sábado, 25 de dezembro de 2010

Eu queria

Há alguns meses, eu larguei meu emprego em um banco para me preparar para - o que espero ser, ao menos - uma nova profissão. Embora ainda esteja bem no começo da fase de transição, não me arrependo, e acho que, mesmo que as coisas não saiam do jeito que imaginei, dificilmente me arrependerei. Ponto. Parágrafo.
Eu gostaria de ser mais conformado. Eu prefereria não ter me sentido profundamente angustiado e infeliz com a minha profissão nos últimos cinco anos e ter conseguido ficar no meu emprego. Eu ganhava mais do que o dobro do que precisava para viver - e as perspectivas futuras eram ainda melhores; décimo terceiro, férias, fgts, um bônus interessante no final do ano. Ao contrário de hoje, minha conta ficava mais gorda toda mês, e não mais magra...Era legal não me preocupar sobre como a minha vida - financeirmente falando - seria nos próximos anos; as pessoas empregadas em uma empresa tem o futuro tão incerto e instável como qualquer outra, mas ter um emprego dá uma falsa sensação de segurança que é reconfortante.
Depois que você se acostuma, é legal usar terno. As pessoas te olham na rua com algum respeito, como se você fosse algo importante. Só notei a diferença quando passei a usar calça jeans surrada e camiseta hering. Você se perde na multidão - mais de uma vez cheguei a não ser reconhecido por colegas antigos meus de trabalho. Lembro de conversas no emprego antigo sobre isso - as pessoas fantasiam sobre poder usar chinelo e bermuda o dia inteiro; talvez deva ser legal se você tiver ganhado na mega-sena e isso for uma espécie de "f*-se a sociedade" - do contrário, você só é mais um zé mané andando na rua.
É bem mais fácil ter um lugar para ir todo dia a um determinado horário do que pensar, a todo momento, o que você vai fazer. Pensar cansa. Decidir cansa. Ter disciplina é muito mais difícil quando se está sozinho do que quando há um chefe para te cobrar um deadline; quando o custo de oportunidade de não fazer o que se precisa é poder ficar deitado no sofá assistindo friends é difícil cumprir seus compromissos - é muito mais fácil fazer o que precisa ser feito quando a sua outra opção é tomar o quinto café do dia ou navegar de novo nos mesmos sites de sempre.
Ser alguém ou pertencer a algo também é mais fácil. Quando alguém me pergunta, hoje, o que faço, é difícil responder rapidamente. Antes, era simples: trabalho no XX. "em qual área?" YY, gerente. Simples assim. O papo flui daí. É verdade que, em conversas mais íntimas, com mais tempo, minha ocupação hoje rende conversas mais interessantes. Mas 90% das interações entre pessoas não são íntimas, nem longas, e nessas é mais difícil não ter uma resposta simples para dar.
Ter dinheiro - bom - caindo todo final de mês. Ter um carro legal. Programar sua viagem de férias sem muita preocupação com grana. Ter seu dia - sua semana, seu mês - programado. Ter um chefe. Ter um figurino. Preocupar-se menos com o futuro. Pertencer a algo. Pode ser muito ruim. Pode ser muito bom. Não me admira a quantidade de pessoas que acordem todo o dia xingando por ter que ir trabalhar, mas estejam há 15 anos no mesmo emprego...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Poker: começando do começo

Com frequência, lendo alguma coisa sobre poker, eu tenho alguma idéia para um post sobre o assunto; mas as últimas experiências que eu tive com pessoas com pouca familiaridade sobre isso me levaram a pensar a ficar no básico. Por exemplo: um dia, um conhecido meu me encontrou com um livro de poker nas mãos, e revelou que adorava jogar poker. Conversa vai, conversa vem, ele afirmou que "só jogava com dinheiro fictício, por que jogar com dinheiro real já seria vício". Uma outra conhecida, também por efeito de me ver com um livro na mão, comentou que um conhecido dela estava ganhando dinheiro com poker. Sua preocupação era que, segundo ela, "invariavelmente ele vai perder tudo que ganhou, porque afinal é um jogo de azar!". Passei por algumas outras situações assim, o que me mostrou que não estava nada claro o que eu julgava já ser mais de conhecimento comum. Então, vamos do começo...

