Ontem, acompanhando
a transmissão dos protestos da Globonews, dois professores de sociologia ou algo
que o valha acompanhavam (aliás, porque apenas sociólogos ou cientistas
políticos são chamados a dar suas opiniões? Porque não um economista, políticos
influentes etc?). A opinião dos dois - e dos jornalistas que participavam - era
de que prefeitura e estado erravam, e feio, ao não "suspender" o aumento para
parar as manifestações. Era quase como se a culpa das manifestações continuarem
fosse exclusivamente deles.
Ora, é evidente que
para muita gente que se manifesta a questão não são, necessariamente, os 20
centavos. Mas os fatos são os fatos e tem sua história. Quem começou, organiza e
é reconhecido como líder da manifestação em São Paulo é o tal do Movimento Passe
Livre, grupo que é uma franja de partidos de extrema esquerda e que tem uma
proposta claramente socialista como bandeira principal. Muitas pessoas podem
estar aderindo às manifestações pelos mais diversos motivos, contra 'tudo que
está aí', mas, na prática, estão engrossando o coro desse movimento com um
objetivo específico: cancelar o aumento.
Que fique bem claro
que não votei no Haddad e tenho toda a motivação para torcer que ele tenha o
máximo de desgaste político possível nessa questão, mas aí vem: Haddad foi
eleito pelo povo de São Paulo é o prefeito legitimamente eleito. Em nenhum
momento de sua campanha prometeu não aumentar (ou reduzir) o preço da passagem,
mudar o modelo de concessão ou qualquer coisa que o valha. Se havia algum
candidato com essa bandeira, passou longe de vencer, porque nem Haddad, nem
Serra nem Russomano tinham essa proposta. Há muitos anos que aumentos na
passagem acontecem de 2 em 2 anos, em anos ímpares - em governos do PT, do PSDB,
de outros partidos, há pelos menos 20 anos. Vivemos num país com inflação não
insignificante - aliás, longe disso. É impraticável que algum preço, qualquer
preço, fique mais de 2 anos sem reajuste (aliás ficar mais de 1 já é algo foram
do comum).
Então faz algum
sentido pensarmos que a única alternativa do prefeito é acatar a solicitação de
um grupo organizado, mas insignificante do ponto de vista de representação, que
teve como grande ativo ter se beneficiado de uma insatisfação difusa da
população com uma série de coisas? Não estamos diante de uma situação na qual o
prefeito tomou uma decisão contrária a tudo que é sabido, respeitado, ao que foi
prometido na campanha etc (por ex se ele fechasse a Câmara dos vereadores...). O
aumento da passagem era esperado para esse ano, desde Janeiro, foi adiado até
Junho e ocorreu abaixo da inflação. Qual é a grande afronta à população? Se eu e
mais alguns amigos organizados formos contra (por ex) a política de segurança
pública da Dilma, eu posso organizar manifestações e, se tiver sorte o
suficiente para angariar apoios que talvez não tenham nada a ver com a minha
causa, tenho o direito indiscutível de não só ser ouvido, mas atendido
prontamente no meu pedido? O Brasil inteiro que votou na Dilma (para o meu
desespero) tem de se dobrar à vontade dos que podem parecer muitos, mas não só
são pouco relevantes na totalidade da população como não são democraticamente
legítimos a exercer qualquer poder de decisão?
Claro que há
questões de segurança, claro que o movimento ganhou uma adesão (por quaisquer
motivos) monstruosas, claro que nos parágrafos acima simplifiquei a questão, e
suspender o aumento é uma das opções. Mas fica a dúvida. Baixar o aumento não é
tarefa fácil; há um orçamento, há uma política por trás disso. Quem disse que a
maioria dos paulistanos é a favor de reduzir a tarifa se isso implique em
redução de investimentos em educação, por ex? A Prefeitura tem um déficit grande
de creches. Pergunte a uma mãe que deixa seu filho numa creche da prefeitura
para trabalhar se ela aceita que a creche seja fechada para que a diferença do
preço seja bancada. Pergunte a uma que está na fila que ela não terá vaga por
causa disso. Aumento de impostos? Pergunte a qualquer um - mesmo o pai sem
muitos recursos que banca a passagem dos filhos estudantes - se ele aceita pagar
mais IPTU por conta disso (talvez a grande empresa que banca o vale transporte
dos seus funcionários aceitasse de bom grado um pouco mais de IPTU na sua sede,
provavelmente sairia ganhando nessa barganha). São essas as questões que estão
na mesa, e num regime democrático esses pontos são resolvidos elegendo-se
representantes - no executivo e legislativo - que tem posições mais ou menos
definidas a respeito. Claro que esses representantes podem e devem ser
influenciados ao longo dos mandatos, além da óbvia avaliação final na eleição. O
que muitos que estão adorando as manifestações e achando que "a tarifa tem de
baixar" esquercem é que não vivemos numa 'democracia direta', e não podemos, ou
não deveríamos querer, viver na sociedade do "quem faz mais barulho pode mais".
Quem julga qual causa é mais importante? Governantes são eleitos e pagos para
lidar com a complexidade, achar soluções, trabalhar com opções que são
excludentes. Qualquer um pode levantar um cartaz sem ter o menor compromisso com
as implicações do seu pedido.