sábado, 25 de dezembro de 2010

Eu queria

Há alguns meses, eu larguei meu emprego em um banco para me preparar para - o que espero ser, ao menos - uma nova profissão. Embora ainda esteja bem no começo da fase de transição, não me arrependo, e acho que, mesmo que as coisas não saiam do jeito que imaginei, dificilmente me arrependerei. Ponto. Parágrafo.
Eu gostaria de ser mais conformado. Eu prefereria não ter me sentido profundamente angustiado e infeliz com a minha profissão nos últimos cinco anos e ter conseguido ficar no meu emprego. Eu ganhava mais do que o dobro do que precisava para viver - e as perspectivas futuras eram ainda melhores; décimo terceiro, férias, fgts, um bônus interessante no final do ano. Ao contrário de hoje, minha conta ficava mais gorda toda mês, e não mais magra...Era legal não me preocupar sobre como a minha vida - financeirmente falando - seria nos próximos anos; as pessoas empregadas em uma empresa tem o futuro tão incerto e instável como qualquer outra, mas ter um emprego dá uma falsa sensação de segurança que é reconfortante.
Depois que você se acostuma, é legal usar terno. As pessoas te olham na rua com algum respeito, como se você fosse algo importante. Só notei a diferença quando passei a usar calça jeans surrada e camiseta hering. Você se perde na multidão - mais de uma vez cheguei a não ser reconhecido por colegas antigos meus de trabalho. Lembro de conversas no emprego antigo sobre isso - as pessoas fantasiam sobre poder usar chinelo e bermuda o dia inteiro; talvez deva ser legal se você tiver ganhado na mega-sena e isso for uma espécie de "f*-se a sociedade" - do contrário, você só é mais um zé mané andando na rua.
É bem mais fácil ter um lugar para ir todo dia a um determinado horário do que pensar, a todo momento, o que você vai fazer. Pensar cansa. Decidir cansa. Ter disciplina é muito mais difícil quando se está sozinho do que quando há um chefe para te cobrar um deadline; quando o custo de oportunidade de não fazer o que se precisa é poder ficar deitado no sofá assistindo friends é difícil cumprir seus compromissos - é muito mais fácil fazer o que precisa ser feito quando a sua outra opção é tomar o quinto café do dia ou navegar de novo nos mesmos sites de sempre.
Ser alguém ou pertencer a algo também é mais fácil. Quando alguém me pergunta, hoje, o que faço, é difícil responder rapidamente. Antes, era simples: trabalho no XX. "em qual área?" YY, gerente. Simples assim. O papo flui daí. É verdade que, em conversas mais íntimas, com mais tempo, minha ocupação hoje rende conversas mais interessantes. Mas 90% das interações entre pessoas não são íntimas, nem longas, e nessas é mais difícil não ter uma resposta simples para dar.
Ter dinheiro - bom - caindo todo final de mês. Ter um carro legal. Programar sua viagem de férias sem muita preocupação com grana. Ter seu dia - sua semana, seu mês - programado. Ter um chefe. Ter um figurino. Preocupar-se menos com o futuro. Pertencer a algo. Pode ser muito ruim. Pode ser muito bom. Não me admira a quantidade de pessoas que acordem todo o dia xingando por ter que ir trabalhar, mas estejam há 15 anos no mesmo emprego...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Poker: começando do começo

Com frequência, lendo alguma coisa sobre poker, eu tenho alguma idéia para um post sobre o assunto; mas as últimas experiências que eu tive com pessoas com pouca familiaridade sobre isso me levaram a pensar a ficar no básico. Por exemplo: um dia, um conhecido meu me encontrou com um livro de poker nas mãos, e revelou que adorava jogar poker. Conversa vai, conversa vem, ele afirmou que "só jogava com dinheiro fictício, por que jogar com dinheiro real já seria vício". Uma outra conhecida, também por efeito de me ver com um livro na mão, comentou que um conhecido dela estava ganhando dinheiro com poker. Sua preocupação era que, segundo ela, "invariavelmente ele vai perder tudo que ganhou, porque afinal é um jogo de azar!". Passei por algumas outras situações assim, o que me mostrou que não estava nada claro o que eu julgava já ser mais de conhecimento comum. Então, vamos do começo...

Poker não é jogo de azar! Jogo de azar é algo onde o principal fator decisório da sua vitória ou derrota é o mero acaso; na maior parte das vezes, não é nem o acaso - você está destinado a perder. Esse último caso acontece nas loterias, bingos, jogos de cassino de forma geral. Uma aposta ruim é aquela que você perde quando ganha; se jogo 1 real em um jogo que me paga 5 para 1 e que tenho probabilidade de 10% de ganhar, nas 9 em 10 vezes em que perco, tudo dentro do esperado - perdi 1 real. O problema é que, quando ganho, ganho apenas 5 reais, quando deveria ganhar pelo menos 10 para compensar as minhas derrotas. Na megasena, a chance de ganhar é 1 em 56 milhões, mas dificilmente um ganhador ganhará 56 milhões de vezes o valor que apostou. Na roleta, quando você acerta o número, o cassino te paga 37x o valor, quando deveria pagar 38 - o 0 que ninguém pode apostar é que garante o lucro do cassino.

Poker não é nada disso. Você não está jogando contra uma banca malvada que garante o lucro para si; você está enfrentando adversários que partem das mesmas condições de você. A sorte é um fator importante em uma jogada específica? Sim, claro. A curto prazo, a probabilidade é que quem tenha as melhores cartas se saia melhor. Mas imagine a seguinte situação: um grupo de amigos, que toda quinta a noite, por 10 anos, se reúna para jogar por 3 horas. Assumindo que em cada hora se jogue 40 mãos (ou "rodadas"), ao final dos 10 anos eles terão jogado 62 mil rodadas. Se a teoria da "sorte" valesse, é de se esperar que, na soma dos 10 anos, todos estivessem equilibrados em suas derrotas e vitórias, certo? afinal, em 62 mil rodadas, a sorte se equivaleu; todos já passaram por situações muito favoráveis e muito desfavoráveis em termos de cartas. Ainda assim, eu te garanto que alguém terá ganhado e alguém terá perdido muito dinheiro.

A International Mind Sports Association, mesma associação que regulamenta o xadrez, acabou de reconhecer o poker como esporte mental, o que me possibilita usar exemplos de outros esportes. Há esportes, como o basquete, onde a sorte conta pouco: dificilmente um time pior ganhará de um time melhor. Outros, como o futebol, a sorte influencia melhor: zebras são muito frequentes, porque um gol, um erro de juíz, qualquer pequeno fator pode decidir um jogo. O poker, nesse sentido, está mais para futebol do que para basquete; é possível que um jogador pior, por conta de sorte, saia de uma sessão com mais dinheiro ou termine em uma colocação melhor em um torneio do que um jogador melhor. Mas a tendência é que, no longo prazo, esse jogador melhor ganhe muito mais do que o pior. Há muito mais argumentos para esse ponto, mas vale uma frase que ouvi outro dia: estudar poker melhora seu jogo, mas tente estudar a mega sena para ver se sua probabilidade de ganhar aumenta alguma coisa...

Poker vicia? Quando escuto a palavra "vício", as primeiras idéias que me vem são: drogas, cigarro, álcool...em farmacologia, não se fala "isso vicia", e sim "essa substância tem uma alta (ou média, ou baixa) probabilidade de indução à dependência". De fato, o DSM caracteriza dependência como uma série de fatores, sendo necessária a presença de 3 ou mais para caracterizar um indivíduo como dependente. A taxa mais alta de indução de dependência, entre substâncias conhecidas, é a do tabaco. Nesse sentido, entendo que o poker tem uma "média probabilidade de induzir dependência". Quase tudo que causa prazer tem esse risco; muita coisa vicia - café, sexo, chocolate, até trabalho...Poker é estimulante, possibilita a ilusão de ganhar dinheiro fácil - então, é claro que apresenta risco de viciar. Mas não acho que seja um risco especialmente alto, em especial comparativamente a outras coisas da vida. A própria estrutura disponível para jogar é um adversário do vício. Hoje, apenas torneios são legalizados; o cabra paga uma taxa, joga horas a fio se conseguir ir bem, se for eliminado não terá outro torneio disponível tão cedo. Cash games, que se parecem mais com aquele mito temido do cara "apostar" a casa, ou são em rodas de amigos ou são em lugares ilegais - bom, se o cara vai em um lugar ilegal para jogar, digamos que ele já estivesse propenso a se viciar em alguma coisa...Pela internet, nem sempre é fácil conseguir depositar dinheiro, e mesmo assim, nada te dá a impressão mais clara de que seu dinheiro está se esvaindo. Conheço bastante gente que gosta de poker e joga recreativamente. Dessas, apenas uma ou duas apresentam comportamentos que poderiam ser consideradas como indicativos de vício. Parece-me um percentual razoável, que seria ainda melhor se falássemos mais e com menos preconceito do assunto.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Matemática

Duas coisas me levaram a esse post. A primeira foi uma conversa no sábado, onde fui lembrado que a matemática, assim como todas as outras ciências, derivam da filosofia. A segunda é que, na onda crescente de opiniões de que as escolas deveriam incentivar o pensamento, o senso crítico etc, continuo achando que tudo isso, embora sendo importante, não dispensa a necessidade de que os alunos se formem com amplos conhecimentos de português, história, ciências - e matemática. Ainda assim, é um post chato, mas fazer o quê...

Bom, vamos lá: peguemos uma multiplicação de dois fatores; para simplificar, os dois fatores iguais - digamos, 6 x 6 = 36. Se, por qualquer razão, você diminuir um dos fatores, e quiser chegar ao mesmo resultado, deverá aumentar o outro fator, certo? digamos, diminuir um fator em uma unidade, compensando, logo em seguida, o outro fator em outra unidade: 5 x 7...só que o resultado disso é 35, menor do que os 36 obtidos anteriormente. Se você resolver fazer esse "ajuste" com 2 unidades, teremos 4 x 8 = 32 (menor ainda). Os mais afeitos à matemática já identificaram a relação (x+y)*(x-y) = x² - y², nesse caso o x sendo o fator (6) e o y sendo a unidade que está sendo retirada e somada. A derivada lógica disso tudo é que quanto maior o desequilíbrio entre os fatores, menor o resultado. Um exemplo que dá uma visualização mais concreta: imagine que você tenha terreno ilimitado, mas um comprimento limitado de cerca; a maior área que você conseguirá com essa cerca será quando houver o maior equilíbrio entre os lados do quadrilátero que a cerca forma; um quadrado de 6 x 6 tem muito mais área que um retângulo de 10 x 2.
Voltando aos números iniciais: se você diminui o primeiro fator em 1, será preciso compensar, no segundo fator, em mais do que 1 unidade para atingir o mesmo resultado - de fato, será preciso acrescer ao segundo fator, nominalmente, 1,2, uma vez que 5 x 7,2 = 36. Se você diminuir dois pontos no primeiro fator, precisará adicionar ainda mais ao segundo => 4 x 9 (e não 8) é que dão os 36;

Agora vamos ao que, ao meu ver, é uma das inúmeras semelhanças da matemática com as coisas da vida: equilíbrio. Tudo que dá resultado, que é efetivo, tende ao equilíbrio. Cada desequilíbrio, para ser compensado, precisa ser contrabalanceado com um desequilíbrio ainda maior. Você quer um funcionário inteligente e dedicado. Se ele for um pouco menos dedicado do que você gostaria, só será tolerado se for bem mais inteligente do que você esperaria - só um pouco mais de inteligência não funciona. Se ele for bem desleixado, precisará ser praticamente o Einstein. Cada pequeno desequilíbrio em uma parte exige uma compensação muito maior na outra. Homens preferem se relacionar com mulheres com uma boa relação entre beleza e inteligência; uma mulher com essas questões equilibradas tende a ser muito mais valorizada do que uma Giselle Bundchen com cérebro de mosca ou uma Angela Merkel com a estética de...bom, Angela Merkel.

