Quem já leu algo por aqui não deve ter dificuldade em imaginar porque sou pouquíssimo simpático a um movimento que busca que a tarifa seja zero - o que implica, em um país já com Estado paquidérmico, ineficiente e corrupto, em que mais dinheiro de impostos recolhidos em uma carga tributária abusiva e injusta sejam destinados a subsídios. Não vou discutir o porquê da pauta de 'contra o aumento' ou 'passe livre' é absurda - há textos aos montes explicando isso muito bem por aí. Só adendaria que seria muito bem vinda uma discussão, no entanto, sobre modelo de concessão vigente, que impede a competição entre empresas (o que melhoraria a qualidade, mas não o preço, pois o preço que está na idéia vigente de transporte interligado não tem como ser baixo). Protestar contra as consequências dum modelo com forte interferência estatal pedindo mais Estado é o paradoxo ao cubo.

Em frente. Já na semana passada tinha passado perto das manifestações por dois dias. Junte-se a isso o que vemos nas imagens e os meus 9 anos de convivência na USP e chega-se a clara a impressão de que, apesar de chamarem de 'manifestação do povo', de povo não se trata (ao menos na maioria). Ontem (segunda) peguei o metrô entre 5 e 6 da tarde (como faço todo dia), percebi a movimentação acima do normal, lembrei-me da manifestação e comecei a jogar o 'jogo dos sete erros' - identificar no cenário do dia o que não era comum em todos os outros dias do ano. Em geral, grupinhos de estudantes, naquela idade em que é difícil reconhecer se estão nos últimos anos do ensino médio, nos primeiros anos da faculdade ou naquela fase 'nem-nem' (nem estuda nem trabalha) de cursinho ou algo que o valha - as caras, as roupas, o jeito de "meninice" são mais ou menos os mesmos. A grande maioria com cara de bem nutrida, de quem vem de família com certa condição. É sabido que a riqueza tem cara - já escreveram que boas proteínas e certos nutrientes nos momentos certos deixam sua marca inequívoca, por mais que alguns tentem se travestir como se de boa condição não fossem. O clima era totalmente de "happening", de "há uma coisa bacaninha acontecendo e precisamos participar dela", para alguns até de baladinha; grupos de 4 ou 5 aguardavam um ou outro amigo que estava para chegar, excitados com aquilo tudo, alguns até bebendo cerveja (não me lembro a última vez que vi alguém bebendo cerveja no metrô as 6 da tarde numa segunda-feira). Enfim, só para pintar o quadro: minutos depois estava eu andando no meio da manifestação no Largo da Batata por 5 ou 6 quadras e o que vi, em predominância, foi bem esse clima. Isso desqualifica o movimento? Torna-o menos legítimo? Nâo necessariamente, só ajuda (para quem tem real interesse nisso) a que as nossas teorias sobre o que está acontecendo sejam mais apegadas à realidade, e não teorias que são muito mais "o que gostaríamos que de fato estivesse acontecendo".

Pauta - 'não são apenas os 20 centavos', ou "não é mais só sobre a tarifa". Olha, manja aquela namorada que está brava com o namorado, e quando ele pergunta por que, ela dá uma resposta tão objetiva quanto "foi porque você não reparou que eu cortei o cabelo...". E aí papo vai papo vem, no fim ela acaba revelando que não era só por isso, mas por outra coisa completamente diferente? Pois é, se não for por causa da tarifa, seria então por alguma outra coisa que não está clara. E não se reinvidica tudo de uma vez ou uma agenda escondida, difusa. Ontem dois representantes do tal do MPL estavam no roda-vida, e numa coisa eles tem razão: na manifestação, os gritos e cartazes predominantes eram sobre a tarifa. Recuso-me a argumentar qualquer coisa fora disso, porque se pessoas sentem-se no direito de parar a cidade e atrapalhar a vida de milhões, o mínimo que se espera é que tenham um pedido objetivo.


Polícia: o certo e o cômodo. Antes da manifestação de quinta passada, já tinham ocorrido 2 manifestações com problemas: depredações de ônibus e estações de metrô, pichações etc. Não falemos nem dos problemas de locomoção para a população. Na terceira manifestação, é se de se imaginar o estado de espírito que o comando da PM, instituição que, entre coisas, deve proteger o patrimônio público, estava para lidar com os manifestantes. Some-se a isso o acordo que havia para que a manifestação não chegasse na Paulista, o desrespeito a esse acordo e está feito o cenário para um confronto, como o que houve. Pode ser que tenha havido excessos e é preciso apurá-los, mas no geral a PM estava no seu papel em um estado democrático de Direito de fazer respeitar certas regras sociais. O que ouvimos em geral a seguir, na grande mídia, de artistas etc? Polícia violenta, que absurdo etc e tal (se a jornalista da folha não tivesse sido agredida, teria a imprensa paulista, em especial, abraçado a causa tão declaradamente?) . Ok. Nessa segunda a PM tomou a decisão incorreta mas muito mais confortável: deixar rolar. Querem ocupar a paulista? Sem problemas! Querem parar a cidade inteira? Opa!! A cidade parou, virou um caos, milhões foram prejudicados. Mas as atenções da mídia, em geral, foram para Brasília e, principalmente, RJ e RS, onde o pau comeu. Politicamente foi a melhor saída (Alckmin, o demônio predileto da imprensa foi poupado) embora para a população como um todo tenha sido pior.

Sei que muitos querem ver nas manifestações um sinal de que "o povo está acordando". Não me comove simplesmente porque não é isso que tenho visto nas ruas - ao menos falo de São Paulo. Tenho visto, no geral, uma mobilização de grupelhos de extrema esquerda sendo engrossada por estudantes loucos por uma causa para chamar de sua, para viver na pele (nem que seja num simulacro) os ideais de luta e mobilização sobre os quais seus professores de colégio e faculdade tanto falam sobre. Não vivemos numa ditadura; há 11 anos um grupo supostamente progressista e de esquerda está no poder - e aliás tornou-se o maior partido do Brasil. Quem é a opressão? Contra quem estamos lutando? 60 mil pessoas é gente para caramba, e nesse universo deve haver muitos ânimos. Acho até que a maioria está muito bem intencionada, com o sentimento honesto de que estão fazendo algo de importante. O fato de que o estopim para tudo tenha sido uma mobilização feita por um movimento de extrema esquerda, no momento que nem de longe é o mais crítico dos últimos 10 anos, por uma pauta muito ruim e simplista, não é algo para se descartar da análise. Releva-se esse fato (com argumentos de "a maioria não tem partido" ou "não são só pelos 20 centavos") para poder encaixar o que é visto à teoria que mais agrada. A realidade às vezes é a realidade, não o que gostaríamos que ela fosse

2 comentários:

  1. excelente texto. some-se a isso o fato de que essa mesma população vem elegendo tiriricas, garotinhos, sarneys, lulas, dilmas, haddads etc. o brasileiro aprendeu a protestar, está na hora de aprender a refletir e votar.

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  2. pois é...votar, lembrar em quem votou, acompanhar a atividade executiva e legislativa e cobrar...

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