Poker não é jogo de azar! Jogo de azar é algo onde o principal fator decisório da sua vitória ou derrota é o mero acaso; na maior parte das vezes, não é nem o acaso - você está destinado a perder. Esse último caso acontece nas loterias, bingos, jogos de cassino de forma geral. Uma aposta ruim é aquela que você perde quando ganha; se jogo 1 real em um jogo que me paga 5 para 1 e que tenho probabilidade de 10% de ganhar, nas 9 em 10 vezes em que perco, tudo dentro do esperado - perdi 1 real. O problema é que, quando ganho, ganho apenas 5 reais, quando deveria ganhar pelo menos 10 para compensar as minhas derrotas. Na megasena, a chance de ganhar é 1 em 56 milhões, mas dificilmente um ganhador ganhará 56 milhões de vezes o valor que apostou. Na roleta, quando você acerta o número, o cassino te paga 37x o valor, quando deveria pagar 38 - o 0 que ninguém pode apostar é que garante o lucro do cassino.

Poker não é nada disso. Você não está jogando contra uma banca malvada que garante o lucro para si; você está enfrentando adversários que partem das mesmas condições de você. A sorte é um fator importante em uma jogada específica? Sim, claro. A curto prazo, a probabilidade é que quem tenha as melhores cartas se saia melhor. Mas imagine a seguinte situação: um grupo de amigos, que toda quinta a noite, por 10 anos, se reúna para jogar por 3 horas. Assumindo que em cada hora se jogue 40 mãos (ou "rodadas"), ao final dos 10 anos eles terão jogado 62 mil rodadas. Se a teoria da "sorte" valesse, é de se esperar que, na soma dos 10 anos, todos estivessem equilibrados em suas derrotas e vitórias, certo? afinal, em 62 mil rodadas, a sorte se equivaleu; todos já passaram por situações muito favoráveis e muito desfavoráveis em termos de cartas. Ainda assim, eu te garanto que alguém terá ganhado e alguém terá perdido muito dinheiro.

A International Mind Sports Association, mesma associação que regulamenta o xadrez, acabou de reconhecer o poker como esporte mental, o que me possibilita usar exemplos de outros esportes. Há esportes, como o basquete, onde a sorte conta pouco: dificilmente um time pior ganhará de um time melhor. Outros, como o futebol, a sorte influencia melhor: zebras são muito frequentes, porque um gol, um erro de juíz, qualquer pequeno fator pode decidir um jogo. O poker, nesse sentido, está mais para futebol do que para basquete; é possível que um jogador pior, por conta de sorte, saia de uma sessão com mais dinheiro ou termine em uma colocação melhor em um torneio do que um jogador melhor. Mas a tendência é que, no longo prazo, esse jogador melhor ganhe muito mais do que o pior. Há muito mais argumentos para esse ponto, mas vale uma frase que ouvi outro dia: estudar poker melhora seu jogo, mas tente estudar a mega sena para ver se sua probabilidade de ganhar aumenta alguma coisa...

Poker vicia? Quando escuto a palavra "vício", as primeiras idéias que me vem são: drogas, cigarro, álcool...em farmacologia, não se fala "isso vicia", e sim "essa substância tem uma alta (ou média, ou baixa) probabilidade de indução à dependência". De fato, o DSM caracteriza dependência como uma série de fatores, sendo necessária a presença de 3 ou mais para caracterizar um indivíduo como dependente. A taxa mais alta de indução de dependência, entre substâncias conhecidas, é a do tabaco. Nesse sentido, entendo que o poker tem uma "média probabilidade de induzir dependência". Quase tudo que causa prazer tem esse risco; muita coisa vicia - café, sexo, chocolate, até trabalho...Poker é estimulante, possibilita a ilusão de ganhar dinheiro fácil - então, é claro que apresenta risco de viciar. Mas não acho que seja um risco especialmente alto, em especial comparativamente a outras coisas da vida. A própria estrutura disponível para jogar é um adversário do vício. Hoje, apenas torneios são legalizados; o cabra paga uma taxa, joga horas a fio se conseguir ir bem, se for eliminado não terá outro torneio disponível tão cedo. Cash games, que se parecem mais com aquele mito temido do cara "apostar" a casa, ou são em rodas de amigos ou são em lugares ilegais - bom, se o cara vai em um lugar ilegal para jogar, digamos que ele já estivesse propenso a se viciar em alguma coisa...Pela internet, nem sempre é fácil conseguir depositar dinheiro, e mesmo assim, nada te dá a impressão mais clara de que seu dinheiro está se esvaindo. Conheço bastante gente que gosta de poker e joga recreativamente. Dessas, apenas uma ou duas apresentam comportamentos que poderiam ser consideradas como indicativos de vício. Parece-me um percentual razoável, que seria ainda melhor se falássemos mais e com menos preconceito do assunto.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Matemática

