terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sobre esforços e resultados

Um texto longo e chato, mas ainda sim importante.
Há certas circunstâncias da vida que é mais importante analisar esforços - o que foi feito - do que resultados. Imagine que você é um pai de dois filhos - ambos homens, de idade parecida e que jogam futebol pelos seus colégios. Você vai assistir um torneio entre colégios no qual os dois estão jogando. Um dos seus filhos fica na reserva do seu time; quando ele entra, não joga muito bem; na verdade, ele é indisciplinado taticamente, individualista, não cumpre muito o que o técnico pede e não corre muito para ajudar o resto do time - você logo percebe porque o técnico não o coloca muito para jogar. Mas o time dele é muito bom e acaba campeão do torneio. Seu segundo filho se apresenta muito melhor; além de jogar bem, parecer ser um líder natural do seu time; ouve as orientações do técnico e auxilia seus companheiros na quadra, corre muito. Mas seu time não é muito bom e acaba em quarto colocado.

Seu filho que foi campeão provavelmente sairá satisfeito e tirará sarro do outro, mas você, como pai, provavelmente estaria mais orgulhoso do segundo filho. Se você fosse jogar um campeonato que quisesse ganhar e só pudesse chamar um filho para jogar, provavelmente seria o segundo.

Gestão econômica de um país é um assunto muito complexo, com infinitas variáveis em jogo. Equipes econômicas com especialistas são formadas para ajudar, gente com pós-doutorado e 30 anos de experiência no assunto, e mesmo assim eles não entram em um consenso. E em época de eleição toda essa complexidade é diminuída em alguns números e idéias rasas para que 90% da população que não entende patavinas disso possa tomar partido.

O grande trunfo do governo Lula, mais até do que o bolsa-família, é o desempenho da economia nos últimos anos - indiscutivelmente, no governo Lula o Brasil cresceu a taxas mais altas e criou mais empregos do que no governo FHC. Comparações de números frios são explorados pela campanha Dilma sem dó - o que, politicamente, faz muito sentido; qualquer um faria no lugar deles. Mas para quem quer entender alguma coisa do assunto, essas comparações são sem pé nem cabeça. Se você perguntar a um entusiasta do governo Lula quais ações novas ou que aspectos do planejamento econômico do governo levaram a esse resultado, dificilmente você escutará uma resposta que faça sentido.

