segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pontos Corridos

Com o campeonato brasileiro quase acabado, vou permitir-me fazer mais um post sobre futebol...

Desde a virada do século, quando começaram as discussões sobre se o campeonato brasileiro deveria ter a sua forma alterada - de mata-mata para pontos corridos - tenho a mesma opinião: mata-mata é muito, 15x melhor. E essa minha idéia vinha do fato de que, para mim, um campeonato sem final é algo muito sem graça; nada substitui aquela adrenalina de um jogo decisivo, a expectativa durante a semana, o frio na barriga no dia do jogo, o país inteiro parando para ver - mesmo que não torcesse para nenhum dos times. Para os defensores da fórmula de pontos corridos, o argumento é de que "seria mais justo", e eu só pensava "e daí que é mais justo?? o que importa é ser legal!!". A suposta justiça - que, até então, eu nem questionava - viria de, em um campeonato de mata-mata, o time que liderou o campeonato inteiro pudesse perder por um golpe de azar em um jogo decisivo: um erro de juíz, a infelicidade de um zagueiro etc.

Bom, a fórmula mudou e, logo nos primeiros anos, ficou claro que nem mais justo era...A princípio, já era evidente que a fórmula não premiaria, necessariamente, o melhor time - e sim o time com mais capacidade de vencer seus jogos "fáceis". Os 3 pontos de um confronto entre líderes valem os mesmos 3 pontos de um jogo em casa contra o lanterna. Esse campeonato de 2010 reflete bem isso: o provável campeão, Fluminense, foi um time com pouca capacidade de ganhar jogos decisivos - ganhou apenas 3 de 12 pontos disputados contra seus principais concorrentes (Corinthians e Cruzeiro). Sua vantagem foi construída em outros jogos, contra adversários não diretos - é um tipo de justiça, mas longe de poder ser chamada de "justiça para o melhor time".

Parece-me que essa noção de justiça foi muito construída com base nos campeonatos europeus. Lá, na melhor das hipóteses, 4 times brigam pelo título - na maioria das vezes, apenas 2. Sendo assim, é comum 1 time se destacar e liderar com sobra de 8 ou 9 pontos, sendo campeão com 3 rodadas de antecedência. Nesses casos, imaginar que esse time pode perder o título em um jogo contra um adversário direto que ficou bem atrás pode dar uma sensação clara de incorreção. No Brasil, o campeonato é muito mais disputado - todo ano, pode-se apontar uns 7 ou 8 times com chance de serem campeões. Isso se reflete nos resultados de cada campeonato: em 8 anos de pontos corridos, em apenas 2 anos tivemos situações de um time disparar. Em todas as outras, o campeão levou com diferença de, no máximo, 3 pontos sobre o vice-campeão. Em um campeonato onde 114 pontos são disputados, a diferença de, digamos, 2 pontos, é algo em torno de 1,5% de aproveitamento - é muito pouco! Assim como no mata-mata, qualquer erro de juíz em qualquer jogo pode causar essa diferença! Pior, porque em 38 jogos tem muito mais chance de erros serem cometidos. Uma suspensão rigorosa de um jogador, uma perda de mando de campo - são muitos os fatores que podem acarretar em um pequeno prejuízo, que já faria muita diferença ao time...

De 2 anos para cá, os gênios começaram a perceber outra coisa: a tabela faz diferença. Dependendo do momento do campeonato no qual você enfrenta um time, você leva vantagem ou não. Em 2005, os times que enfrentaram o São Paulo no último quarto do campeonato levaram vantagem, pois o time estava se preparando para o mundial e jogava com os reservas - a mesma coisa aconteceu com o Inter em 2006. Em 2009, o Flamengo teve a sorte de jogar um de seus jogos mais difíceis - contra o Corinthians fora de casa - quando esse adversário já não queria nada com nada; assim como, esse ano, o Fluminense teve essa sorte, porque 2 jogos teoricamente difíceis (São Paulo e Palmeiras fora de casa) também aconteram/acontecerão nessa situação. Só aí podemos ter uma diferença crucial, onde uma vantagem de 3 pontos para um lado ou para outro pode decidir o campeonato, simplesmente na sorte (será?) da montagem da tabela.