Na maioria das vezes, é preciso muito esforço em um aspecto para compensar outro aspecto que esteja defasado. Muitas vezes esse esforço não compensa - seria mais produtivo trabalhar no aspecto que esteja desequilibrado; cada passo em direção ao equilíbrio contribui muito mais do que "melhorar" em outros fatores que já estejam equilibrados. A matemática não é bacana?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pontos Corridos

Com o campeonato brasileiro quase acabado, vou permitir-me fazer mais um post sobre futebol...

Desde a virada do século, quando começaram as discussões sobre se o campeonato brasileiro deveria ter a sua forma alterada - de mata-mata para pontos corridos - tenho a mesma opinião: mata-mata é muito, 15x melhor. E essa minha idéia vinha do fato de que, para mim, um campeonato sem final é algo muito sem graça; nada substitui aquela adrenalina de um jogo decisivo, a expectativa durante a semana, o frio na barriga no dia do jogo, o país inteiro parando para ver - mesmo que não torcesse para nenhum dos times. Para os defensores da fórmula de pontos corridos, o argumento é de que "seria mais justo", e eu só pensava "e daí que é mais justo?? o que importa é ser legal!!". A suposta justiça - que, até então, eu nem questionava - viria de, em um campeonato de mata-mata, o time que liderou o campeonato inteiro pudesse perder por um golpe de azar em um jogo decisivo: um erro de juíz, a infelicidade de um zagueiro etc.

Bom, a fórmula mudou e, logo nos primeiros anos, ficou claro que nem mais justo era...A princípio, já era evidente que a fórmula não premiaria, necessariamente, o melhor time - e sim o time com mais capacidade de vencer seus jogos "fáceis". Os 3 pontos de um confronto entre líderes valem os mesmos 3 pontos de um jogo em casa contra o lanterna. Esse campeonato de 2010 reflete bem isso: o provável campeão, Fluminense, foi um time com pouca capacidade de ganhar jogos decisivos - ganhou apenas 3 de 12 pontos disputados contra seus principais concorrentes (Corinthians e Cruzeiro). Sua vantagem foi construída em outros jogos, contra adversários não diretos - é um tipo de justiça, mas longe de poder ser chamada de "justiça para o melhor time".

Parece-me que essa noção de justiça foi muito construída com base nos campeonatos europeus. Lá, na melhor das hipóteses, 4 times brigam pelo título - na maioria das vezes, apenas 2. Sendo assim, é comum 1 time se destacar e liderar com sobra de 8 ou 9 pontos, sendo campeão com 3 rodadas de antecedência. Nesses casos, imaginar que esse time pode perder o título em um jogo contra um adversário direto que ficou bem atrás pode dar uma sensação clara de incorreção. No Brasil, o campeonato é muito mais disputado - todo ano, pode-se apontar uns 7 ou 8 times com chance de serem campeões. Isso se reflete nos resultados de cada campeonato: em 8 anos de pontos corridos, em apenas 2 anos tivemos situações de um time disparar. Em todas as outras, o campeão levou com diferença de, no máximo, 3 pontos sobre o vice-campeão. Em um campeonato onde 114 pontos são disputados, a diferença de, digamos, 2 pontos, é algo em torno de 1,5% de aproveitamento - é muito pouco! Assim como no mata-mata, qualquer erro de juíz em qualquer jogo pode causar essa diferença! Pior, porque em 38 jogos tem muito mais chance de erros serem cometidos. Uma suspensão rigorosa de um jogador, uma perda de mando de campo - são muitos os fatores que podem acarretar em um pequeno prejuízo, que já faria muita diferença ao time...

De 2 anos para cá, os gênios começaram a perceber outra coisa: a tabela faz diferença. Dependendo do momento do campeonato no qual você enfrenta um time, você leva vantagem ou não. Em 2005, os times que enfrentaram o São Paulo no último quarto do campeonato levaram vantagem, pois o time estava se preparando para o mundial e jogava com os reservas - a mesma coisa aconteceu com o Inter em 2006. Em 2009, o Flamengo teve a sorte de jogar um de seus jogos mais difíceis - contra o Corinthians fora de casa - quando esse adversário já não queria nada com nada; assim como, esse ano, o Fluminense teve essa sorte, porque 2 jogos teoricamente difíceis (São Paulo e Palmeiras fora de casa) também aconteram/acontecerão nessa situação. Só aí podemos ter uma diferença crucial, onde uma vantagem de 3 pontos para um lado ou para outro pode decidir o campeonato, simplesmente na sorte (será?) da montagem da tabela.

Acompanho de perto o campeonato brasileiro desde 1990. Desse ano até 2002, quando a fórmula era de pontos corridos, lembro-me de muitos poucos casos onde tenha aparecido a tal "injustiça". Em 1995, o Botafogo ganhou do Santos com 2 gols impedidos; ainda sim, dificilmente alguém diria que o Santos era muito melhor que o Botafogo e deveria ter, indubitavelmente, sido campeão. Em 2002, o Santos classificou-se para as quartas de final na última rodada, por uma combinação de resultados. Pegou o primeiro lugar da fase de classificação - o São Paulo, que tinha liderado, com sobras, quase todo o campeonato. O Santos ganhou os 2 jogos eliminatórios e desclassificou o São Paulo, para depois bater Grêmio e Corinthians e ser campeão. Ninguém em sã consciência pode falar que o Santos não mereceu ser campeão naquele ano - cresceu muito na reta final e foi decisivo quando o campeonato realmente importava.

Ok, pontos corridos funciona no mundo inteiro, mas o Brasil não é o mundo inteiro. Se "nos damos ao luxo" de fazer coisas ao nosso jeito em tantas áreas que não deveríamos, porque não fazer as coisas ao nosso jeito justamente onde deveríamos?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mitos modernos

"Não me venham com fatos! eu tenho as minhas convicções..."

Essa frase traduz em boa parte como nossas crenças são, muitas vezes, pautadas pela emoção, e não pela razão. Um teorema básico da Psicologia Social diz que é muito mais fácil acreditar em algo que está de acordo com as nossas crenças prévias, do que abrigar um conhecimento novo que entra em desacordo com elas. Por ex, se você ouve de alguém que uma pessoa de quem você gosta fez uma coisa horrível, você provavelmente vai desconfiar, e só acreditar quando tiver provas o suficiente para tal. Se você ouvir a mesma coisa sobre alguém de quem você não goste, provavelmente pensará "nunca esperaria coisa diferente dele", mesmo que as provas nas duas situações sejam exatamente as mesmas! Pois bem, justamente por isso surgem mitos contemporâneos, que são justamente reflexo daquilo que as pessoas gostam de acreditar, tenham ou não reflexo com a reallidade. Geralmente uso exemplos de política, mas hoje o exemplo de um assunto que é só um pouco mais emocional do que política: futebol.

O mito criado: campeonato brasileiro de futebol, 2009, penúltima rodada. Entre os que ainda brigavam pelo título, estavam Flamengo e São Paulo. O Corinthians, arqui-rival do segundo, enfrentaria o primeiro, sendo que já não tinha mais nenhum interesse no campeonato (estava no meio da tabela e não almejava nada). Resultado do jogo: Corinthians 0 x 2 Flamengo. A maioria dos jornalistas e de torcedores tem a mais convicta certeza de que o Corinthians entregou o jogo para prejudicar o São Paulo na disputa pelo título.

Os fatos: Naquele ano, o Corinthians vinha de um ótimo primeiro semestre, tenho ganho a Copa do Brasil e, consequentemente, a vaga para a libertadores no ano do seu centenário - sabido sonho corinthiano. Após a conquista, houve a venda imediata de 3 jogadores importantes do time, e começou a reformulação do time para entrar no centenário já afinado - alguns jogadores eram contratados ainda durante a temporada, o que é incomum. Embora o discurso fosse que o time ainda brigararia pelo campeonato, na prática estava complicado: os jogadores meio desmotivados, o time destroçado pelas vendas de jogadores e desfalques que sempre acontecem no meio do campeonato. O desempenho caiu muito e o futebol, mais ainda. Sabe porque eu sei disso? Porque sou corinthiano e assisto 100% dos jogos, e nessa época eu passei muita raiva com o futebol ruim do time no segundo semestre. Já o Flamengo...vinha numa reação que se tornou histórica: saiu de uma posição de ameaçado de rebaixamento até alcançar o título! fez uma campanha no segundo turno fenomenal...antes desse jogo, vinha numa sequência de 3 vitórias e 1 empate nos últimos 4 jogos; nos últimos 17 jogos do campeonato, conquistou 40 pontos, um desempenho fenomenal. Enquanto o Corinthianss, nos quatro jogos antecedentes, só tinha conquistado uma vitória. O próprio São Paulo, time para qual torcem boa parte dos torcedores que reclamam sobre esse jogo, ganhou apenas 1 ponto em 6 disputados contra o Flamengo! Naquele momento, era o confronto de um time em ascenção, embalado e brigando pelo título, contra um time desfigurado, desmotivado e sem padrão tático.

Bom, quanto ao jogo: eu, diferente de muitos dos que acreditam nesse mito, assisti. E falo "diferente de muitos" porque a penúltima rodada tem uma peculiariedade: todos os jogos são ao mesmo tempo. Então todos os rivais do Corinthians deveriam estar (ou assim espera-se) assistindo aos jogos dos seus times; tinham jogosfo importantes ao mesmo momento, o Palmeiras brigando por vaga na libertadores, o São Paulo brigando por título. E o jogo do Corinthians não foi o que passou na tv aberta, o que reforça a idéia de que pouca gente assistiu o jogo. E não vi nada demais; vi o Corinthians do segundo semestre, perdido, sem tática, sem brilho, mas não sem vontade. Vi um Flamengo melhor postado e mais organizado, sair na frente: 1 x 0. Não teve um lance, uma jogada, que você pudesse apontar "olha só como os caras estão entregando". E assim continuou até aos 47 minutos do segundo tempo, quando o juíz marcou um penalty esquisito pro Flamengo. O goleiro do Corinthians fez a infantilidade de nem pular na bola para protestar contra a arbitragem. Pronto. Foi o prato cheio que todo mundo queria "olha lá, nem pular na bola para pegar o penalty ele pulou!!". Como se talvez pegar um penalty aos 47 do segundo tempo e evitar que ampliassem o placar pudesse mudar alguma coisa.

Quando eu escuto torcedores falarem essa bobagem de que aquele jogo foi maracutaia, eu penso "torcedor pode pensar e falar a bobagem que quiser". O que é irritante são jornalistas, supostos comunicadores dos fatos, falando sem terem o menor embasamento para tal.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

colégio eleitoral

Acho que todo mundo com mais de, sei lá, 15 anos, já passou por alguma situação assim: quando era menor não entendia uma coisa que os pais faziam ou falavam, mas alguns anos depois compreendeu. E compreendeu também que só não entendia aquilo quando era mais novo simplesmente porque não tinha capacidade, na época, para tanto. No geral, parece-me que quanto mais o tempo passa, mas situações desse tipo se repetem; você percebe que se as pessoas mais velhas costumam fazer algo de uma determinada maneira, deve haver algum sentido para aquilo. Claro que não se trata, então, de aceitar tudo da maneira como é, senão a História seria uma linha contínua, mas acho que o ponto está claro.

Em Julho estive nos EUA. Já tinha estado lá antes, mas não tinha idade nem disposição para compreender algumas poucas coisas que você consegue observar, de uma sociedade, passando alguns dias no país. Muitas coisas chamaram-me a atenção. Uma delas foi que, assistindo tv uma noite, em um grande canal (não lembro qual) havia uma espécie de debate entre os candidatos da prévia republicana à eleição de senado pelo Arizona. Então, é assim: há 2 grandes partidos nos EUA, e em cada eleição para o Senado, candidatos dos dois partidos disputam a vaga do partido para ver quem vai se candidatar (é como se a Marta e o Zé Dirceu tivessem disputado uma prévia para saber quem seria candidato do PT ao Senado em São Paulo); os candidatos que estavam disputando essa prévia do partido republicano estavam debatendo assuntos de interesse da nação. A mim parecia que todos tinham posições muito bem formadas (não tinha nenhum Netinho de Paula, por ex); o Arizona nem é um dos principais estados americanos e eu não estava nesse estado. Ou seja, se a rede estava transmitindo é porque alguma audiência aquele dabate estava trazendo...você já imaginou debate de candidatos ao Senado no Brasil? pior ainda, já imaginou debate de candidatos de um mesmo partido para quem vai ser o candidato? Aqui nem debate para presidente dá ibope...

Obama teve uma grande derrota nas eleições legislativas dessa semana; perdeu maioria no Senado e ficou com um empate técnico na Câmara. A oposição republicana foi muito forte nos dois primeiros anos de seu governo e obteve os resultados na urna. O que ele fez? Veio a público fazer uma espécie de mea-culpa e assumiu que, daqui pra frente, precisará negociar muito mais com a oposição para governar. Lula teve uma vitória na eleição presidencial: a candidata que ele, pessoalmente, escolheu, ganhou as eleições, tendo como principal atributo ter sido a escolhida "do cara". Mamata garantida para a companheirada por mais 4 anos. O que ele fez? Vem a público esculachar a oposição, como fez, aliás, durante toda e eleição, e pedir que ela seja "menos raivosa" (quando na verdade ele teve, durante os 8 anos, a oposição que pediu a Deus, de tão boazinha e camarada).

Bom, só são 2 exemplos de como a democracia, nos EUA, é anos luz mais desenvolvida do que no Brasil. Alguns asnos gostam de esculachar os "estados-unidenses-imperialistas-cãesdodemônio", mas estaríamos bem melhor se fossemos mais, e não menos, parecidos com eles. E agora vem: sempre estranhei aquele sistema de colégio eleitoral deles para as eleições presidenciais. Isso é, porque não contam os votos de todo mundo? Não é mais fácil, até mais democrático? Em 2000 Al Gore teria ganho do Bush, pois teve mais votos totais; que coisa esquisita! Nessa nossa eleição agora eu "acho" que entendi...

Olhando a distribuição de votos por estados da federação, temos uma situação curiosa. Nordeste à parte, Serra ganhou em 11 estados, contra 5 onde a Dilma ganhou. Independentemente ndsso, em nenhum estado (exceção é o Amazonas) onde qualquer um dos dois ganhou houve uma vitória acachapante; fica claro que, em todos esses estados, houve uma discussão da sociedade sobre os 2 projetos e algum dos dois ganhou. Aí entra o Nordeste: vitória da Dilma nos 9 estados, mas mais do que isso, uma vitória assombrosa. Em alguns estados a proporção de votos é de 3 para 1. Veja bem, a vitória da Dilma em todo o país foi com sobra suficiente para que ela ganhasse qualquer que fosse o sistema; do ponto de vista do voto é uma vitória indiscutivelmente legítima - não éFaz esse o ponto. Mas essa situação chamou a atenção para uma questão: em países continentais, como Brasil e EUA, onde a idéia de divisão política é de uma federação, com regiões com características e, portanto, interesses diferentes, o critério de contagem total de votos apresenta um risco: se uma região específica aderir maciçamente a um projeto, a discussão política fica comprometida. Não adianta nada que em todos os outros estados o outro projeto político seja vencedor, a sobra de votos de uma região pode sobrepujar. A princípio faz sentido democraticamente - para governo do estado, não interessa muito que cidade votou em quem. Com relação à federação, tenho minhas dúvidas. Do ponto de vista eleitoral, faz diferença se em um estado específico um candidato ganhe de 80 x 20 ou 60 x 40; do ponto de vista político, não sei se faz tanta - em ambos os casos o estado decidiu que aquele candidato seria o melhor. Só que o massacre eleitoral em certaís regiões tem um peso eleitoral muito maior do que talvez devesse ter, levando em conta o que, politicamente, isso signifique. O mecanismo de colégio eleitoral parece ser um instrumento de balizamento da democracia analógo ao que, no Brasil, acontece no Senado e na Câmara: o Senado tem o mesmo número de senadores por estados para corrigir eventuais injustiças regionais que a câmara, com maior proporcionalidade, possa cometer em pró dos estados mais populosos. A idéia ainda não tá muito clara na minha cabeça, mas se é um mecanismo pró-democracia, e acontece nos EUA, alguma coisa tem...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Porque ainda há chances...

Embora os institutos de pesquisa estejam dando essa eleição como liquidada, ainda há chances de virada (embora pequenas, claro...). Vejamos:

no primeiro turno, o instituto que menos errou foi o Datafolha: deu 50% de votos válidos para Dilma na véspera da eleição, quando ela teve, na prática, menos de 47%. Os outros institutos erraram ainda mais, então fiquemos com o Datafolha. Na hipótese mais benévola, o erro é de metodologia, e não foi corrigido. Então não é esdrúxulo supor que esse viés de 3 pontos ainda exista. A diferença hoje deve ser algo de 53% x 47% (e os trackings dos dois partidos estão demonstrando isso). Em votos válidos do primeiro turno (101 milhões), é algo como 53,5 milhões x 47,5 milhões de votos.
A abstenção cresce no segundo turno. Historicamente, temos uma abstenção de 20% no primeiro turno contra 25% no segundo. 5% a menos de votos (em uma base de 131 milhões de eleitores) são 6,5 milhões de votos. Como a abstenção é sensivelmente maior no NE e nas regiões mais pobres, onde a Dilma lidera com folga, é de supor que ela perca 3 votos para cada 1 do Serra. Sendo assim, teríamos uma diferença prática de 48,5 milhões de o votos x 45,8, menos de 3 milhões de votos (lembrando que, num segundo turno, a diferença é metade: se 1,5 milhão mudar de candidato tudo se iguala).

O debate da Globo pro segundo turno, historicamente, tem uma audiência de 30 pontos, o que dá, em todo o Brasil, cerca de 10 milhões de domicílios (25 milhões de pessoas). Se 1,5 milhão dessas pessoas mudarem de idéia vendo o debate...vai saber! não custa torcer e não deixar de votar domingo...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre legislação trabalhista

Um princípio econômico básico é que, toda vez que o Estado intervém em uma relação entre agentes econômicos (por ex, quando há um tributo, ou o Estado arbitra sobre um preço mínimo ou máximo para uma mercadoria) há uma ineficiência, um dinheiro que se perde - chamado de peso morto do Estado. Todo mundo que estudou o básico de economia conhece esse conceito; para quem não, é difícil visualizar isso sem o auxílio de gráficos, mas te garanto que é assim que funciona.
Nem por isso o Estado não deva intervir; até pq a própria existência de Estado pressupõe tributos, o que por si só já cria essa ineficiência. E cada vez mais há um consenso de que o capitalismo precisa ser regulado em vários aspectos, pois sendo moralmente ineficiente, ele por si só nao garantirá uma distribuição mais humana dos recursos.
Mas a ineficiência que cada intervenção do Estado causa deve ser sempre avaliada frente aos benefícios de regulação e justiça social que essa mesma intervenção causa; senão há uma enorme ineficiência que não é compensada, nem de longe, por um ganho social. O caso da legislação trabalhista brasileira é um exemplo claríssimo dessa situação.
Um conceito fundamental em Marx é o da mais valia. A exploração do proletário pelo capitalista se dá pelo fato de que o patrão paga ao funcionário um valor pelo seu trabalho que é inferior ao que o trabalho do funcionário gera para o patrão. Se o trabalho vale 10, o patrão vai justamente pagar menos que 10, senão a relação, economicamente, não faz sentido. Mais valia seria, então, justamente a diferença entre esses 10 (valor real do trabalho) e o valor que o empregado recebe pelo seu trabalho (digamos, 5), e poderia ser expressado como o "tamanho da exploração".
O Brasil está entre os países com o custo do emprego mais alto do mundo. Isso se mede na seguinte relação: que percentual do efetivo salário do funcionário o empregador realmente desembolsa? No Brasil, essa relação é de 2 para 1, isso é, para cada real de salário do funcionário, o empregador efetivamente desembolsa 2. Além de uma série de encargos e tributos que incidem sobre a folha, que não se revertem em recursos para o funcionário, há vários direitos trabalhistas que compõe a remuneração do trabalhador e, teoricamente, são benéficos a ele - como décimo-terceiro, fgts etc. Uma pessoa que ganha 1500 reais ainda vai pagar 11% de INSS mais 15% de IR, o que ainda dá mais descontos - na prática, o que entra líquido é 74% do salário. Então, a situação é que o empregador desembolsa 200% pro funcionário ganhar 74%, quase um terço! O sensacional efeito que a legislação trabalhista tem sobre o salário é triplicar o efeito da mais valia!!

Um erro grosseiro é pensar que, se um direito é criado, o funcionário vai ganhar mais e o patrão vai pagar mais. É besteira pura. Imagine que você está pensando em viajar para um lugar nas férias e vai consultar quanto custa a passagem; você tem 500 reais para gastar e se a passagem custar até esse valor, vc vai, do contrário você não viaja ou vai procurar outro lugar. Aí você liga na agência e o cara te fala: "olha, a passagem custa 300!" você fica todo feliz, até o cara complementar "só que tem taxa de embarque de 100, tarifa de bagagem de mais 100 e imposto sobre viagens de mais 100". O que você faz: viaja porque o preço é 300 ou não viaja porque o custo total é de 600? Você pode até viajar, mas não vai ignorar que no final o seu custo final é 600. É isso que acontece; se alguém está pensando em contratar, vai estabelecer o quanto é possível gastar com aquele funcionário. Se há uma montanha de encargos, o salário é que vai ser diminuído, não o valor que o empregador vai pagar que aumenta. Ou fica inviável e o cara prefere não contratar do que pagar mais do que é economicamente possível para aquela função.

Sendo assim, há uma série de supostos "benefícios" que, além de conceitualmente serem sem sentido, estão, na verdade, ferrando o trabalhador, não ajudando. Sem sentido porque paternalistas, porque partem do princípio que o cidadão não consegue cuidar de si mesmo. Veja o décimo-terceiro: supostamente é para fazer frente as despesas de final de ano (não vou entrar no mérito do que seriam despesas de final de ano - presente de Natal?). Mas o empregador fatura o dobro no final do ano para fazer frente a essas despesas? Talvez o povo do comércio, mas mesmo assim eles vão começar a receber essa receita extra em Janeiro, e a primeira parcela do décimo-terceiro é paga em Outubro! E os outros setores da economia que se virem para pagar! Na teoria, é o governo assumindo que o cidadão não consegue se planejar durante o ano para esses gastos e mete uma lei que obriga as empresas a pagarem um salário-extra; na prática, nenhuma empresa tem dinheiro para pagar, então tomam empréstimo dos bancos para pagarem ao longo do ano posterior, claro, pagando juros. Esse custo adicional de juros que as empresas tem é obviamente incorporado aos preços dos produtos e toda a população - quer tenha emprego formal e receba 13° ou não - arca com isso. Quer outra maravilha? Acabou de sair uma pesquisa dizendo que 70% da população vai usar o décimo terceiro para pagar dívidas. Ou seja, esses funcioários que poderiam ter um salário melhor mês a mês em vez de ganhar um salário extra, tomam empréstimos já contando com o dinheiro adicional do final de ano - quem ganha de novo? Bancos! Recapitalando: o governo decide que todo mundo é criança, decide criar um encargo extra, e como esse gasto extra não faz sentido econômico, toda a população contribui para encher o cofre dos bancos. Muito bacana.

Outro exemplo? FGTS. Supostamente é um dinheiro que te garante um respiro quando você é demitido. Eu mesmo já precisei e devo dizer que é bom contar com ele quando precisa. Mas na prática, um % muito baixo dos recursos é usado para essa finalidade. Você só pode sacar o dinheiro que aquele empregador que te demitiu depositou, se você saiu de um emprego porque quis você só vai ver aquele dinheiro quando se aposentar ou se comprar uma casa! E a rentabilidade dele é ridícula, rende algo em torno de 3% ao ano quando qualquer investimento merreca estaria rendendo 9%. Não seria melhor te dar o dinheiro e você decide o que faz com ele? Mas essa montanha de dinheiro fica em controle do governo, que decide como bem entender onde gastar - tem certeza que o benefício é pro trabalhador? Tem outros exemplos de benefícios paternalistas que não necessariamente melhoram a situação do trabalhador e que, economicamente, não fazendo sentido, como o adicional de férias. Mas acho que o ponto ja está claro.

Um outro problema seríssimo dessa legislação é a falta de dinamismo na economia. O próprio FGTS e a multa, assim como o aviso-prévio, são benefícios que supostamente protegem o trabalhador de ser mandado embora, dão segurança. Na prática podem até ferrar o trabalhador, além de tornar a economia engessada. Quem tem emprego formal tem um baita medo de ser demitido, pois sabe que é difícil arrumar outro emprego. Agora, porque é tão difícil arrumar outro emprego? Porque é tão caro contratar, e tão caro se você não gostar do funcionário e quiser demitir, que contratar é a última coisa que alguém quer fazer! A economia começa a crescer e o emprego só vai crescer junto muito depois; o cara estica hora-extra, contrata terceiro, põe robô! faz o diabo mas não contrata! só quando não dá mais...Então assim, é o rabo balançando o cachorro: tem uma legislação que 'protege' o trabalhador de ser mandado embora porque arrumar outro emprego é difícil, só que só é difícil arrumar emprego porque a legislação cria a dificuldade! E com isso a economia fica pouco dinâmica: o empregador não quer demitir porque é caro, então mantém um cara mediano lá só para não ter aborrecimento e despesa. Eu trabalhei 10 anos em banco exceção feita a processos de fusão, onde áreas inteiras são demitidas, poucas vezes vi alguém ser mandado embora - as que vi eram por problemas éticos, e não produtividade baixa. O funcionário queria mudar de emprego, mas como tem um empreguinho 'mal-ou-meno' vai ficando, ja que é difícil arrumar um. Um funcionário pouco competente e desmotivado, já viu como fica a produtividade né...enquanto isso outro mais competente e mais produtivo fica sem emprego até que alguém resolva abrir uma vaga.

Irrita-me profundamente quando o assunto "reforma trabalhista" surge e alguém vem com aquele frase "não pode mexer em direito dos trabalhadores". 50% dos empregos são informais e há 10% de desemprego. Se você desconsiderar que a PEA poderia ser até maior porque muita gente deixou de procurar emprego, na melhor das hipóteses essa legislação atende 45% da população! É um previlégio para poucos! E é claro que qualquer mudança na lei preveria não mexer nos benefícios adquiridos por quem já está empregado. Em tempos de sindicatos fortes isso não seria um problema.
Para desesperos de alguns, felizmente vivemos no capitalismo. Mas na sociedade brasileira esquizofrênica parece que as pessoas gostam de uma solução "acochambrada". Nem tanto para cá, nem tanto para lá. Aí vivemos nessas situações sem pé nem cabeça e que, pior, vira tabu discutir o tema.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sobre esforços e resultados

Um texto longo e chato, mas ainda sim importante.
Há certas circunstâncias da vida que é mais importante analisar esforços - o que foi feito - do que resultados. Imagine que você é um pai de dois filhos - ambos homens, de idade parecida e que jogam futebol pelos seus colégios. Você vai assistir um torneio entre colégios no qual os dois estão jogando. Um dos seus filhos fica na reserva do seu time; quando ele entra, não joga muito bem; na verdade, ele é indisciplinado taticamente, individualista, não cumpre muito o que o técnico pede e não corre muito para ajudar o resto do time - você logo percebe porque o técnico não o coloca muito para jogar. Mas o time dele é muito bom e acaba campeão do torneio. Seu segundo filho se apresenta muito melhor; além de jogar bem, parecer ser um líder natural do seu time; ouve as orientações do técnico e auxilia seus companheiros na quadra, corre muito. Mas seu time não é muito bom e acaba em quarto colocado.

Seu filho que foi campeão provavelmente sairá satisfeito e tirará sarro do outro, mas você, como pai, provavelmente estaria mais orgulhoso do segundo filho. Se você fosse jogar um campeonato que quisesse ganhar e só pudesse chamar um filho para jogar, provavelmente seria o segundo.

Gestão econômica de um país é um assunto muito complexo, com infinitas variáveis em jogo. Equipes econômicas com especialistas são formadas para ajudar, gente com pós-doutorado e 30 anos de experiência no assunto, e mesmo assim eles não entram em um consenso. E em época de eleição toda essa complexidade é diminuída em alguns números e idéias rasas para que 90% da população que não entende patavinas disso possa tomar partido.

O grande trunfo do governo Lula, mais até do que o bolsa-família, é o desempenho da economia nos últimos anos - indiscutivelmente, no governo Lula o Brasil cresceu a taxas mais altas e criou mais empregos do que no governo FHC. Comparações de números frios são explorados pela campanha Dilma sem dó - o que, politicamente, faz muito sentido; qualquer um faria no lugar deles. Mas para quem quer entender alguma coisa do assunto, essas comparações são sem pé nem cabeça. Se você perguntar a um entusiasta do governo Lula quais ações novas ou que aspectos do planejamento econômico do governo levaram a esse resultado, dificilmente você escutará uma resposta que faça sentido.

No começo de 94, quando FHC assumiu, o plano real tinha acabado de ser implantado e precisava ser gerido. A meta era continuar com a guerra contra a inflação de 20% ao mês que assolava o país havia tanto tempo. Em 7 anos tinham sido 5 planos fracassados, tínhamos passado por fiscais do Sarney, poupanças confiscadas pela Zelia etc. Era preciso manter a paridade do dólar com o real, pois uma disparada do dólar geraria pressão inflacionária - isso custou divisas ao Brasil e aumentou a dívida. O governo perdeu arrecadação com o fim do imposto inflacionário (se há uma inflação de 20% ao mês e você só precisa pagar seus gastos em 30 dias, seus recursos valem 20% a mais sem você fazer esforço; se a inflação acaba você perde esse valor - foi isso que aconteceu com o governo). Era preciso controlar gastos e sanear as contas. O governo teve de reconhecer os esqueletos - empresas estatais totalmente endividadas e que sangravam recursos, mas que ninguém contabilizava quanto de prejuízo realmente havia - o que aumentou o endividamento também. Os gastos de estados e municípios eram uma lambança - governantes gastavam tudo que podiam para sair bem na foto e deixavam a conta pro seu sucessor pagar. Para regularizar a situação, o governo federal assumiu a dívida de todos os estados e municípios, refinanciando-os a taxas menores e prazos maiores - processo que culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, onde os limites para os governantes gastarem estavam estabelecidos. A economia brasileira andava por um fio com todo esse processo de saneamento; foi preciso aumentar impostos para recuperar receita, havia muito pouco dinheiro para investir, e o aumento da carga tributária desestimulava ainda mais a economia. Quem emprestava dinheiro ao Brasil cobrava caro e queria prazos curtos de pagamento; ou você emprestaria para alguém que sempre teve uma gestão bagunçada, que só estava nos seus primeiros anos de tentativa de estabilização econômica e que já tinha dado calotes 3 vezes? Para ajudar, a economia internacional andava de mal a pior; nos 8 anos, foram pelo menos 4 crises sérias - crise do México, da Rússia, dos tigres asiáticos e a quebra da nossa vizinha Argentina; e não foram todas de um vez, foram espalhadas ao longo de 8 anos, o que dificultava que se respirasse por 2 anos seguidos. Se os investidores já tinham receio de investir no Brasil, com a economia internacional crescendo pouco e tantas crises nos países emergentes esses poucos recursos ficavam ainda mais escassos.
Em 2002 o governo achava que, finalmente, teria um ano tranquilo. Eis que PAM! um candidato chamado Lula, que havia passado os últimos 15 anos pregando o calote a dívida externa, que criticava sobremaneira a política econômica do governo, que havia dito frases como "o Brasil não pode exportar 1 real enquanto houver fome no país", de um partido que havia votado contra todas as mudanças importantes no país, era líder nas pesquisas para eleição a presidência. Os investidores pensaram "agora f* de vez, esse país vai virar uma Venezuela, vai quebrar que nem a Argentina", os recursos sumiram, foi preciso aumentar os juros a taxas exorbitantes para manter algum dinheiro no país. O governo não teve outra alternativa a não ser pedir ajuda ao FMI para garantir, ao próximo governo, algum dinheiro para governar.
Lula assinou a carta ao povo brasileiro, garantiu que não faria nenhuma das bobagens que passou 15 anos pregando e, graças a Deus, realmente não o fez. Durante o primeiro e segundo ano do governo os mercados perceberam que ele realmente estava cumprindo a promessa e as coisas se acalmaram - o governo pode trabalhar para gradualmente baixar os juros e aumentar os prazos das suas dívidas, inclusive pagar aquele dinheiro que o FMI tinha emprestado. O novo ministro do planejamento elogiava a política econômica que tinha sido estabelecida no governo anterior e não mexeu uma palha nela. E os ventos da economia internacional mudaram; as taxas de crescimento de todo o mundo eram maiores - China crescia a 10% ao ano, Índia a 9%, e mesmo países industrializados como a Alemanha cresciam a 5%. Começou a jorrar dinheiro dos investidores internacionais, que queriam lugares diferentes para investir. O Brasil exportava basicamente comodities, e não é que os preços da comodities subiram bastante? bum! mais dinheiro entrando, economia crescendo, arrecadação do governo aumentando, empresas gerando empregos. Com esse dinheiro entrando, o governo poderia ter feito tanto coisa. Diminuído impostos para estimular ainda mais a economia; investir pesado na precária e defasada infra-estrutura do país (estrada, ferrovias, portos); dado um salto de qualidade na educação e na saúde. Nada disso foi feito. Sabe o que fez? Por não saber o que ou como fazer, continuou sem mexer uma palha na estrutura econômica já montada, e usou uma pequena - bem pequena - fração desses recursos para distribuir via bolsa-família. E o resto foi gastando com o chamado "custeio da máquina"; contratou gente sem parar para áreas administrativas, que não atuam nos principais problemas do país, para empregar o pessoal do partido e da base aliada, mantendo a classe política satisfeita, tambem, com os resultados.

Mas e a crise de 2009? Não foi a maior crise desde a quebra de 29 e o Brasil não saiu rápido dela? É verdade, mas o Brasil teve 7 anos de calmaria para se preparar para essa crise - quando ela veio, as reservas eram gordas. E o principal: quando ela veio, o Brasil não era mais um país de instabilidade econômica, de histórico de calotes, com hiper inflação e que ninguém no mundo sabia o que esperar de nós. O Brasil era um país de inflação controlada, de 16 anos de estabilidade econômica e de respeito a contratos, que tinha conquistado, ao longo desses 16 anos, respeito internacional - e isso faz toda a diferença. E há prejuízos enorme da crise que muita gente não notou ainda - o país sofreu uma séria desindustrialização, mas os efeitos só serão sentidos nos próximos anos.

As grandes perguntas que deve-se fazer são: se o pessoal que assumiu em 2003 tivesse assumido em 94, o Brasil conseguiria ter feito as mudanças estruturas pelas quais passou? Se as condições econômicas de 2003 para cá não tivessem sido tão favoráveis, o Brasil estaria perto da situação que está hoje? E o mais importante: é sabido que a economia mundial vai mudar em 2011, e os desafios que enfrentaremos serão completamente diferentes; esse pessoal tem a capacidade de avaliar uma situação totalmente nova e tomar as decisões necessárias - ao invés de copiar um modelo que já vinha pronto de seus antecessores? É por isso que, nessas circunstâncias, esforços são mais importantes do que resultados.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sobre Imprensa golpista ou esquizofrenia

Eu me interesso por política e costumava ler vários blogs que tratam do assunto. De uns tempos para cá, parei de ler vários para ler alguns; o tal do "isentismo" me encheu e, deixando a hipocrisia de lado, passei a privilegiar aqueles que notadamente seguem a mesma linha política que eu. Sim, porque todo mundo tem lado, e nada pior do que ler um texto de alguém supostamente "isento" sendo construído sobre argumentos que atropelam a lógica para, no final, deixar mais ou menos explícito o porquê aquele candidato ou partido é melhor do que o outro.
Mas em tempos de eleição, por curiosidade, dei uma passeada no que diziam os blogs "deles" - a saber, blogs que apoiam claramente a candidatura da Dilma. E uma coisa me chamou a atenção - talvez não devesse: o papel que eles estão atribuindo a imprensa nessa disputa de eleição, de "golpista", de ter abraçado claramente a candidatura do Serra e de não sei mais o quê.

Talvez o exemplo que fosse mais favorável a essa análise "deles" seja a imprensa de São Paulo: Estadão, Folha, Veja (não é só para São Paulo, mas é uma revista muito lida no estado). Vou deixar a Veja para depois - falemos antes de Estadão e Folha.

O estadão, alguns dias atrás, tomou partido abertamente. Talvez nem precisasse, pois a leitura do jornal ao longo do tempo por um leitor atento já indicaria as suas tendências. Fez um editorial explicando porque era a favor da candidatura Serra. Mas, isso posto, dificilmente você vê uma cobertura jornalística tendenciosa - não costuma haver mentiras, nem ilações perigosas, no geral apenas fatos sendo noticiados. Não raro você lê uma notícia e pensa "humm..esse jornalista tá com jeito de ser petista". A opinião costuma vir no editorial. No espaço dos colunistas, cansei de ler opiniões diversas ao que poderia ser considerado "opinião do jornal". No site do jornal, no trecho de política, há rigorosamente o mesmo espaço para notícias da candidatura Dilma e da candidatura Serra - e as notícias não são necessariamente ruins ou boas para cada lado.

À Folha está sendo atribuído um tal "tucanismo"; mas quem acessar a página on line do jornal verá, com muita probabilidade, na parte de política, 4 notícias da candidatura Dilma para 1 sobre o Serra; falando sobre "Lula diz não sei o quê sobre tal coisa", "PT planeja não sei o que"...reparei nos últimos cinco dias e é bem assim. Lembro que no governo FHC alguns conhecidos não gostavam da folha porque era excessivamente oposicionista; havia críticas contundentes a quase tudo que o governo fazia. Vai ver nessa época o PT achasse a Folha muito democrática...na última vez que eu li a Folha, seus três colunistas diários na primeira página eram o Clóvis Rossi, o Cony e a Eliana Catânhede. Não seria errado identificar os 2 primeiros mais com o PT do que com PSDB; e a terceira não é propriamente uma tucana.

Um professor meu citou, duas aulas seguidas, um texto do Leonardo Boff que dizia que, em linhas gerais, esse posicionamento da m´dia se deve a um grupo de família, donas dos maiores canais de comunicação, que sentiram que um determinado projeto político (pt / popular) ameaçava os seus privilégios, e então decidiram atuar. Por motivos que não vem ao caso, tenho um amigo muito próximo à família dona da Folha, e esse amigo atesta que, até uns 3 meses atrás, pessoas da família estavam realmente pensando em quem votar. Mas claro, o Leonardo Boff não sabe disso - nem precisa, afinal as teses dos supostos esquerdistas podem ser amparadas somente pelas suas especulações teóricas.

Agora, a Veja: aqui realmente dou o braço a torcer. A Veja é claramente pró-psdb - e isso afeta até a maneira de montar suas reportagens. Mas a Carta Capital, por ex, é o negativo da Veja - assim como a primeira, também traveste proseletismo político de jornalismo. Talvez a diferença entre as duas é que a Veja é de um grupo jornalismo grande, de maneira que, por mais que haja um alinhamento de pensamento entre os diversos setores de reportagem, é um pouco mais difícil uma grande unicidade. A Carta Capital tem um dono que manda e desmanda...mas talvez o que mais incomode os petistas é que a Veja deve ter umas seis vezes mais circulação do que a Carta Capital.

A tão temida Globo, para não fugir a uma questão principal, foi bem dócil com o governo lula nos últimos 8 anos. Não se furtou a noticiar os sucessivos escândalos, mas tomou muito, mas muito mesmo, cuidado para não, digamos, ferir sentimentos dentro do governo. Assim como fez com governos anteriores, diga-se de passagem...

Isso posto, não fica outra conclusão senão associar esse tipo de pensamento sobre uma suposta "imprensa golpista" a toda esquizofrenia que ronda os ditos "esquerdistas". É aquela velha questão: se você discorda, deve ser reacionário, elitista, quer manter o status quo - porque, afinal, como alguém pode ter uma outra opinião? Quando uma força potente como a mídia tem uma parcela considerável que não está propriamente aderida a causa deles, aí incomoda bastante...ou, para ficar numa linguagem popular, "pimenta no * dos outros é refresco".

sábado, 9 de outubro de 2010

Sobre reacionários e elitistas

Petistas e partidários "de esquerda" em geral costumam argumentar que "as elites" são contra um projeto político "popular", que possibilite a ascensão econômica dos mais pobres porque são contra a mudança, porque querem manter seus privilégios de elite econômica e que, portanto, a idéia dos mais pobres terem acesso a coisas que eram exclusivas de uma certa classe é muito assutadora. Acho que, até certo ponto, tem um fundo de razão aqui, mas não é esse o ponto do texto. O problema é o exagero de assumir essa posição. Quando se atribui a uma discordância política uma premissa emocional e individual, está desqualificando-se o debate, está negando-se ao adversário a possibilidade de discordar objetivamente, tecnicamente. E claro, isso é arrogância. Há as mais variadas teses, até embasadas "cientificamente", de que toda a estrutura burguesa cria argumentos e lógicas para desqualificar movimentos que possibilitem a melhoria social etc. Tente discutir contra isso e você será, automaticamente, reacionário e contra a mudança.
Então se vale para um lado, vale para o outro também. Há claramente um grande fator emocional envolvido nessa visão de política. Uma coisa que me chama a atenção é a total aversão ao PSDB, por exemplo. São chamados de elitistas, de reacionários, que formam a elite que mantém a desigualdade há anos no Brasil bla bla blá. Eis um ponto que não há nada de racional e objetivo. Pois vejamos...

O PSDB nasceu no final da década de 80, como uma deserção (à esquerda) do PMDB - partido que, na época, era símbolo da luta pela democracia no Brasil. Chegou ao poder muito por consequência de um projeto de extremo apelo popular: o plano real, que finalmente acabou com a inflação. Inflação, aliás, que é um horror justamente para as camadas mais pobres, sem emprego formal, desbancarizadas, que tem seu poder de compra aniquilado com o passar dos dias. Em vários aspectos, podemos até considerar os 8 anos de governo FHC com mais medidas de real impacto às camadas menos favorecidas do que os últimos 8 anos. É verdade que FHC, em especial no seu primeiro mandato, governou junto com setores mais conservadores do PFL, como ACM. E o PT tem hoje em sua base de apoio os Sarney do Maranhão, os Collor de Alagoas, os Arraes de Pernambuco, os Gomes do Ceará, todas famílias tradicionalíssimas da elite dos seus estados que estão há anos perpetuando a pobreza (sem contar Maluf, Suplicys e outros "pobrinhos"). As maiores mamatas e roubalheiras acontecem em esquemas com ou dentro do Estado; FHC inicou um processo de racionalização e diminuição do estado; reconheceu os esqueletos, assumiu as dívidas dos estados e refinanciou-os, culminando com a lei de responsabilidade fiscal (na prática, protegendo a população dos seus próprios governantes); criou as agências reguladoras. Governo Lula voltou a inchar o estado, contratar sem concurso e degradar as instituições democráticas, tornando assim a população - em especial a mais pobre - cada mais refém dos seus governantes. Se no começo da década de 90 um telefone era coisa de rico - custava 2 mil reais e podia-se esperar uns 2 anos por uma linha - hoje, após a privatização das teles e consequente boom de investimentos no setor, qualquer um pode comprar um pré-pago por 10 parcelas de 10 reais. Privatizações essas que foram muito criticadas pelo PT, criando até o mito da privataria que jogou reputações no lixo. Na abeducação, o governo FHC alcançou ótimos resultados na universalização da educação básica - embora com sérios problemas na qualidade. Sabemos que a educação é a única maneira sustentável de reverter um ciclo de pobreza. Qual o resultado prático do governo Lula na educação? Na fundamental e média, quase nada. Só isentou faculdades ruins de imposto se dessem bolsa para alunos ainda menos qualificados e fez muita propaganda disso. A política econômica do Malan, tão criticada por ser chamada de "política pros banqueiros", não só foi mantida como foi a principal razão da economia ir tão bem e render tantos frutos eleitorais para Lula; banqueiros e grandes empresas nunca estiveram tão felizes. Ok, tem o bolsa-família; mas os primeiros programas de distribuição de renda foram criados no governo FHC, e a idéia de junção desses programas em um só foi do ex-governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo (há vídeos do Lula agradecendo-o pela idéia espalhados por aí, é só procurar).

Isso tudo para dizer: pode-se fazer variadas críticas aos governos tucanos, mas os dados estão aí para provar que de "elitistas", de governar para "os ricos", não há nada de objetivo. Minha impressão é que seja fundamental para um projeto autoentitulado de "popular", "dos pobres", criar essa contradição, acirrar esse sentimento de "nós pobres" contra "eles ricos". Senão o discurso perde a força; não interessa apenas uma discussão objetiva de quais caminhos levam a quais objetivos, até porque, muitas vezes, falta competência para essa discussão. Questões emocionais e deixar de lado questões objetivas para apelar para um suposto princípio não é exclusividade das chamadas "direitas".

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sobre aborto

Em épocas de discussão política sobre posicionamento a respeito do aborto, esse assunto volta à tona. A minha posição atual sobre o assunto é: sou contra a descriminalização do aborto. E não, não sou relioso, católico, evangélico etc. E a minha opinião é baseada em uma premissa básica: para mudar a legislação e, em especial, sendo essa mudança, a princípio, em confronto contra um princípio básico da nossa constituição (o respeito absoluto à vida), precisamos de um motivo muito forte. E até agora tudo o que eu ouvi são uma série de mistificações e uso frágil de estatísticas. Nas duas exceções que a legislação já prevê (risco de vida para a mãe e estupro) já existem essas considerações; no primeiro, é uma vida pela outra (assim como temos o direito de legítima defesa); no segundo, embora filosoficamente mais discutível, na prática acaba fazendo todo o sentido - acho difícil alguém, mesmo muito religioso, ser contra o aborto se a sua própria filha fosse estuprada, por ex.

Os favoráveis a tese da descriminalização costumam apontar, vorazmente, a interferência da religião em uma questão que deveria ser guiada por princípios laicos. E eu atesto que a religião não precisa ter absolutamente nada com isso. Quer dizer, algum prisma você deve adotar: o prisma religioso, o da sua própria moral, o jurídico, enfim, você escolhe. Mas algum prisma deve ser escolhido, em especial para responder a seguinte pergunta: feto é vida? Em que momento aquela "entidade" (por falta de termo isento melhor para caracterizar) pode ser entendido como vida? Claro, porque a decorrência natural dessa resposta é que, após aquele momento, interromper a gravidez é sim, sem dúvida, matar alguém. Há discussões por todo o mundo a respeito disso - só é vida quando o encéfalo está desenvolvido, ou começa na hora da concepção, enfim. Não há cientificidade capaz de dar uma resposta objetiva e não passível de contestação. No final, a partir da concepção, se nada interferir esse embrião vai se desenvolver e, nove meses depois, teremos um recém-nascido, correto? Então masturbação mental a parte, entendo que à partir da concepção, temos uma vida. É a premissa que escolhi para estabelecer a minha opinião.

