quarta-feira, 19 de junho de 2013

Manifestações II

Ontem, acompanhando a transmissão dos protestos da Globonews, dois professores de sociologia ou algo que o valha acompanhavam (aliás, porque apenas sociólogos ou cientistas políticos são chamados a dar suas opiniões? Porque não um economista, políticos influentes etc?). A opinião dos dois - e dos jornalistas que participavam - era de que prefeitura e estado erravam, e feio, ao não "suspender" o aumento para parar as manifestações. Era quase como se a culpa das manifestações continuarem fosse exclusivamente deles.
Ora, é evidente que para muita gente que se manifesta a questão não são, necessariamente, os 20 centavos. Mas os fatos são os fatos e tem sua história. Quem começou, organiza e é reconhecido como líder da manifestação em São Paulo é o tal do Movimento Passe Livre, grupo que é uma franja de partidos de extrema esquerda e que tem uma proposta claramente socialista como bandeira principal. Muitas pessoas podem estar aderindo às manifestações pelos mais diversos motivos, contra 'tudo que está aí', mas, na prática, estão engrossando o coro desse movimento com um objetivo específico: cancelar o aumento.
Que fique bem claro que não votei no Haddad e tenho toda a motivação para torcer que ele tenha o máximo de desgaste político possível nessa questão, mas aí vem: Haddad foi eleito pelo povo de São Paulo é o prefeito legitimamente eleito. Em nenhum momento de sua campanha prometeu não aumentar (ou reduzir) o preço da passagem, mudar o modelo de concessão ou qualquer coisa que o valha. Se havia algum candidato com essa bandeira, passou longe de vencer, porque nem Haddad, nem Serra nem Russomano tinham essa proposta. Há muitos anos que aumentos na passagem acontecem de 2 em 2 anos, em anos ímpares - em governos do PT, do PSDB, de outros partidos, há pelos menos 20 anos. Vivemos num país com inflação não insignificante - aliás, longe disso. É impraticável que algum preço, qualquer preço, fique mais de 2 anos sem reajuste (aliás ficar mais de 1 já é algo foram do comum).
Então faz algum sentido pensarmos que a única alternativa do prefeito é acatar a solicitação de um grupo organizado, mas insignificante do ponto de vista de representação, que teve como grande ativo ter se beneficiado de uma insatisfação difusa da população com uma série de coisas? Não estamos diante de uma situação na qual o prefeito tomou uma decisão contrária a tudo que é sabido, respeitado, ao que foi prometido na campanha etc (por ex se ele fechasse a Câmara dos vereadores...). O aumento da passagem era esperado para esse ano, desde Janeiro, foi adiado até Junho e ocorreu abaixo da inflação. Qual é a grande afronta à população? Se eu e mais alguns amigos organizados formos contra (por ex) a política de segurança pública da Dilma, eu posso organizar manifestações e, se tiver sorte o suficiente para angariar apoios que talvez não tenham nada a ver com a minha causa, tenho o direito indiscutível de não só ser ouvido, mas atendido prontamente no meu pedido? O Brasil inteiro que votou na Dilma (para o meu desespero) tem de se dobrar à vontade dos que podem parecer muitos, mas não só são pouco relevantes na totalidade da população como não são democraticamente legítimos a exercer qualquer poder de decisão?

Claro que há questões de segurança, claro que o movimento ganhou uma adesão (por quaisquer motivos) monstruosas, claro que nos parágrafos acima simplifiquei a questão, e suspender o aumento é uma das opções. Mas fica a dúvida. Baixar o aumento não é tarefa fácil; há um orçamento, há uma política por trás disso. Quem disse que a maioria dos paulistanos é a favor de reduzir a tarifa se isso implique em redução de investimentos em educação, por ex? A Prefeitura tem um déficit grande de creches. Pergunte a uma mãe que deixa seu filho numa creche da prefeitura para trabalhar se ela aceita que a creche seja fechada para que a diferença do preço seja bancada. Pergunte a uma que está na fila que ela não terá vaga por causa disso. Aumento de impostos? Pergunte a qualquer um - mesmo o pai sem muitos recursos que banca a passagem dos filhos estudantes - se ele aceita pagar mais IPTU por conta disso (talvez a grande empresa que banca o vale transporte dos seus funcionários aceitasse de bom grado um pouco mais de IPTU na sua sede, provavelmente sairia ganhando nessa barganha). São essas as questões que estão na mesa, e num regime democrático esses pontos são resolvidos elegendo-se representantes - no executivo e legislativo - que tem posições mais ou menos definidas a respeito. Claro que esses representantes podem e devem ser influenciados ao longo dos mandatos, além da óbvia avaliação final na eleição. O que muitos que estão adorando as manifestações e achando que "a tarifa tem de baixar" esquercem é que não vivemos numa 'democracia direta', e não podemos, ou não deveríamos querer, viver na sociedade do "quem faz mais barulho pode mais". Quem julga qual causa é mais importante? Governantes são eleitos e pagos para lidar com a complexidade, achar soluções, trabalhar com opções que são excludentes. Qualquer um pode levantar um cartaz sem ter o menor compromisso com as implicações do seu pedido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário