sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Sobre poker e vida

Jogo poker há algum tempo e, mesmo alternando fases onde estou mais envolvido com o jogo e fases onde fico sem jogar por quase um mês, tem uma hora que a maneira de pensar do jogo se incorpora a sua vida. Se você pega um programa na tv sobre o jogo pára para assistir, de vez em quando pega algum dos livros que tem sobre o jogo para reler, ou quando encontra com algum amigo que joga o papo aparece. E aí você começa a perceber várias semelhanças entre a dinâmica do poker e da vida em geral. Vou tentar escrevê-las de maneira que fique compreensível para os que não entendem muito bem o jogo, sem ficar muito repetitivo para quem já conhece bem.

- O que importa é fazer jogadas + EV.
Poker não é um jogo de sorte, mas o fator sorte pode fazer diferença no curto prazo. Quer dizer que, mesmo você jogando bem e tomando as decisões corretas, quando a aleatoriedade das cartas não te beneficia você pode ter um resultado ruim em uma jogada ou dia específico. Jogadores competentes ligam pouco para isso, pois sabem que, no longo prazo, fazendo a melhor jogada sairão vencedores - até porque a sorte, no longo prazo, vai ser igual para todo mundo. É o que é chamado de "jogada + ev". EV vem do inglês, expected value, é um valor numérico que representa o quanto você pode esperar em média de uma determinada jogada, dada a probabilidade de cada resultado x resultado em si. Se uma jogada tem ev positivo (+ ev), significa que efetuando a mesma jogada diversas vezes, invariavalmente você vai ganhar dinheiro - e o oposto é verdade para jogadas com ev negativo (- ev). É muito comum um jogador experiente aconselhar um jogador mais novo para não ser "orientado pelos resultados"; ou seja, não avalie uma jogada pelo mero resultado direto - se você ganhou ou perdeu - mas sim se você fez a jogada correta - a que teria o EV mais positivo possível.

Com o passar do tempo você nota que o fator "sorte" também é importante na circunstâncias das pessoas na vida. Você pode ter uma filosofia ou religião que defina que nada é de graça, que existe ação e reação, whatever, mas a verdade é que até onde conseguimos perceber / provar, existe um fator sorte considerável. Mas eu também acredito que essa sorte vai se anulando ao longo da vida, isso é, a tendência é que todo mundo tenha oportunidades em alguns momentos e passe perrengues em outros. Muitas vezes o que vai definir o nível de sucesso por essas variações de sorte é a sua atitude, como você se comportou, como você estava preparado para aquele momento. É como se você também precisasse fazer a jogada + ev para lograr sucesso, independentemente do momento da sua sorte. A diferença, talvez, é que o +ev para cada um na vida pode ser completamente diferente, enquanto no poker é bem mais matemático.

- Tudo depende das pessoas
A maioria das jogadas que você deve fazer no poker vai depender do seu adversário. Talvez a maior habilidade que os grandes jogadores tenham é a capacidade de ler oponentes e, consequentemente, suas jogadas, obviamente traduzindo essa leitura em uma melhor postura ou jogada a ser adotada em contrapartida. Em uma mesma mão, com as mesmas cartas, em uma situação muito parecida, é perfeitamente possível que a jogada mais correta a ser feita seja completamente diferente, dependendo do adversário que está se enfrentando. Ser capaz de entender o seu adversário - e para isso é preciso ter sensibilidade, focar no outro, tentar pensar como ele pensa - pode ser a diferença entre um jogador competente e um medíocre.

Cada vez mais fica claro para mim que a habilidade de se relacionar com as pessoas é chave em diversas áreas da vida, inclusive profissional. A diferença para o poker, na minha visão, é que no tocante à vida de maneira geral isso pode ser bem menos utilitarista. Isso é, enquanto no poker a capacidade de compreender seus adversários visa unicamente aumentar seu ganhos, por meio da melhor definição da jogada correta, na vida isso é muito mais aberto. Acredito muito na capacidade de se relacionar melhor com as pessoas por meio da empatia (se colocar no lugar do outro) porque isso melhora o meio social no que você convive, estreita relações, gera confiança, torna você e as pessoas a sua volta mais felizes. Mas as ferramentas que você tem para isso não deixam de ser muito parecidas com as ferramentas usadas no poker: mudar o foco de si para o outro, tentar pensar como ele pensa e abrir seu leque de juízo de valor e preconceitos.

- Ou vai ou racha
Existem alguns momentos em um torneio de poker onde as únicas opções que você tem (ou deveria ter) é ir allin (apostar todas as suas fichas) ou foldar (descartar a sua mão). Isso acontece geralmente quando você tem um stack (a quantidade de fichas que você ainda tem) pequeno, sendo es se "pequeno" definido como algo entre 10 e 12 apostas mínimas (big blinds, daqui pra frente chamado de "bb"). Essa obrigatoriedade advém de uma questão matemática. Um raise (aumento) padrão no poker é de 3 big blind s . Se você, com seu stack de 10bbs, faz um raise padrão, e um oponente volta allin, na pior das hipóteses você precisaria colocar os 7 bbs restantes que você tem para disputar esse pot (o quanto de fichas tem na mesa) de 13,5. A sua porcentagem de ganho entre a sua mão contra o leque de possíveis mãos do adversário faz com que esse call (chamar a aposta que o seu adversário fez) seja quase obrigatória com qualquer mão de maneira que você tenha dado esse raise, de maneira que, na prática, quando você aumentou você já estava apostando todas as suas fichas "meio sem saber" . Sendo assim, seria melhor você mesmo ter ido allin desde o começo, porque assim você maximizaria a chance do seu adversário descartar a mão dele e deixar os blinds para você. Jogadores acostumados com situações de stack pequeno conhecem esse efeito muito bem e lidam com isso da m a neira adequada, adotando o modo "allin ou fold" quando estão com o stack pequeno.

