Quem já leu algo por
aqui não deve ter dificuldade em imaginar porque sou pouquíssimo simpático a um
movimento que busca que a tarifa seja zero - o que implica, em um país já com
Estado paquidérmico, ineficiente e corrupto, em que mais dinheiro de impostos
recolhidos em uma carga tributária abusiva e injusta sejam destinados a
subsídios. Não vou discutir o porquê da pauta de 'contra o aumento' ou 'passe
livre' é absurda - há textos aos montes explicando isso muito bem por aí. Só
adendaria que seria muito bem vinda uma discussão, no entanto, sobre modelo de
concessão vigente, que impede a competição entre empresas (o que melhoraria a
qualidade, mas não o preço, pois o preço que está na idéia vigente de transporte
interligado não tem como ser baixo). Protestar contra as consequências dum
modelo com forte interferência estatal pedindo mais Estado é o paradoxo ao cubo.
Em frente. Já na
semana passada tinha passado perto das manifestações por dois dias. Junte-se a
isso o que vemos nas imagens e os meus 9 anos de convivência na USP e chega-se a
clara a impressão de que, apesar de chamarem de 'manifestação do povo', de povo
não se trata (ao menos na maioria). Ontem (segunda) peguei o metrô entre 5 e 6
da tarde (como faço todo dia), percebi a movimentação acima do normal,
lembrei-me da manifestação e comecei a jogar o 'jogo dos sete erros' -
identificar no cenário do dia o que não era comum em todos os outros dias do
ano. Em geral, grupinhos de estudantes, naquela idade em que é difícil
reconhecer se estão nos últimos anos do ensino médio, nos primeiros anos da
faculdade ou naquela fase 'nem-nem' (nem estuda nem trabalha) de cursinho ou
algo que o valha - as caras, as roupas, o jeito de "meninice" são mais ou menos
os mesmos. A grande maioria com cara de bem nutrida, de quem vem de família com
certa condição. É sabido que a riqueza tem cara - já escreveram que boas
proteínas e certos nutrientes nos momentos certos deixam sua marca inequívoca,
por mais que alguns tentem se travestir como se de boa condição não fossem. O
clima era totalmente de "happening", de "há uma coisa bacaninha acontecendo e
precisamos participar dela", para alguns até de baladinha; grupos de 4 ou 5
aguardavam um ou outro amigo que estava para chegar, excitados com aquilo tudo,
alguns até bebendo cerveja (não me lembro a última vez que vi alguém bebendo
cerveja no metrô as 6 da tarde numa segunda-feira). Enfim, só para pintar o
quadro: minutos depois estava eu andando no meio da manifestação no Largo da
Batata por 5 ou 6 quadras e o que vi, em predominância, foi bem esse clima. Isso
desqualifica o movimento? Torna-o menos legítimo? Nâo necessariamente, só
ajuda (para quem tem real interesse nisso) a que as nossas teorias sobre o que
está acontecendo sejam mais apegadas à realidade, e não teorias que são muito
mais "o que gostaríamos que de fato estivesse acontecendo".
Pauta - 'não são
apenas os 20 centavos', ou "não é mais só sobre a tarifa". Olha, manja aquela
namorada que está brava com o namorado, e quando ele pergunta por que, ela dá
uma resposta tão objetiva quanto "foi porque você não reparou que eu cortei o
cabelo...". E aí papo vai papo vem, no fim ela acaba revelando que não era só
por isso, mas por outra coisa completamente diferente? Pois é, se não for por
causa da tarifa, seria então por alguma outra coisa que não está clara. E não se
reinvidica tudo de uma vez ou uma agenda escondida, difusa. Ontem dois
representantes do tal do MPL estavam no roda-vida, e numa coisa eles tem razão:
na manifestação, os gritos e cartazes predominantes eram sobre a tarifa.
Recuso-me a argumentar qualquer coisa fora disso, porque se pessoas sentem-se no
direito de parar a cidade e atrapalhar a vida de milhões, o mínimo que se espera
é que tenham um pedido objetivo.
Polícia: o certo e o
cômodo. Antes da manifestação de quinta passada, já tinham ocorrido 2
manifestações com problemas: depredações de ônibus e estações de metrô,
pichações etc. Não falemos nem dos problemas de locomoção para a população. Na
terceira manifestação, é se de se imaginar o estado de espírito que o comando da
PM, instituição que, entre coisas, deve proteger o patrimônio público, estava
para lidar com os manifestantes. Some-se a isso o acordo que havia para que a
manifestação não chegasse na Paulista, o desrespeito a esse acordo e está feito
o cenário para um confronto, como o que houve. Pode ser que tenha havido
excessos e é preciso apurá-los, mas no geral a PM estava no seu papel em um
estado democrático de Direito de fazer respeitar certas regras sociais. O que
ouvimos em geral a seguir, na grande mídia, de artistas etc? Polícia violenta,
que absurdo etc e tal (se a jornalista da folha não tivesse sido agredida, teria
a imprensa paulista, em especial, abraçado a causa tão declaradamente?) . Ok.
Nessa segunda a PM tomou a decisão incorreta mas muito mais confortável: deixar
rolar. Querem ocupar a paulista? Sem problemas! Querem parar a cidade inteira?
Opa!! A cidade parou, virou um caos, milhões foram prejudicados. Mas as atenções
da mídia, em geral, foram para Brasília e, principalmente, RJ e RS, onde o pau
comeu. Politicamente foi a melhor saída (Alckmin, o demônio predileto da
imprensa foi poupado) embora para a população como um todo tenha sido pior.
Sei que muitos
querem ver nas manifestações um sinal de que "o povo está acordando". Não me
comove simplesmente porque não é isso que tenho visto nas ruas - ao menos falo
de São Paulo. Tenho visto, no geral, uma mobilização de grupelhos de extrema
esquerda sendo engrossada por estudantes loucos por uma causa para chamar de
sua, para viver na pele (nem que seja num simulacro) os ideais de luta e
mobilização sobre os quais seus professores de colégio e faculdade tanto falam
sobre. Não vivemos numa ditadura; há 11 anos um grupo supostamente progressista
e de esquerda está no poder - e aliás tornou-se o maior partido do Brasil. Quem
é a opressão? Contra quem estamos lutando? 60 mil pessoas é gente para caramba,
e nesse universo deve haver muitos ânimos. Acho até que a maioria está muito bem
intencionada, com o sentimento honesto de que estão fazendo algo de importante.
O fato de que o estopim para tudo tenha sido uma mobilização feita por um
movimento de extrema esquerda, no momento que nem de longe é o mais crítico dos
últimos 10 anos, por uma pauta muito ruim e simplista, não é algo para se
descartar da análise. Releva-se esse fato (com argumentos de "a maioria não tem
partido" ou "não são só pelos 20 centavos") para poder encaixar o que é visto à
teoria que mais agrada. A realidade às vezes é a realidade, não o que
gostaríamos que ela fosse.
excelente texto. some-se a isso o fato de que essa mesma população vem elegendo tiriricas, garotinhos, sarneys, lulas, dilmas, haddads etc. o brasileiro aprendeu a protestar, está na hora de aprender a refletir e votar.
ResponderExcluirpois é...votar, lembrar em quem votou, acompanhar a atividade executiva e legislativa e cobrar...
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