No começo de 94, quando FHC assumiu, o plano real tinha acabado de ser implantado e precisava ser gerido. A meta era continuar com a guerra contra a inflação de 20% ao mês que assolava o país havia tanto tempo. Em 7 anos tinham sido 5 planos fracassados, tínhamos passado por fiscais do Sarney, poupanças confiscadas pela Zelia etc. Era preciso manter a paridade do dólar com o real, pois uma disparada do dólar geraria pressão inflacionária - isso custou divisas ao Brasil e aumentou a dívida. O governo perdeu arrecadação com o fim do imposto inflacionário (se há uma inflação de 20% ao mês e você só precisa pagar seus gastos em 30 dias, seus recursos valem 20% a mais sem você fazer esforço; se a inflação acaba você perde esse valor - foi isso que aconteceu com o governo). Era preciso controlar gastos e sanear as contas. O governo teve de reconhecer os esqueletos - empresas estatais totalmente endividadas e que sangravam recursos, mas que ninguém contabilizava quanto de prejuízo realmente havia - o que aumentou o endividamento também. Os gastos de estados e municípios eram uma lambança - governantes gastavam tudo que podiam para sair bem na foto e deixavam a conta pro seu sucessor pagar. Para regularizar a situação, o governo federal assumiu a dívida de todos os estados e municípios, refinanciando-os a taxas menores e prazos maiores - processo que culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, onde os limites para os governantes gastarem estavam estabelecidos. A economia brasileira andava por um fio com todo esse processo de saneamento; foi preciso aumentar impostos para recuperar receita, havia muito pouco dinheiro para investir, e o aumento da carga tributária desestimulava ainda mais a economia. Quem emprestava dinheiro ao Brasil cobrava caro e queria prazos curtos de pagamento; ou você emprestaria para alguém que sempre teve uma gestão bagunçada, que só estava nos seus primeiros anos de tentativa de estabilização econômica e que já tinha dado calotes 3 vezes? Para ajudar, a economia internacional andava de mal a pior; nos 8 anos, foram pelo menos 4 crises sérias - crise do México, da Rússia, dos tigres asiáticos e a quebra da nossa vizinha Argentina; e não foram todas de um vez, foram espalhadas ao longo de 8 anos, o que dificultava que se respirasse por 2 anos seguidos. Se os investidores já tinham receio de investir no Brasil, com a economia internacional crescendo pouco e tantas crises nos países emergentes esses poucos recursos ficavam ainda mais escassos.
Em 2002 o governo achava que, finalmente, teria um ano tranquilo. Eis que PAM! um candidato chamado Lula, que havia passado os últimos 15 anos pregando o calote a dívida externa, que criticava sobremaneira a política econômica do governo, que havia dito frases como "o Brasil não pode exportar 1 real enquanto houver fome no país", de um partido que havia votado contra todas as mudanças importantes no país, era líder nas pesquisas para eleição a presidência. Os investidores pensaram "agora f* de vez, esse país vai virar uma Venezuela, vai quebrar que nem a Argentina", os recursos sumiram, foi preciso aumentar os juros a taxas exorbitantes para manter algum dinheiro no país. O governo não teve outra alternativa a não ser pedir ajuda ao FMI para garantir, ao próximo governo, algum dinheiro para governar.
Lula assinou a carta ao povo brasileiro, garantiu que não faria nenhuma das bobagens que passou 15 anos pregando e, graças a Deus, realmente não o fez. Durante o primeiro e segundo ano do governo os mercados perceberam que ele realmente estava cumprindo a promessa e as coisas se acalmaram - o governo pode trabalhar para gradualmente baixar os juros e aumentar os prazos das suas dívidas, inclusive pagar aquele dinheiro que o FMI tinha emprestado. O novo ministro do planejamento elogiava a política econômica que tinha sido estabelecida no governo anterior e não mexeu uma palha nela. E os ventos da economia internacional mudaram; as taxas de crescimento de todo o mundo eram maiores - China crescia a 10% ao ano, Índia a 9%, e mesmo países industrializados como a Alemanha cresciam a 5%. Começou a jorrar dinheiro dos investidores internacionais, que queriam lugares diferentes para investir. O Brasil exportava basicamente comodities, e não é que os preços da comodities subiram bastante? bum! mais dinheiro entrando, economia crescendo, arrecadação do governo aumentando, empresas gerando empregos. Com esse dinheiro entrando, o governo poderia ter feito tanto coisa. Diminuído impostos para estimular ainda mais a economia; investir pesado na precária e defasada infra-estrutura do país (estrada, ferrovias, portos); dado um salto de qualidade na educação e na saúde. Nada disso foi feito. Sabe o que fez? Por não saber o que ou como fazer, continuou sem mexer uma palha na estrutura econômica já montada, e usou uma pequena - bem pequena - fração desses recursos para distribuir via bolsa-família. E o resto foi gastando com o chamado "custeio da máquina"; contratou gente sem parar para áreas administrativas, que não atuam nos principais problemas do país, para empregar o pessoal do partido e da base aliada, mantendo a classe política satisfeita, tambem, com os resultados.