Isso posto, o que temos é a discussão de permitir, legalmente, em constituição, o ato de matar, para ter algum benefício de cunho prático. O principal argumento seria de que, na prática, as pessoas já fazem mesmo, então a legislação é hipócrita. Do ponto de vista conceitual e lógico a tese é ridiculamente frágil; no extremo, todo crime que não se consegue coibir deve ser, então, liberado? É a mesma tese da liberação das drogas, correto? (coerente é a pessoa que adota o mesmo posicionamento nos dois casos). A legislação não está lá para acompanhar a prática, e sim como uma espécie de parâmetro a ser alcançado. Não que não possa haver tantos outros argumentos para quem defende essa posição, apenas esse argumento parece-me, na origem, muito fraco.

Aí entra a outra questão: o pragmatismo, a utilidade prática. A alegação é que, legislação como está, há um apartheid médico na questão: ricos tem acesso a clínicas ilegais, enquanto pobres se ferram fazendo aborto com medicamento, agulhas e outras atrocidades. Torna-se uma questão de saúde pública. Ah tá, então no Brasil a diferença de acesso a serviços médicos entre as mais variadas classes sociais é só no aborto e nasce, exclusivamente, da legislação? Não é ilegal fazer um transplante, mas vai ver a diferença de facilidade e qualidade que ricos e pobres fazem o procedimento. Poderia citar outros inúmeros exemplos. Se estamos falando de vida prática, de pragmatismo, tem que ser olhar par atudo. O sistema de saúde brasileiro, de forma geral e com raras exceções, é pracaríssimo. Pessoas esperam horas para serem atendidas, seja um resfriado ou um ataque cardíaco. Esperam meses por um exame que pode ser a diferença entre um tratamento de sucesso ou não. Esperam mais de ano por uma cirurgia que seria fundamental na sua qualidade de vida. Precisamos mudar isso, mas vai levar anos. Agora, mudar a legislação vai resolver o problema das mulheres pobres que querem fazer aborto? O sistema de saúde já não consegue dar conta de uma série de necessidades básicas da população, e estamos apostando nele para resolver mais esse problema? Quanto não pragmático nem prático é esse aposta? Com a campanha política veio a tona outro tema: 50% da população brasileira não tem saneamento básico e 60% dos atendimentos no sistema de saúde poderiam ser evitados com saneamento! E estamos contando com esse sistema de saúde para resolver o problema das mulheres pobres que decidem abortar...Se estivéssemos na Suécia, com um sistema de saúde eficiente e perfeitamente capaz de resolver esse problema, eu teria outra opinião sobre o tema? Provavelmente não, mas a discussão teoria x prática faria algum sentido.

No final das contas, é admitir na legislação uma permissão para matar sem contrapartida. Ricos continuarão fazendo seus abortos em clínicas de qualidade, pobres continuarão fazendo seus abortos de forma precária. Veja bem, eu nao sou contra a escolha. Alguém pode fumar seu baseado e ainda sim não ser a favor da descriminalização das drogas. Posso guiar meio bêbado depois de um happy-hour e ainda sim achar que a legislação de trânsito deva ser rígida contra motoristas alcoolizados. Tomar decisões, eventualmente, à margem da lei não tem nada a ver com qual princípio deva organizar a sociedade como um todo - e é disso de que se trata legislação. Estabelecer na nossa constituição essa permissão para matar sem nenhuma contrapartida importante me parece de um sem sentido infindável.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Sobre poker e vida

Jogo poker há algum tempo e, mesmo alternando fases onde estou mais envolvido com o jogo e fases onde fico sem jogar por quase um mês, tem uma hora que a maneira de pensar do jogo se incorpora a sua vida. Se você pega um programa na tv sobre o jogo pára para assistir, de vez em quando pega algum dos livros que tem sobre o jogo para reler, ou quando encontra com algum amigo que joga o papo aparece. E aí você começa a perceber várias semelhanças entre a dinâmica do poker e da vida em geral. Vou tentar escrevê-las de maneira que fique compreensível para os que não entendem muito bem o jogo, sem ficar muito repetitivo para quem já conhece bem.

- O que importa é fazer jogadas + EV.
Poker não é um jogo de sorte, mas o fator sorte pode fazer diferença no curto prazo. Quer dizer que, mesmo você jogando bem e tomando as decisões corretas, quando a aleatoriedade das cartas não te beneficia você pode ter um resultado ruim em uma jogada ou dia específico. Jogadores competentes ligam pouco para isso, pois sabem que, no longo prazo, fazendo a melhor jogada sairão vencedores - até porque a sorte, no longo prazo, vai ser igual para todo mundo. É o que é chamado de "jogada + ev". EV vem do inglês, expected value, é um valor numérico que representa o quanto você pode esperar em média de uma determinada jogada, dada a probabilidade de cada resultado x resultado em si. Se uma jogada tem ev positivo (+ ev), significa que efetuando a mesma jogada diversas vezes, invariavalmente você vai ganhar dinheiro - e o oposto é verdade para jogadas com ev negativo (- ev). É muito comum um jogador experiente aconselhar um jogador mais novo para não ser "orientado pelos resultados"; ou seja, não avalie uma jogada pelo mero resultado direto - se você ganhou ou perdeu - mas sim se você fez a jogada correta - a que teria o EV mais positivo possível.

Com o passar do tempo você nota que o fator "sorte" também é importante na circunstâncias das pessoas na vida. Você pode ter uma filosofia ou religião que defina que nada é de graça, que existe ação e reação, whatever, mas a verdade é que até onde conseguimos perceber / provar, existe um fator sorte considerável. Mas eu também acredito que essa sorte vai se anulando ao longo da vida, isso é, a tendência é que todo mundo tenha oportunidades em alguns momentos e passe perrengues em outros. Muitas vezes o que vai definir o nível de sucesso por essas variações de sorte é a sua atitude, como você se comportou, como você estava preparado para aquele momento. É como se você também precisasse fazer a jogada + ev para lograr sucesso, independentemente do momento da sua sorte. A diferença, talvez, é que o +ev para cada um na vida pode ser completamente diferente, enquanto no poker é bem mais matemático.

- Tudo depende das pessoas
A maioria das jogadas que você deve fazer no poker vai depender do seu adversário. Talvez a maior habilidade que os grandes jogadores tenham é a capacidade de ler oponentes e, consequentemente, suas jogadas, obviamente traduzindo essa leitura em uma melhor postura ou jogada a ser adotada em contrapartida. Em uma mesma mão, com as mesmas cartas, em uma situação muito parecida, é perfeitamente possível que a jogada mais correta a ser feita seja completamente diferente, dependendo do adversário que está se enfrentando. Ser capaz de entender o seu adversário - e para isso é preciso ter sensibilidade, focar no outro, tentar pensar como ele pensa - pode ser a diferença entre um jogador competente e um medíocre.

Cada vez mais fica claro para mim que a habilidade de se relacionar com as pessoas é chave em diversas áreas da vida, inclusive profissional. A diferença para o poker, na minha visão, é que no tocante à vida de maneira geral isso pode ser bem menos utilitarista. Isso é, enquanto no poker a capacidade de compreender seus adversários visa unicamente aumentar seu ganhos, por meio da melhor definição da jogada correta, na vida isso é muito mais aberto. Acredito muito na capacidade de se relacionar melhor com as pessoas por meio da empatia (se colocar no lugar do outro) porque isso melhora o meio social no que você convive, estreita relações, gera confiança, torna você e as pessoas a sua volta mais felizes. Mas as ferramentas que você tem para isso não deixam de ser muito parecidas com as ferramentas usadas no poker: mudar o foco de si para o outro, tentar pensar como ele pensa e abrir seu leque de juízo de valor e preconceitos.

- Ou vai ou racha
Existem alguns momentos em um torneio de poker onde as únicas opções que você tem (ou deveria ter) é ir allin (apostar todas as suas fichas) ou foldar (descartar a sua mão). Isso acontece geralmente quando você tem um stack (a quantidade de fichas que você ainda tem) pequeno, sendo es se "pequeno" definido como algo entre 10 e 12 apostas mínimas (big blinds, daqui pra frente chamado de "bb"). Essa obrigatoriedade advém de uma questão matemática. Um raise (aumento) padrão no poker é de 3 big blind s . Se você, com seu stack de 10bbs, faz um raise padrão, e um oponente volta allin, na pior das hipóteses você precisaria colocar os 7 bbs restantes que você tem para disputar esse pot (o quanto de fichas tem na mesa) de 13,5. A sua porcentagem de ganho entre a sua mão contra o leque de possíveis mãos do adversário faz com que esse call (chamar a aposta que o seu adversário fez) seja quase obrigatória com qualquer mão de maneira que você tenha dado esse raise, de maneira que, na prática, quando você aumentou você já estava apostando todas as suas fichas "meio sem saber" . Sendo assim, seria melhor você mesmo ter ido allin desde o começo, porque assim você maximizaria a chance do seu adversário descartar a mão dele e deixar os blinds para você. Jogadores acostumados com situações de stack pequeno conhecem esse efeito muito bem e lidam com isso da m a neira adequada, adotando o modo "allin ou fold" quando estão com o stack pequeno.

Em determinadas situações da vida é preciso compreender que você já está em modo "allin ou fold", ou melhor traduzindo, "ou vai ou racha". Não porque o resultado que você possa alcançar seja melhor, mas porque é mais saudável e o ajuda a tomar decisões mais acertadas se você reconhecer essa situação como tal. Essa idéia me ocorreu quando estava conversando com um amigo sobre uma garota que trabalhava com ele. A garota era bonita e inteligente, aparentemente dava bola para ele, mas era casada (e ele tinha restrições morais fortes contra ter qualquer envolvimento com pessoas casadas). E aos poucos aquele processo de sedução de ambos os lados ia ganhando forma, sob aquele disfarce (pelo menos para ele, talvez ela já tivesse clareza desde o começo do que queria) de "ah, não to fazendo nada demais, um cafézinho no meio da tarde não representa nada" e assim por diante. No final das contas meu amigo acabou se envolvendo com a moça, e depois, em retrospecto, ficamos discutindo em qual momento aconteceu o "ultrapassar a linha", isso é, em que momento, se ele fosse em frente (aceitasse aquele almoço que ela propôs só os dois em algum lugar bacana, fosse no happy-hour que ela marcou só com as amigas sem o marido etc) a coisa não teria mais volta. Para mim isso tem muita relação com o "allin ou fold". Ao enxergar a linha do "à partir daqui não tem mais volta", sabendo que, naquele momento, apenas 2 escolhas estavam em pauta (ir até o fim ou parar agora), a chance da decisão ser mais adequada com o que você realmente quer é maior. Muitas vezes, nessas situações, vamos nos enganando, achando que apenas mais um passo não causará mal nenhum. É como se, em vez de ir allin, déssemos apenas um raise pequeno. Mas quando o outro volta allin, geralmente vamos dar o call, então...