Acompanho de perto o campeonato brasileiro desde 1990. Desse ano até 2002, quando a fórmula era de pontos corridos, lembro-me de muitos poucos casos onde tenha aparecido a tal "injustiça". Em 1995, o Botafogo ganhou do Santos com 2 gols impedidos; ainda sim, dificilmente alguém diria que o Santos era muito melhor que o Botafogo e deveria ter, indubitavelmente, sido campeão. Em 2002, o Santos classificou-se para as quartas de final na última rodada, por uma combinação de resultados. Pegou o primeiro lugar da fase de classificação - o São Paulo, que tinha liderado, com sobras, quase todo o campeonato. O Santos ganhou os 2 jogos eliminatórios e desclassificou o São Paulo, para depois bater Grêmio e Corinthians e ser campeão. Ninguém em sã consciência pode falar que o Santos não mereceu ser campeão naquele ano - cresceu muito na reta final e foi decisivo quando o campeonato realmente importava.

Ok, pontos corridos funciona no mundo inteiro, mas o Brasil não é o mundo inteiro. Se "nos damos ao luxo" de fazer coisas ao nosso jeito em tantas áreas que não deveríamos, porque não fazer as coisas ao nosso jeito justamente onde deveríamos?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mitos modernos

"Não me venham com fatos! eu tenho as minhas convicções..."

Essa frase traduz em boa parte como nossas crenças são, muitas vezes, pautadas pela emoção, e não pela razão. Um teorema básico da Psicologia Social diz que é muito mais fácil acreditar em algo que está de acordo com as nossas crenças prévias, do que abrigar um conhecimento novo que entra em desacordo com elas. Por ex, se você ouve de alguém que uma pessoa de quem você gosta fez uma coisa horrível, você provavelmente vai desconfiar, e só acreditar quando tiver provas o suficiente para tal. Se você ouvir a mesma coisa sobre alguém de quem você não goste, provavelmente pensará "nunca esperaria coisa diferente dele", mesmo que as provas nas duas situações sejam exatamente as mesmas! Pois bem, justamente por isso surgem mitos contemporâneos, que são justamente reflexo daquilo que as pessoas gostam de acreditar, tenham ou não reflexo com a reallidade. Geralmente uso exemplos de política, mas hoje o exemplo de um assunto que é só um pouco mais emocional do que política: futebol.

O mito criado: campeonato brasileiro de futebol, 2009, penúltima rodada. Entre os que ainda brigavam pelo título, estavam Flamengo e São Paulo. O Corinthians, arqui-rival do segundo, enfrentaria o primeiro, sendo que já não tinha mais nenhum interesse no campeonato (estava no meio da tabela e não almejava nada). Resultado do jogo: Corinthians 0 x 2 Flamengo. A maioria dos jornalistas e de torcedores tem a mais convicta certeza de que o Corinthians entregou o jogo para prejudicar o São Paulo na disputa pelo título.

Os fatos: Naquele ano, o Corinthians vinha de um ótimo primeiro semestre, tenho ganho a Copa do Brasil e, consequentemente, a vaga para a libertadores no ano do seu centenário - sabido sonho corinthiano. Após a conquista, houve a venda imediata de 3 jogadores importantes do time, e começou a reformulação do time para entrar no centenário já afinado - alguns jogadores eram contratados ainda durante a temporada, o que é incomum. Embora o discurso fosse que o time ainda brigararia pelo campeonato, na prática estava complicado: os jogadores meio desmotivados, o time destroçado pelas vendas de jogadores e desfalques que sempre acontecem no meio do campeonato. O desempenho caiu muito e o futebol, mais ainda. Sabe porque eu sei disso? Porque sou corinthiano e assisto 100% dos jogos, e nessa época eu passei muita raiva com o futebol ruim do time no segundo semestre. Já o Flamengo...vinha numa reação que se tornou histórica: saiu de uma posição de ameaçado de rebaixamento até alcançar o título! fez uma campanha no segundo turno fenomenal...antes desse jogo, vinha numa sequência de 3 vitórias e 1 empate nos últimos 4 jogos; nos últimos 17 jogos do campeonato, conquistou 40 pontos, um desempenho fenomenal. Enquanto o Corinthianss, nos quatro jogos antecedentes, só tinha conquistado uma vitória. O próprio São Paulo, time para qual torcem boa parte dos torcedores que reclamam sobre esse jogo, ganhou apenas 1 ponto em 6 disputados contra o Flamengo! Naquele momento, era o confronto de um time em ascenção, embalado e brigando pelo título, contra um time desfigurado, desmotivado e sem padrão tático.

