terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Poker: começando do começo

Com frequência, lendo alguma coisa sobre poker, eu tenho alguma idéia para um post sobre o assunto; mas as últimas experiências que eu tive com pessoas com pouca familiaridade sobre isso me levaram a pensar a ficar no básico. Por exemplo: um dia, um conhecido meu me encontrou com um livro de poker nas mãos, e revelou que adorava jogar poker. Conversa vai, conversa vem, ele afirmou que "só jogava com dinheiro fictício, por que jogar com dinheiro real já seria vício". Uma outra conhecida, também por efeito de me ver com um livro na mão, comentou que um conhecido dela estava ganhando dinheiro com poker. Sua preocupação era que, segundo ela, "invariavelmente ele vai perder tudo que ganhou, porque afinal é um jogo de azar!". Passei por algumas outras situações assim, o que me mostrou que não estava nada claro o que eu julgava já ser mais de conhecimento comum. Então, vamos do começo...

Poker não é jogo de azar! Jogo de azar é algo onde o principal fator decisório da sua vitória ou derrota é o mero acaso; na maior parte das vezes, não é nem o acaso - você está destinado a perder. Esse último caso acontece nas loterias, bingos, jogos de cassino de forma geral. Uma aposta ruim é aquela que você perde quando ganha; se jogo 1 real em um jogo que me paga 5 para 1 e que tenho probabilidade de 10% de ganhar, nas 9 em 10 vezes em que perco, tudo dentro do esperado - perdi 1 real. O problema é que, quando ganho, ganho apenas 5 reais, quando deveria ganhar pelo menos 10 para compensar as minhas derrotas. Na megasena, a chance de ganhar é 1 em 56 milhões, mas dificilmente um ganhador ganhará 56 milhões de vezes o valor que apostou. Na roleta, quando você acerta o número, o cassino te paga 37x o valor, quando deveria pagar 38 - o 0 que ninguém pode apostar é que garante o lucro do cassino.

Poker não é nada disso. Você não está jogando contra uma banca malvada que garante o lucro para si; você está enfrentando adversários que partem das mesmas condições de você. A sorte é um fator importante em uma jogada específica? Sim, claro. A curto prazo, a probabilidade é que quem tenha as melhores cartas se saia melhor. Mas imagine a seguinte situação: um grupo de amigos, que toda quinta a noite, por 10 anos, se reúna para jogar por 3 horas. Assumindo que em cada hora se jogue 40 mãos (ou "rodadas"), ao final dos 10 anos eles terão jogado 62 mil rodadas. Se a teoria da "sorte" valesse, é de se esperar que, na soma dos 10 anos, todos estivessem equilibrados em suas derrotas e vitórias, certo? afinal, em 62 mil rodadas, a sorte se equivaleu; todos já passaram por situações muito favoráveis e muito desfavoráveis em termos de cartas. Ainda assim, eu te garanto que alguém terá ganhado e alguém terá perdido muito dinheiro.

A International Mind Sports Association, mesma associação que regulamenta o xadrez, acabou de reconhecer o poker como esporte mental, o que me possibilita usar exemplos de outros esportes. Há esportes, como o basquete, onde a sorte conta pouco: dificilmente um time pior ganhará de um time melhor. Outros, como o futebol, a sorte influencia melhor: zebras são muito frequentes, porque um gol, um erro de juíz, qualquer pequeno fator pode decidir um jogo. O poker, nesse sentido, está mais para futebol do que para basquete; é possível que um jogador pior, por conta de sorte, saia de uma sessão com mais dinheiro ou termine em uma colocação melhor em um torneio do que um jogador melhor. Mas a tendência é que, no longo prazo, esse jogador melhor ganhe muito mais do que o pior. Há muito mais argumentos para esse ponto, mas vale uma frase que ouvi outro dia: estudar poker melhora seu jogo, mas tente estudar a mega sena para ver se sua probabilidade de ganhar aumenta alguma coisa...

Poker vicia? Quando escuto a palavra "vício", as primeiras idéias que me vem são: drogas, cigarro, álcool...em farmacologia, não se fala "isso vicia", e sim "essa substância tem uma alta (ou média, ou baixa) probabilidade de indução à dependência". De fato, o DSM caracteriza dependência como uma série de fatores, sendo necessária a presença de 3 ou mais para caracterizar um indivíduo como dependente. A taxa mais alta de indução de dependência, entre substâncias conhecidas, é a do tabaco. Nesse sentido, entendo que o poker tem uma "média probabilidade de induzir dependência". Quase tudo que causa prazer tem esse risco; muita coisa vicia - café, sexo, chocolate, até trabalho...Poker é estimulante, possibilita a ilusão de ganhar dinheiro fácil - então, é claro que apresenta risco de viciar. Mas não acho que seja um risco especialmente alto, em especial comparativamente a outras coisas da vida. A própria estrutura disponível para jogar é um adversário do vício. Hoje, apenas torneios são legalizados; o cabra paga uma taxa, joga horas a fio se conseguir ir bem, se for eliminado não terá outro torneio disponível tão cedo. Cash games, que se parecem mais com aquele mito temido do cara "apostar" a casa, ou são em rodas de amigos ou são em lugares ilegais - bom, se o cara vai em um lugar ilegal para jogar, digamos que ele já estivesse propenso a se viciar em alguma coisa...Pela internet, nem sempre é fácil conseguir depositar dinheiro, e mesmo assim, nada te dá a impressão mais clara de que seu dinheiro está se esvaindo. Conheço bastante gente que gosta de poker e joga recreativamente. Dessas, apenas uma ou duas apresentam comportamentos que poderiam ser consideradas como indicativos de vício. Parece-me um percentual razoável, que seria ainda melhor se falássemos mais e com menos preconceito do assunto.

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