- Leitura
Tem um pouco a ver com o item anterior "pessoas". Como já dito, uma habilidade especial no poker é leitura de adversários, mas isso pode ser entendido em um item mais específico: leitura de mãos. Um famosíssimo teórico de poker (David Sklansky) estabeleceu uma teoria sobre níveis de leitura que um jogador tem. O nível básico, que podemos chamar de "minha mão é boa?", é a capacidade do jogador de, mesclando suas cartas com as da mesa, saber qual é a força da sua mão: se é a melhor possível, se é muito forte mas vulnerável, se é mediana etc. O nível 1, acima do básico, que podemos chamar de "que mão meu adversário deve ter?" é a aliar o nível básico à habilidade de predizer com certa eficiência que mão seu adversário deve ter; essa predição se dá por conhecer as tendências do seu adversário, interpretar as ações dele em cada rodada de aposta etc, até se chegar a um leque pequeno de possíveis mãos que ele pode, verossilmelmente, ter. O nível 2, que podemos chamar de "o que meu adversário acha que eu tenho", é pensar o que meu adversário deduziu das minhas ações e está imaginando que eu devo ter - nesse nível os blefes bem sucedidos começam, pois posso levar meu oponente a imaginar que eu tenho uma mão diferente da que realmente tenho e, assim, forçá-lo a uma jogada errada. E assim por diante, cada nível estando 1 nível de complexidade acima do outro. (fica até uma história engraçada, porque a partir disso começa a virar um tal de "o que meu adversário acha que eu acho que ele acha que eu acho..."). O mais interessante é que, em termos de leitura, não vale o "quanto maior, melhor", ou seja, não necessariamente o mais complexo trará mais resultados. O ideal é que você jogue com um nível de leitura sempre um nível acima do seu adversário; se seu adversário está operando em nível 1, você deve operar em nível 2 - e assim por diante. Se você está traçando complexos perfis para imaginar o que seu adversário acha que você tem, quando na verdade ele só está preocupado com a mão dele, você vai complexificar demais e acabar tomando a decisão errada, por ex tentando blefar contra um cara que nem percebeu que a mão dele é fraca e pagará qualquer aposta. Claro que um jogador que tenha a complexidade suficiente para atingir níveis mais altos de leitura tem um repertório maior para jogar contra vários tipos de adversário, mas a eficiência do conhecimento se dará com a aplicação correta.

Pensei nesse item em uma aula, onde o professor, que tem pós-doutorado e ministra uma disciplina que envolve vários temas complexos, tem que lidar com perguntas das mais variadas, de alunos de vários níveis e com diversos tipos de referências culturais. A habilidade de, mesmo tendo uma gama enorme de conhecimentos, encarar a pergunta tentando entender o repertório daquele aluno e em qual nível a pergunta dele se encaixa é essencial para uma boa didática. Isso acabou me levando a pensar o como isso não vale para tantas outras situações da vida, onde o conhecimento que nós temos de alguma situação deveria sempre servir como instrumento que será - ou não - usado em uma situação, dependendo de quanto aquilo servir ao propósito do momento. Assim como a hablidade de leitura, o conhecimento só serve ao "quanto mais, melhor" se aliado a habilidade de utilizá-lo. Aposto que você conhece alguém com um repertório cultural grande e que não passa de um grande chato...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Real Madrid jogando a Libertadores

Esse texto é sobre política, mas pra você que não conhece muito sobre futebol, valem explicações prévias: a Libertadores da América é o torneio sul-americano entre clubes, titulo mais almejado pelos clubes brasileiros. Embora tenha melhorado nesse quesito de uns anos para cá, é um torneio conhecido pela dureza da disputa. A origem disso vem de vários aspectos. Joga-se alguns jogos no seu próprio estádio, outros tantos na casa dos adversários. Quando jogam em casa, os clubes costumam fazer tudo que seja possível para tornar a vida do seu visitante um inferno. Exemplos comuns de estratégia nesse sentido são: na ida para o estádio, o ônibus que leva os jogadores é obrigado a passar pela torcida adversária, sendo devidamente hostilizado; o vestiário que os adversários usarão no estádio está sem condições de uso, as vezes falta água, as vezes demasiadamente sujo; cria-se uma atmosfera de hostilidade tamanha que, provavelmente, os jogadores temem pelo seu bem estar físico; além de também serem influencidados por esse clima e, portanto, costumeiramente acabar beneficiando os times da casa, os juízes também são mais lenientes com a violência e o contato físico nessa competição do que em outras. A lista não pára por aí, mas creio que a idéia esteja clara.
O Real Madrid é um tradicionalíssimo clube espanhol. Você pode imaginar o que seja o futebol europeu, de maneira geral: campos bem cuidados, torcidas bem comportadas, boa organização etc. Na Espanha, em especial, o futebol é menos truncado, há menos contato físico, menos marcação. O Real Madrid caracterizou-se, nos últimos anos, por tentar montar times altamente técnicos, com toque de bola refinado - brasileiros habilidosos preferem ir jogar na Espanha do que na Itália, por exemplo, onde a marcação é mais forte e, portanto, preveligia-se um futebol objetivo em detrimento de habilidade exagerada. Pronto, agora o cenário está completo.

Imagine o Real Madri disputando a libertadores. Na sua primeira experiência jogando no estádio de um adversário, experimenta todo aquele clima de guerra; se revoltam com o tratamento recebido e já entram em campo com a cabeça quente. O campo é horrível e não possibilita um toque de bola, há muito contato físico; o time adversário bate a valer, mas o juíz não toma nenhuma providência. Toma um gol; pensa que dá para recuperar, mas a torcida faz um inferno e empurra o time adversário para frente, que não deixa eles respirarem, e acaba fazendo outro gol; um jogador cai em mais uma provocação do adversário, revida e é expulso - ele não sabe "bater sem ser notado". No jogo da volta, na sua própria casa, aquele clima ameno que é costumeiro nos jogos do futebol espanhol - campo em perfeito estado, torcida comportada. O outro time tem a vantagem conquistada no primeiro jogo e se posta inteiramente na defesa; o Real Madrid tenta atacar, mas quando a defesa adversária não consegue marcar na bola, pára o jogo com faltas, continuamente, a todo momento. O juíz, novamente, não toma nenhuma atitude contra essa anti-desportividade. Aqui e ali só adverte verbalmente, de vez em quando um cartão amarelo, e só. Toda oportunidade que o adversário tem de fazer o jogo parar ele usa: quando um jogador cai no chão só levanta 2 minutos depois, chama o médico para atender uma contusão claramente falsa, o goleiro demora para repor a bola e assim por diante - e o tempo continua rodando. Cada vez mais os jogadores do Real Madrid vão ficando irritados e não conseguem reverter a vantagem - eventualmente outro jogador acaba sendo expulso de campo. No final, o time acaba sendo eliminado da competição. Essa situação se repetiria eternamente até que o clube "aprendesse" a disputar aquela competição; estivesse psicologicamente preparado para o inferno que é jogar fora de casa, reavaliasse as estratégias que iria usar em cada situação e, claro, entendesse que, ali, "fair play" e desportividade não colam - o lema é "salve-se quem puder".

Agora sim a analogia - se o Lula adora fazer analogia futebolísticas, eu também posso. O processo político brasileiro nunca foi coisa para santinhos ou, para ficar na analogia, clima de futebol europeu. Imagino que em nenhum lugar do mundo seja. Mas a partir da década de 90 e, em especial, depois de ganhar as eleições em 2002, o PT consolidou as piores práticas desse processo, institucionalizando-as. Quando era oposição, entre 94 e 2001, apostou no "quanto pior melhor"; opos-se a projetos fundamentais ao Brasil como o Plano Real, a Lei de responsabilidade fiscal, entre outras. Criou a mentira da "privataria" que, apoiada em uma parte ideologizada e desinformada da mídia, tornou-se um mito brasileiro - jogou reputações no lixo. Quando assumiu o poder, passou a usar de todas as prerrogativas para perpetuar-se no poder, quer essas estratégias fossem ou não do jogo democrático. Ninguém é ingênuo de pensar que essas estratégias fossem novas mas, pelo menos desde a abertura do regime democrático, havia alguns limites - um deles era a regra tácita do "foi pego, negão? então sefu, pede para sair". Ou não foi assim com o Maluf? Com Collor? Com Sarney e Jader Barbalho? Com os anões do orçamento? Não é o ideal, mas é um pragmatismo que ajuda o país a caminhar para frente no quesito transparência e ética pública. Quando se aperta o cerco e os políticos ficam com mais medo de ser pegos, se fecham as brechas para a corrupção. E invariavalmente a corrupção vai diminuindo, uma vez que nem em teoria podemos pensar que será completamente extinguida. A novidade do PT foi o, em descoberto um esquema ou uma patifaria, o discurso é "veja bem, não sei se foi bem assim" e deixa no colo da mídia e da população o gosto de "todo mundo fazia ué, agora a gente não pode"...É, não pode, nunca pôde! Enquanto não se descobre, infelizmente não tem como punir. É a institucionalização do abuso, do pode tudo. Foi assim com o mensalão, onde o Zé Dirceu levou a culpa, foi afastado e preservou-se o presidente. No caso do caseiro Francenildo, Palocci precisou apenas de uma saída estratégica, para alguns anos depois voltar com tudo como coordenador da campanha da Dilma. Agora, com a quebra do sigilo dos tucanos, a intenção é justamente de criar, mais uma vez, uma atmosfera de "a gente não sabia de nada" e bola pra frente.

Ao escrever esse texto, a minha intenção original era de criticar a oposição feita ao PT nesses 8 últimos anos, em especial por DEM e PSDB. Acho que sobrou amadorismo político; em vários momentos, o que se quis foi assegurar para si mesmo o monópolio da polidez política. Se um projeto era bom para o país, votava-se junto. Se havia algo a criticar, a crítica era velada, era discreta, não queria se correr o risco de atrair para si a imagem de "oposição histérica". No mensalão, por ex, o cálculo político era que o presidente teria sua popularidade comida pouco a pouco e poderia ser derrotado no processo eleitoral, quando havia elementos de sobra para entrar no impeachment. Para não correr o risco de tornar Lula um mártir, apostou-se em deixar a coisa correr solta e o resto é história. A única exceção que eu me lembre a esse comportamento "certinho" foi na CPMF: deixaram ao governo o custo da decisão de usar truculência política para aprovar a manutenção do imposto ou perder a receita. Oito anos decorrendo, e estamos aí: Lula vai eleger a candidata que bem quis, usando como bem entender a máquina pública e desdenhando da democracia: participa de comícios no exercício do poder, já tomou não sei quantas multas (e desdenha do STE quando as toma), a campanha da Dilma flerta abertamente com esquemas irregulares - como esses da quebra do sigilo - e assim por diante. Não há o menor constrangimento em mentir deslavadamente e usar qualquer instância do Estado - que deveria ser público - em prol de um projeto de poder.

Mas não é só a oposição que entra nesse clima, parece-me que a sociedade, de maneira geral, assumiu isso. Eu acho que boa parte da população incorporou o conceito do "rouba mas faz" - é como se Lula, por conta do bom desempenho da economia e da melhora de renda dos mais pobres, pudesse fazer o que bem entendesse; tudo seria justificável. Mas não é só isso; outra parte da população ainda se comporta como o Real Madrid jogando a libertadores; é como se fosse tão esquisito acreditar que alguém pudesse jogar tão sujo, que o benefício da dúvida prevalece ad eternum. Vejo comentaristas na mídia - vários - conseguindo declarar coisas do tipo "não há evidências de que há relação entre a quebra do sigilo e o comando da campanha da Dilma". Catso, que outras evidências vocês querem? Recibos? Atas de reunião? Um e-mail da Dilma pedindo expressamente isso? Já não bastou mensalão, aloprados, caso do caseiro e tantos outros para perder a ingenuidade de achar que o PT vai se limitar ao jogo limpo do processo democrático? Quando o Real Madrid acordar, já vai ter pedido tantos campeonatos, e a regra do campeonato vai estar tão diferente que provavelmente nem poderá mais chamar-se aquele esporte de futebol.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre a diferença entre bolsa-escola e bolsa-família.

