sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre legislação trabalhista

Um princípio econômico básico é que, toda vez que o Estado intervém em uma relação entre agentes econômicos (por ex, quando há um tributo, ou o Estado arbitra sobre um preço mínimo ou máximo para uma mercadoria) há uma ineficiência, um dinheiro que se perde - chamado de peso morto do Estado. Todo mundo que estudou o básico de economia conhece esse conceito; para quem não, é difícil visualizar isso sem o auxílio de gráficos, mas te garanto que é assim que funciona.
Nem por isso o Estado não deva intervir; até pq a própria existência de Estado pressupõe tributos, o que por si só já cria essa ineficiência. E cada vez mais há um consenso de que o capitalismo precisa ser regulado em vários aspectos, pois sendo moralmente ineficiente, ele por si só nao garantirá uma distribuição mais humana dos recursos.
Mas a ineficiência que cada intervenção do Estado causa deve ser sempre avaliada frente aos benefícios de regulação e justiça social que essa mesma intervenção causa; senão há uma enorme ineficiência que não é compensada, nem de longe, por um ganho social. O caso da legislação trabalhista brasileira é um exemplo claríssimo dessa situação.
Um conceito fundamental em Marx é o da mais valia. A exploração do proletário pelo capitalista se dá pelo fato de que o patrão paga ao funcionário um valor pelo seu trabalho que é inferior ao que o trabalho do funcionário gera para o patrão. Se o trabalho vale 10, o patrão vai justamente pagar menos que 10, senão a relação, economicamente, não faz sentido. Mais valia seria, então, justamente a diferença entre esses 10 (valor real do trabalho) e o valor que o empregado recebe pelo seu trabalho (digamos, 5), e poderia ser expressado como o "tamanho da exploração".
O Brasil está entre os países com o custo do emprego mais alto do mundo. Isso se mede na seguinte relação: que percentual do efetivo salário do funcionário o empregador realmente desembolsa? No Brasil, essa relação é de 2 para 1, isso é, para cada real de salário do funcionário, o empregador efetivamente desembolsa 2. Além de uma série de encargos e tributos que incidem sobre a folha, que não se revertem em recursos para o funcionário, há vários direitos trabalhistas que compõe a remuneração do trabalhador e, teoricamente, são benéficos a ele - como décimo-terceiro, fgts etc. Uma pessoa que ganha 1500 reais ainda vai pagar 11% de INSS mais 15% de IR, o que ainda dá mais descontos - na prática, o que entra líquido é 74% do salário. Então, a situação é que o empregador desembolsa 200% pro funcionário ganhar 74%, quase um terço! O sensacional efeito que a legislação trabalhista tem sobre o salário é triplicar o efeito da mais valia!!

Um erro grosseiro é pensar que, se um direito é criado, o funcionário vai ganhar mais e o patrão vai pagar mais. É besteira pura. Imagine que você está pensando em viajar para um lugar nas férias e vai consultar quanto custa a passagem; você tem 500 reais para gastar e se a passagem custar até esse valor, vc vai, do contrário você não viaja ou vai procurar outro lugar. Aí você liga na agência e o cara te fala: "olha, a passagem custa 300!" você fica todo feliz, até o cara complementar "só que tem taxa de embarque de 100, tarifa de bagagem de mais 100 e imposto sobre viagens de mais 100". O que você faz: viaja porque o preço é 300 ou não viaja porque o custo total é de 600? Você pode até viajar, mas não vai ignorar que no final o seu custo final é 600. É isso que acontece; se alguém está pensando em contratar, vai estabelecer o quanto é possível gastar com aquele funcionário. Se há uma montanha de encargos, o salário é que vai ser diminuído, não o valor que o empregador vai pagar que aumenta. Ou fica inviável e o cara prefere não contratar do que pagar mais do que é economicamente possível para aquela função.

Sendo assim, há uma série de supostos "benefícios" que, além de conceitualmente serem sem sentido, estão, na verdade, ferrando o trabalhador, não ajudando. Sem sentido porque paternalistas, porque partem do princípio que o cidadão não consegue cuidar de si mesmo. Veja o décimo-terceiro: supostamente é para fazer frente as despesas de final de ano (não vou entrar no mérito do que seriam despesas de final de ano - presente de Natal?). Mas o empregador fatura o dobro no final do ano para fazer frente a essas despesas? Talvez o povo do comércio, mas mesmo assim eles vão começar a receber essa receita extra em Janeiro, e a primeira parcela do décimo-terceiro é paga em Outubro! E os outros setores da economia que se virem para pagar! Na teoria, é o governo assumindo que o cidadão não consegue se planejar durante o ano para esses gastos e mete uma lei que obriga as empresas a pagarem um salário-extra; na prática, nenhuma empresa tem dinheiro para pagar, então tomam empréstimo dos bancos para pagarem ao longo do ano posterior, claro, pagando juros. Esse custo adicional de juros que as empresas tem é obviamente incorporado aos preços dos produtos e toda a população - quer tenha emprego formal e receba 13° ou não - arca com isso. Quer outra maravilha? Acabou de sair uma pesquisa dizendo que 70% da população vai usar o décimo terceiro para pagar dívidas. Ou seja, esses funcioários que poderiam ter um salário melhor mês a mês em vez de ganhar um salário extra, tomam empréstimos já contando com o dinheiro adicional do final de ano - quem ganha de novo? Bancos! Recapitalando: o governo decide que todo mundo é criança, decide criar um encargo extra, e como esse gasto extra não faz sentido econômico, toda a população contribui para encher o cofre dos bancos. Muito bacana.