Bom, quanto ao jogo: eu, diferente de muitos dos que acreditam nesse mito, assisti. E falo "diferente de muitos" porque a penúltima rodada tem uma peculiariedade: todos os jogos são ao mesmo tempo. Então todos os rivais do Corinthians deveriam estar (ou assim espera-se) assistindo aos jogos dos seus times; tinham jogosfo importantes ao mesmo momento, o Palmeiras brigando por vaga na libertadores, o São Paulo brigando por título. E o jogo do Corinthians não foi o que passou na tv aberta, o que reforça a idéia de que pouca gente assistiu o jogo. E não vi nada demais; vi o Corinthians do segundo semestre, perdido, sem tática, sem brilho, mas não sem vontade. Vi um Flamengo melhor postado e mais organizado, sair na frente: 1 x 0. Não teve um lance, uma jogada, que você pudesse apontar "olha só como os caras estão entregando". E assim continuou até aos 47 minutos do segundo tempo, quando o juíz marcou um penalty esquisito pro Flamengo. O goleiro do Corinthians fez a infantilidade de nem pular na bola para protestar contra a arbitragem. Pronto. Foi o prato cheio que todo mundo queria "olha lá, nem pular na bola para pegar o penalty ele pulou!!". Como se talvez pegar um penalty aos 47 do segundo tempo e evitar que ampliassem o placar pudesse mudar alguma coisa.

Quando eu escuto torcedores falarem essa bobagem de que aquele jogo foi maracutaia, eu penso "torcedor pode pensar e falar a bobagem que quiser". O que é irritante são jornalistas, supostos comunicadores dos fatos, falando sem terem o menor embasamento para tal.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

colégio eleitoral

Acho que todo mundo com mais de, sei lá, 15 anos, já passou por alguma situação assim: quando era menor não entendia uma coisa que os pais faziam ou falavam, mas alguns anos depois compreendeu. E compreendeu também que só não entendia aquilo quando era mais novo simplesmente porque não tinha capacidade, na época, para tanto. No geral, parece-me que quanto mais o tempo passa, mas situações desse tipo se repetem; você percebe que se as pessoas mais velhas costumam fazer algo de uma determinada maneira, deve haver algum sentido para aquilo. Claro que não se trata, então, de aceitar tudo da maneira como é, senão a História seria uma linha contínua, mas acho que o ponto está claro.

Em Julho estive nos EUA. Já tinha estado lá antes, mas não tinha idade nem disposição para compreender algumas poucas coisas que você consegue observar, de uma sociedade, passando alguns dias no país. Muitas coisas chamaram-me a atenção. Uma delas foi que, assistindo tv uma noite, em um grande canal (não lembro qual) havia uma espécie de debate entre os candidatos da prévia republicana à eleição de senado pelo Arizona. Então, é assim: há 2 grandes partidos nos EUA, e em cada eleição para o Senado, candidatos dos dois partidos disputam a vaga do partido para ver quem vai se candidatar (é como se a Marta e o Zé Dirceu tivessem disputado uma prévia para saber quem seria candidato do PT ao Senado em São Paulo); os candidatos que estavam disputando essa prévia do partido republicano estavam debatendo assuntos de interesse da nação. A mim parecia que todos tinham posições muito bem formadas (não tinha nenhum Netinho de Paula, por ex); o Arizona nem é um dos principais estados americanos e eu não estava nesse estado. Ou seja, se a rede estava transmitindo é porque alguma audiência aquele dabate estava trazendo...você já imaginou debate de candidatos ao Senado no Brasil? pior ainda, já imaginou debate de candidatos de um mesmo partido para quem vai ser o candidato? Aqui nem debate para presidente dá ibope...