Em determinadas situações da vida é preciso compreender que você já está em modo "allin ou fold", ou melhor traduzindo, "ou vai ou racha". Não porque o resultado que você possa alcançar seja melhor, mas porque é mais saudável e o ajuda a tomar decisões mais acertadas se você reconhecer essa situação como tal. Essa idéia me ocorreu quando estava conversando com um amigo sobre uma garota que trabalhava com ele. A garota era bonita e inteligente, aparentemente dava bola para ele, mas era casada (e ele tinha restrições morais fortes contra ter qualquer envolvimento com pessoas casadas). E aos poucos aquele processo de sedução de ambos os lados ia ganhando forma, sob aquele disfarce (pelo menos para ele, talvez ela já tivesse clareza desde o começo do que queria) de "ah, não to fazendo nada demais, um cafézinho no meio da tarde não representa nada" e assim por diante. No final das contas meu amigo acabou se envolvendo com a moça, e depois, em retrospecto, ficamos discutindo em qual momento aconteceu o "ultrapassar a linha", isso é, em que momento, se ele fosse em frente (aceitasse aquele almoço que ela propôs só os dois em algum lugar bacana, fosse no happy-hour que ela marcou só com as amigas sem o marido etc) a coisa não teria mais volta. Para mim isso tem muita relação com o "allin ou fold". Ao enxergar a linha do "à partir daqui não tem mais volta", sabendo que, naquele momento, apenas 2 escolhas estavam em pauta (ir até o fim ou parar agora), a chance da decisão ser mais adequada com o que você realmente quer é maior. Muitas vezes, nessas situações, vamos nos enganando, achando que apenas mais um passo não causará mal nenhum. É como se, em vez de ir allin, déssemos apenas um raise pequeno. Mas quando o outro volta allin, geralmente vamos dar o call, então...

- Leitura
Tem um pouco a ver com o item anterior "pessoas". Como já dito, uma habilidade especial no poker é leitura de adversários, mas isso pode ser entendido em um item mais específico: leitura de mãos. Um famosíssimo teórico de poker (David Sklansky) estabeleceu uma teoria sobre níveis de leitura que um jogador tem. O nível básico, que podemos chamar de "minha mão é boa?", é a capacidade do jogador de, mesclando suas cartas com as da mesa, saber qual é a força da sua mão: se é a melhor possível, se é muito forte mas vulnerável, se é mediana etc. O nível 1, acima do básico, que podemos chamar de "que mão meu adversário deve ter?" é a aliar o nível básico à habilidade de predizer com certa eficiência que mão seu adversário deve ter; essa predição se dá por conhecer as tendências do seu adversário, interpretar as ações dele em cada rodada de aposta etc, até se chegar a um leque pequeno de possíveis mãos que ele pode, verossilmelmente, ter. O nível 2, que podemos chamar de "o que meu adversário acha que eu tenho", é pensar o que meu adversário deduziu das minhas ações e está imaginando que eu devo ter - nesse nível os blefes bem sucedidos começam, pois posso levar meu oponente a imaginar que eu tenho uma mão diferente da que realmente tenho e, assim, forçá-lo a uma jogada errada. E assim por diante, cada nível estando 1 nível de complexidade acima do outro. (fica até uma história engraçada, porque a partir disso começa a virar um tal de "o que meu adversário acha que eu acho que ele acha que eu acho..."). O mais interessante é que, em termos de leitura, não vale o "quanto maior, melhor", ou seja, não necessariamente o mais complexo trará mais resultados. O ideal é que você jogue com um nível de leitura sempre um nível acima do seu adversário; se seu adversário está operando em nível 1, você deve operar em nível 2 - e assim por diante. Se você está traçando complexos perfis para imaginar o que seu adversário acha que você tem, quando na verdade ele só está preocupado com a mão dele, você vai complexificar demais e acabar tomando a decisão errada, por ex tentando blefar contra um cara que nem percebeu que a mão dele é fraca e pagará qualquer aposta. Claro que um jogador que tenha a complexidade suficiente para atingir níveis mais altos de leitura tem um repertório maior para jogar contra vários tipos de adversário, mas a eficiência do conhecimento se dará com a aplicação correta.

Pensei nesse item em uma aula, onde o professor, que tem pós-doutorado e ministra uma disciplina que envolve vários temas complexos, tem que lidar com perguntas das mais variadas, de alunos de vários níveis e com diversos tipos de referências culturais. A habilidade de, mesmo tendo uma gama enorme de conhecimentos, encarar a pergunta tentando entender o repertório daquele aluno e em qual nível a pergunta dele se encaixa é essencial para uma boa didática. Isso acabou me levando a pensar o como isso não vale para tantas outras situações da vida, onde o conhecimento que nós temos de alguma situação deveria sempre servir como instrumento que será - ou não - usado em uma situação, dependendo de quanto aquilo servir ao propósito do momento. Assim como a hablidade de leitura, o conhecimento só serve ao "quanto mais, melhor" se aliado a habilidade de utilizá-lo. Aposto que você conhece alguém com um repertório cultural grande e que não passa de um grande chato...

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