Outro exemplo? FGTS. Supostamente é um dinheiro que te garante um respiro quando você é demitido. Eu mesmo já precisei e devo dizer que é bom contar com ele quando precisa. Mas na prática, um % muito baixo dos recursos é usado para essa finalidade. Você só pode sacar o dinheiro que aquele empregador que te demitiu depositou, se você saiu de um emprego porque quis você só vai ver aquele dinheiro quando se aposentar ou se comprar uma casa! E a rentabilidade dele é ridícula, rende algo em torno de 3% ao ano quando qualquer investimento merreca estaria rendendo 9%. Não seria melhor te dar o dinheiro e você decide o que faz com ele? Mas essa montanha de dinheiro fica em controle do governo, que decide como bem entender onde gastar - tem certeza que o benefício é pro trabalhador? Tem outros exemplos de benefícios paternalistas que não necessariamente melhoram a situação do trabalhador e que, economicamente, não fazendo sentido, como o adicional de férias. Mas acho que o ponto ja está claro.

Um outro problema seríssimo dessa legislação é a falta de dinamismo na economia. O próprio FGTS e a multa, assim como o aviso-prévio, são benefícios que supostamente protegem o trabalhador de ser mandado embora, dão segurança. Na prática podem até ferrar o trabalhador, além de tornar a economia engessada. Quem tem emprego formal tem um baita medo de ser demitido, pois sabe que é difícil arrumar outro emprego. Agora, porque é tão difícil arrumar outro emprego? Porque é tão caro contratar, e tão caro se você não gostar do funcionário e quiser demitir, que contratar é a última coisa que alguém quer fazer! A economia começa a crescer e o emprego só vai crescer junto muito depois; o cara estica hora-extra, contrata terceiro, põe robô! faz o diabo mas não contrata! só quando não dá mais...Então assim, é o rabo balançando o cachorro: tem uma legislação que 'protege' o trabalhador de ser mandado embora porque arrumar outro emprego é difícil, só que só é difícil arrumar emprego porque a legislação cria a dificuldade! E com isso a economia fica pouco dinâmica: o empregador não quer demitir porque é caro, então mantém um cara mediano lá só para não ter aborrecimento e despesa. Eu trabalhei 10 anos em banco exceção feita a processos de fusão, onde áreas inteiras são demitidas, poucas vezes vi alguém ser mandado embora - as que vi eram por problemas éticos, e não produtividade baixa. O funcionário queria mudar de emprego, mas como tem um empreguinho 'mal-ou-meno' vai ficando, ja que é difícil arrumar um. Um funcionário pouco competente e desmotivado, já viu como fica a produtividade né...enquanto isso outro mais competente e mais produtivo fica sem emprego até que alguém resolva abrir uma vaga.

Irrita-me profundamente quando o assunto "reforma trabalhista" surge e alguém vem com aquele frase "não pode mexer em direito dos trabalhadores". 50% dos empregos são informais e há 10% de desemprego. Se você desconsiderar que a PEA poderia ser até maior porque muita gente deixou de procurar emprego, na melhor das hipóteses essa legislação atende 45% da população! É um previlégio para poucos! E é claro que qualquer mudança na lei preveria não mexer nos benefícios adquiridos por quem já está empregado. Em tempos de sindicatos fortes isso não seria um problema.
Para desesperos de alguns, felizmente vivemos no capitalismo. Mas na sociedade brasileira esquizofrênica parece que as pessoas gostam de uma solução "acochambrada". Nem tanto para cá, nem tanto para lá. Aí vivemos nessas situações sem pé nem cabeça e que, pior, vira tabu discutir o tema.

3 comentários:

  1. a nossa legislação trabalhista é um absurdo total! não vou entrar nos méritos que vc já citou mas preciso reforçar o seu ponto de que ela mais atrapalha do que ajuda quanto pensamos no coletivo.

    E a tributação sobre as empresas? Na modalidade Lucro Presumido (empresas que faturam mais do que R$ 200k / mês), o governo PRESUME que sua margem LÍQUIDA será de 32%. 32!!!! a gente tá se matando para conseguir chegar a 15%. Aí, sobre os 32%, a empresa é obrigada a recolher 15% de IRPJ + 9% CSSL + PIS + COFINS....e tem gente que acha o Dom Corleone picareta...

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  2. 32% acho que só tráfico de drogas consegue...um amigo empresário (vc conhece), na época que a selic tava em 15%, tava considerando seriamente fechar a empresa e aplicar no CDI, que dava + dinheiro com muito menos risco...

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  3. E essas questões todas não estão sendo discutidas só no Brasil, mas no mundo todo. Os ganhadores do Nobel de Economia deste ano, por exemplo, são caras que mostram que por causa do avanço tecnológico, as leis trabalhistas têm que ser os mais flexíveis possíveis para se evitar desemprego crônico. Olha que interessante: o Nobel de Economia foi justamente para quem estuda geração de emprego.

    De maneira simples, a questão é a seguinte: o mundo econômico é bastante dinâmico e quanto menos dinâmico se torna o mundo da legislação trabalhista, menos empregos se gera (ou em menor velocidade, havendo persistência do desemprego crônico). A coluna do Pastore no Estadão desta semana discute isso também bem melhor do que eu. O conceito de liquidez tem que entrar no mundo do trabalho também para que este não permaneça descolado do mundo econômico.

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