Obama teve uma grande derrota nas eleições legislativas dessa semana; perdeu maioria no Senado e ficou com um empate técnico na Câmara. A oposição republicana foi muito forte nos dois primeiros anos de seu governo e obteve os resultados na urna. O que ele fez? Veio a público fazer uma espécie de mea-culpa e assumiu que, daqui pra frente, precisará negociar muito mais com a oposição para governar. Lula teve uma vitória na eleição presidencial: a candidata que ele, pessoalmente, escolheu, ganhou as eleições, tendo como principal atributo ter sido a escolhida "do cara". Mamata garantida para a companheirada por mais 4 anos. O que ele fez? Vem a público esculachar a oposição, como fez, aliás, durante toda e eleição, e pedir que ela seja "menos raivosa" (quando na verdade ele teve, durante os 8 anos, a oposição que pediu a Deus, de tão boazinha e camarada).

Bom, só são 2 exemplos de como a democracia, nos EUA, é anos luz mais desenvolvida do que no Brasil. Alguns asnos gostam de esculachar os "estados-unidenses-imperialistas-cãesdodemônio", mas estaríamos bem melhor se fossemos mais, e não menos, parecidos com eles. E agora vem: sempre estranhei aquele sistema de colégio eleitoral deles para as eleições presidenciais. Isso é, porque não contam os votos de todo mundo? Não é mais fácil, até mais democrático? Em 2000 Al Gore teria ganho do Bush, pois teve mais votos totais; que coisa esquisita! Nessa nossa eleição agora eu "acho" que entendi...

Olhando a distribuição de votos por estados da federação, temos uma situação curiosa. Nordeste à parte, Serra ganhou em 11 estados, contra 5 onde a Dilma ganhou. Independentemente ndsso, em nenhum estado (exceção é o Amazonas) onde qualquer um dos dois ganhou houve uma vitória acachapante; fica claro que, em todos esses estados, houve uma discussão da sociedade sobre os 2 projetos e algum dos dois ganhou. Aí entra o Nordeste: vitória da Dilma nos 9 estados, mas mais do que isso, uma vitória assombrosa. Em alguns estados a proporção de votos é de 3 para 1. Veja bem, a vitória da Dilma em todo o país foi com sobra suficiente para que ela ganhasse qualquer que fosse o sistema; do ponto de vista do voto é uma vitória indiscutivelmente legítima - não éFaz esse o ponto. Mas essa situação chamou a atenção para uma questão: em países continentais, como Brasil e EUA, onde a idéia de divisão política é de uma federação, com regiões com características e, portanto, interesses diferentes, o critério de contagem total de votos apresenta um risco: se uma região específica aderir maciçamente a um projeto, a discussão política fica comprometida. Não adianta nada que em todos os outros estados o outro projeto político seja vencedor, a sobra de votos de uma região pode sobrepujar. A princípio faz sentido democraticamente - para governo do estado, não interessa muito que cidade votou em quem. Com relação à federação, tenho minhas dúvidas. Do ponto de vista eleitoral, faz diferença se em um estado específico um candidato ganhe de 80 x 20 ou 60 x 40; do ponto de vista político, não sei se faz tanta - em ambos os casos o estado decidiu que aquele candidato seria o melhor. Só que o massacre eleitoral em certaís regiões tem um peso eleitoral muito maior do que talvez devesse ter, levando em conta o que, politicamente, isso signifique. O mecanismo de colégio eleitoral parece ser um instrumento de balizamento da democracia analógo ao que, no Brasil, acontece no Senado e na Câmara: o Senado tem o mesmo número de senadores por estados para corrigir eventuais injustiças regionais que a câmara, com maior proporcionalidade, possa cometer em pró dos estados mais populosos. A idéia ainda não tá muito clara na minha cabeça, mas se é um mecanismo pró-democracia, e acontece nos EUA, alguma coisa tem...