Duas coisas me levaram a esse post. A primeira foi uma conversa no sábado, onde fui lembrado que a matemática, assim como todas as outras ciências, derivam da filosofia. A segunda é que, na onda crescente de opiniões de que as escolas deveriam incentivar o pensamento, o senso crítico etc, continuo achando que tudo isso, embora sendo importante, não dispensa a necessidade de que os alunos se formem com amplos conhecimentos de português, história, ciências - e matemática. Ainda assim, é um post chato, mas fazer o quê...

Bom, vamos lá: peguemos uma multiplicação de dois fatores; para simplificar, os dois fatores iguais - digamos, 6 x 6 = 36. Se, por qualquer razão, você diminuir um dos fatores, e quiser chegar ao mesmo resultado, deverá aumentar o outro fator, certo? digamos, diminuir um fator em uma unidade, compensando, logo em seguida, o outro fator em outra unidade: 5 x 7...só que o resultado disso é 35, menor do que os 36 obtidos anteriormente. Se você resolver fazer esse "ajuste" com 2 unidades, teremos 4 x 8 = 32 (menor ainda). Os mais afeitos à matemática já identificaram a relação (x+y)*(x-y) = x² - y², nesse caso o x sendo o fator (6) e o y sendo a unidade que está sendo retirada e somada. A derivada lógica disso tudo é que quanto maior o desequilíbrio entre os fatores, menor o resultado. Um exemplo que dá uma visualização mais concreta: imagine que você tenha terreno ilimitado, mas um comprimento limitado de cerca; a maior área que você conseguirá com essa cerca será quando houver o maior equilíbrio entre os lados do quadrilátero que a cerca forma; um quadrado de 6 x 6 tem muito mais área que um retângulo de 10 x 2.
Voltando aos números iniciais: se você diminui o primeiro fator em 1, será preciso compensar, no segundo fator, em mais do que 1 unidade para atingir o mesmo resultado - de fato, será preciso acrescer ao segundo fator, nominalmente, 1,2, uma vez que 5 x 7,2 = 36. Se você diminuir dois pontos no primeiro fator, precisará adicionar ainda mais ao segundo => 4 x 9 (e não 8) é que dão os 36;

Agora vamos ao que, ao meu ver, é uma das inúmeras semelhanças da matemática com as coisas da vida: equilíbrio. Tudo que dá resultado, que é efetivo, tende ao equilíbrio. Cada desequilíbrio, para ser compensado, precisa ser contrabalanceado com um desequilíbrio ainda maior. Você quer um funcionário inteligente e dedicado. Se ele for um pouco menos dedicado do que você gostaria, só será tolerado se for bem mais inteligente do que você esperaria - só um pouco mais de inteligência não funciona. Se ele for bem desleixado, precisará ser praticamente o Einstein. Cada pequeno desequilíbrio em uma parte exige uma compensação muito maior na outra. Homens preferem se relacionar com mulheres com uma boa relação entre beleza e inteligência; uma mulher com essas questões equilibradas tende a ser muito mais valorizada do que uma Giselle Bundchen com cérebro de mosca ou uma Angela Merkel com a estética de...bom, Angela Merkel.

Na maioria das vezes, é preciso muito esforço em um aspecto para compensar outro aspecto que esteja defasado. Muitas vezes esse esforço não compensa - seria mais produtivo trabalhar no aspecto que esteja desequilibrado; cada passo em direção ao equilíbrio contribui muito mais do que "melhorar" em outros fatores que já estejam equilibrados. A matemática não é bacana?