Mas e a crise de 2009? Não foi a maior crise desde a quebra de 29 e o Brasil não saiu rápido dela? É verdade, mas o Brasil teve 7 anos de calmaria para se preparar para essa crise - quando ela veio, as reservas eram gordas. E o principal: quando ela veio, o Brasil não era mais um país de instabilidade econômica, de histórico de calotes, com hiper inflação e que ninguém no mundo sabia o que esperar de nós. O Brasil era um país de inflação controlada, de 16 anos de estabilidade econômica e de respeito a contratos, que tinha conquistado, ao longo desses 16 anos, respeito internacional - e isso faz toda a diferença. E há prejuízos enorme da crise que muita gente não notou ainda - o país sofreu uma séria desindustrialização, mas os efeitos só serão sentidos nos próximos anos.

As grandes perguntas que deve-se fazer são: se o pessoal que assumiu em 2003 tivesse assumido em 94, o Brasil conseguiria ter feito as mudanças estruturas pelas quais passou? Se as condições econômicas de 2003 para cá não tivessem sido tão favoráveis, o Brasil estaria perto da situação que está hoje? E o mais importante: é sabido que a economia mundial vai mudar em 2011, e os desafios que enfrentaremos serão completamente diferentes; esse pessoal tem a capacidade de avaliar uma situação totalmente nova e tomar as decisões necessárias - ao invés de copiar um modelo que já vinha pronto de seus antecessores? É por isso que, nessas circunstâncias, esforços são mais importantes do que resultados.

2 comentários:

  1. Você sabe o nervoso que me dá ler/ouvir esses caras defenderem a visão de Estado proposta pelo PT. Não me dá mais calafrios, não. Passei deste ponto. Hoje eu tomo Rivotril misturado com whiskey por causa dessa turma.
    **
    Adorei o texto. Concordo 100%. E:
    - Ver o nome da Zélia (toc,toc,toc) escrito me deu uma síncope (você sabe da minha teoria de que o Chico Anysio acabou com a carreira profissional dele porque foi casado com ela. Quem foi casado com a Zélia não pode entender de humor);
    - A questão do imposto inflacionário é fundamental para entender os índices de redução de pobreza no Brasil. Só pudemos avançar neste aspecto (e melhorar o IDH) porque o plano real acabou com o imposto inflacionário que recaía sobre quem? Sobre os pobres. Classe média era bancarizada e, portanto, tinha conta com atualização monetária. O pobre, não. Então, o pobre de fato perdia poder de compra no dia-a-dia. Tanto assim que na campanha do 2o mandato do FHC, as pessoas apareciam na TV falando 'hoje eu posso comprar "iorgute", frango'. Verdade pura.
    - Cara, o Serra teve direito de resposta contra o programa da Dilma para explicar que não privatizou a CSN!! Nego tá de brincadeira. Verdade, o Serra não privatizou a CSN. Mas tem que explicar para o público em geral o que era a CSN antes da privatização. Aula de história, meu povo. Aula de história.
    - E finalmente, sobre a crise de setembro de 2008.É super importante falar do Proer. Nossos bancos não sofreram com a crise porque houve o Proer, que foi fundamental para sanear o sistema financeiro e estabelecer um sistema de governança que funciona. No governo de quem mesmo? Ah é. Do FHC.


    Beijos

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  2. não...privatizar foi entregar o patrimônio público a preço de banana...e aí que eram deficitárias (comiam recurso público), não pagavam impostos e não investiam nos seus setores. E daí que o preço de ação da Vale um ano depois era menor do que no leilão, a verdade é que foi preço de banana! e o Proer? doar dinheiro pros banqueiros em vez de comida pros pobres! que absurdo! e daí que o PT passou 10 anos fazendo a política mais suja, se opondo a tudo e todos só pq era oposição, e que se a visão deles tivesse prevalecido àquela época hoje seríamos o país africano mais ocidental do mundo? isso tudo é papo de elite reacionária que quer manter o status quo e explorar o proletariado...quero ver o que a Dilma, se ela ganhar (toc toc toc) vai fazer em 2011 ou 2012 quando a bolha orçamentária que eles mesmos criaram estourar, a grande m* que vai ser...

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