Em tempos de presidente com 80% de aprovação e eleição virtualmente decidida, com candidata cujo único mérito é ter sido a escolhida "pelo cara" - ou, se lembrarmos de Dirceu e Pallocci, a única que sobreviveu para ser escolhida - o assunto "bolsa-família" volta à tônica. O programa é uma consolidação de programas sociais, relacionados à transferência direta de renda, do governo anterior, que o governo atual consolidou embaixo de um mesmo guarda-chuva e ampliou bastante o número de beneficiários. É tentador - e muita gente já o fez - atribuir o estabelecimento dessa rede de transferência à popularidade do governo. Por minha vez, apesar de entender que esse seja sim um fator forte, acho que a questão do desenvolvimento aparente da economia (independente das questões que estão por trás desse desenvolvimento) associada ao carisma espetacular do presidente sejam fatores até mais importantes.
O programa do governo anterior mais associado como "precursor" do bolsa-família era o chamado bolsa-escola que, em linhas gerais, pagava um certo valor mensal para pais que tivessem filhos em idade escolar e cujos filhos mantivessem uma frequência mínima à escola. A idéia óbvia era criar um estímulo financeiro para combater uma situação muito comum nas camadas menos favorecidas da população de "não incentivo" das crianças de continuarem seu estudos, pelos mais diversos motivos: ou porque tem que trabalhar para contribuir com a parca renda familiar, ou porque a logística familiar seja complicada para que os filhos estudem etc. Os críticos da nova versão do programa apontam justamente o que seria a "falta de porta de saída" do programa; como o programa atual é uma transferência direta de renda aos mais pobres, sem exigências maiores para que os beneficiários recebam a quantia, não existiria um horizonte para que o beneficiário pudesse, em algum momento, caminhar com as próprias pernas - ficaria sempre dependente do governo para complementar a sua renda. E justamente por isso o programa teria um efeito eleitoral monumental. Eu sou simpático a essa crítica, mas não posso deixar de discordar em um certo ponto: o bolsa-escola, em certo nível, também não apresentava porta de saída a nível individual - a porta de saída era a nível social e, talvez, familiar. Quer dizer, manter crianças na escola é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade em um horizonte de, digamos, 30 anos. Mas o que faria aquele pai que recebia o recurso quando o filho se formasse? Não estaria ele também dependente dessa ajuda? Talvez o conceito tenha sido de que o filho, uma vez conseguido se formar, teria melhores condições de sustentar agora a sua família; mas ainda sim existe o excesso de confiança de uma política pública em um determinado senso moral familiar que, afinal, pode ser bem contraditório. Dizem alguns analistas que, durante os últimos anos, o programa também perdeu em eficiência de controle, cadastros etc, e ganhou em corrupção. Bom, não sendo um especialista da área não posso corroborar essa idéia, o que me deixa com a principal diferença entre o primeiro modelo - bolsa escola - e o programa atual, que é a questão ideológica de relação Estado x sociedade que se estabelece em cada caso.

No primeiro caso, temos o Estado organizando a vida social, interferindo diretamente numa esfera individual ou familiar para direcionar a sociedade para um horizonte que considera-se melhor. Em outras palavras, imaginando que o Estado fosse uma entidade personificada, é como se essa entidade se dirigisse ao pai de familia: "olha, cara, eu sei que a gente vive num país injusto para cacete, onde poucas pessoas tem acesso as melhores oportunidades e a maioria tem acesso a quase nada; eu entendo que você e a sua família tem de se matar para conseguir uns trocados e conseguir viver com alguma digOidade até o final do mês, e que para você, hoje, é mais importante os cinquenta reais que seu filho contribui na renda da família do que o moleque ir para escola; mas a gente não quer que você sacrifique o futuro do seu filho por isso; a gente tá tentando, de alguma maneira, reverter esse ciclo vicioso que vai perpetuar a pobreza na sua família e/ou na sua região. Se seu filho for para a escola, não será tudo resolvido; ainda sim a vida dele vai ser difícil para caramba, ainda sim ele não terá as mesmas oportunidades dos mais ricos, mas é um começo. Se ele não for é que é certeza de que ele não terá oportunidade nenhuma". E aí o Estado está comprando, subornando mesmo, esse pai para que ele não f* a vida do filho. Se a gente vivesse em uma sociedade indígena onde, no geral, a responsabilidade de formação do indivíduo não recai especialmente sobre os pais biológicos, talvez nem precisasse disso. Mas na nossa cultura os pais são os diretos responsáveis por isso, e quando a coisa encrenca o Estado deve achar uma forma de intervir.

No modelo atual, usando a mesma metáfora, é como se o Estado dissesse "olha, eu sei que a sua vida é sofrida, que você é pobre, então vou te dar essa quantia por mês para que você tenha alguma dignidade. Eu não tenho data para parar de te dar essa grana, então você não precisa se preocupar com isso". Subentendido nessa situação - ou não tão subentendido assim, dado a propaganda governamental e a personificação de "pai do povo" na imagem do presidente - fica a idéia de "o presidente está dando dinheiro para gente". Assim como o bolsa-escola, não resolve, mas cria uma relação absolutamente inadaquada entre Estado e sociedade. O Estado não está direcionando nada, não tem nenhuma política pública por trás disso. Se, na prática, alivia a situação dessas pessoas (e talvez se eu fosse beneficiário eu pensasse de outra forma), na teoria é a pura aceitação do governo da sua própria incapacidade de mudar a situação de maneira sustentável. O discurso do estado personificado que não está sendo expresso é "nos últimos 8 anos, a educação de base não melhorou nada, seu filho não tá tendo uma educação melhor; embora a economia tenha crescido, cresceu menos do que os outros países em desenvolvimento, e na prática o país se desindustrializou. Investiu-se menos em infra-estrutura nos últimos 8 anos do que nos 12 que nos sucederam. O horizonte é meio sombrio, o país não tem a menor condição de crescer, nos próximos anos, de maneira sustentável. Não há motivo para achar que essa situação seja temporária; não estamos criando as condições para que você, desempregado e desqualificado, se vire com as suas próprias pernas daqui a um tempo. Mas enquanto papai estiver por aqui você está a salvo". O perigo de associação direta do governante ao benefício já existia no programa anterior; o que me parece ter havido de novidade são 3 aspectos importantes: a exploração nua e crua dessa relação por esse governo, o carisma claramente superior do atual presidente em relação ao antigo e, em especial, a falta de uma justificativa moral e social para esse risco.

Os de direita condenam o programa por ser uma compra direta de votos. Os de esquerda condenam porque seria um instrumento de alienação, uma ferramenta do capitalismo para arrefecer protestos e perpetuar o próprio capitalismo. E o todos os brasileiros se afundam por mais (pelo menos) quatro anos no populismo imbecilizante.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sobre pós-graduação.

Eu tenho conversas frequentes com algumas pessoas mais próximas sobre como o mundo moderno enlouqueceu, sobre como seguimos caminhos e tomamos decisões completamente baseados no que o “rodamoinho frenético” da vida moderna nos manda fazer. A questão que vou relatar agora tem a ver com isso.
Quando eu deixei a organização na qual trabalhei por 9 anos, eu ocupava um cargo de relativo destaque dentro da minha área. Pondo isso em números: era uma superintendência de 50 pessoas; abaixo do superintendente, havia 5 gerentes de grupo, e respondendo diretamente para os gerentes de grupo eram 9 pessoas (eu inclusive). Significa que eu estava entre os 30% de maior influência dentro dessa hierarquia, o que, na verdade, não é nada demais - só serve ao propósito do que eu quero pontuar: eu tinha 27 anos, e as pessoas que estavam em posição parecida com a minha, tanto na minha área quanto nas áreas ao lado, eram mais velhas do que eu. Quer dizer, algumas com 30 anos, outra tantas com trinta e poucos, muito mais freqüentemente pessoas de quarenta anos ou mais. A minha posição, que era gestor de uma equipe de 3 pessoas e que cuidava de 4 produtos, talvez fosse o início de uma fase de carreira onde você comece a tomar decisões um pouco mais importantes, onde você precise de um pouco mais de habilidades de gestão, de pensamento estratégico. E a freqüência de idade dessas pessoas nessa posição – ou superior – era fortemente à partir dos 30 anos.
Isso me leva a outra ponto. Quando se pensou mais fortemente nos cursos de extensão, como uma pós-gradução, ou até um MBA, eu imagino que a idéia era: vamos pegar pessoas que estejam – ou pelo menos estejam se preparando para tanto – em funções de algum comando ou decisão dentro de uma empresa, reuní-las em um ambiente, ensiná-las conceitos que serão importantes em suas funções e permitir a elas que troquem experiências. Nesse contexto, eu imagino que uma pessoa comum que fosse fazer um curso de extensão fosse algo do tipo: alguém que se formou com seus 22 anos, já estava no mercado de trabalho, adquiriu um pouco de experiência profissional e lá pelos seus 28 ou 29 anos, estando ou prestes a estar em alguma posição onde pensamento estratégico fosse algo importante, fosse se dedicar – tempo, dinheiro, energia – a um curso de extensão. Essas pessoas teriam seus 7 ou 8 anos de experiência profissional, teriam passado por situações diferentes, conhecido pessoas diferentes, teriam experiências para trocar e maturidade para absorver conhecimento ou entender as experiências dos outros. Haveria um ambiente que possibilitaria a efetiva formação de profissionais mais preparados para os desafios que a sua nova fase da carreira estaria propondo. Importante: estou falando especificamente de cursos de extensão na área de administração, que visam justamente formar novos gestores, pessoas que atuam em empresas em áreas de liderança. Acho que cursos de especialização de caráter técnico – que médicos, psicólogos, profissionais do mercado financeiro etc fazem para adquirir mais conhecimentos específicos da sua área têm função completamente diferente.

E o que a gente vê na prática? A maioria das pessoas que está fazendo pós-graduação são jovens dos seus 23 ou 24 anos, recém-formados. Meninos, com experiência profissional que não passa de 3 anos, recém efetivados da sua condição de estagiário, que literalmente ocupam a base da pirâmide profissional da empresa, já ocupando 3 noites da sua semana em aulas sobre gestão estratégica e coisas do tipo. Lembro fortemente da impressão que isso me causava: imaginem um analista júnior, que fazia atividades completamente burocráticas, que pelo caminho natural levaria pelo menos uns cinco anos para se aproximar de uma posição onde precisaria efetivamente se desenvolver nesse tipo de conceito, tendo aulas sobre assuntos que deviam soar – para ele e para os seus colegas de turma - como chinês antigo para um árabe. Se você, como eu, fez faculdade à noite enquanto trabalhava de dia, sabe do que eu estou falando: qual o tamanho da vontade que você tinha para acabar logo a faculdade e ter um pouco de tempo livre? Para poder fazer uma academia? Para retomar o curso de inglês que você fazia? Para poder fazer happy-hour com seus amigos durante a semana? Para fazer aquela aula de violão que você queria fazer faz tempo? Para chegar em casa e relaxar no sofá depois de um dia duro?

Pois é. Mas boa parte desse pessoal está emendando uma pós-graduação. Está gastando um dinheiro que, nessa época, faz diferença. Está investindo 3 noites por semana nisso, está saindo do escritório essas 3 noites por semana as 18 (ou mais cedo) por conta disso, está deixando de fazer as coisas que mencionei acima. E por que? Porque disseram para eles (o que não deixa de ser verdade) que o mercado exige isso, que quem não tiver uma pós-graduação será passado para trás, que precisamos estar sempre nos atualizando.

Veja bem, não sou contra o estudo, acho até que qualquer estudo é melhor que nenhum estudo – não é esse o ponto. Nem que você não deva se sacrificar em algum momento da sua vida para se preparar melhor e colher os frutos futuramente – também não é esse o ponto. Mas você, que trabalha em empresa e compreendeu do que eu estou falando, que conhece pessoas de 23 anos recém-formadas, pode me responder: imagine uma sala cheia dessas pessoas, com essa parca experiência de vida e profissional própria da faixa etária, recebendo conhecimentos e discutindo sobre os assuntos que, teoricamente, deveriam ser abordados numa pós-graduação. Você realmente acha que isso vai prepará-los para uma melhor vida profissional? Do ponto de vista de sociedade, do humano, inclusive do prático, é razoável “forçar” esse pessoal todo a investir nisso dessa maneira tão precoce com a qual a sociedade os está forçando? Não acho que isso os fará profissionais melhores; acho que a pós-graduação ou MBA, da maneira que foi – ou deveria ter sido – pensada, poderia ser um instrumento muito legal na formação de profissionais mais preparados. Mas da maneira como a sociedade se organizou nesse aspecto, por conta da crescente competitividade do mundo moderno, acho que estamos apenas formando pessoas mais neuróticas e mais embaladas pelo rolo compressor da vida contemporânea.