Com o campeonato brasileiro quase acabado, vou permitir-me fazer mais um post sobre futebol...
Desde a virada do século, quando começaram as discussões sobre se o campeonato brasileiro deveria ter a sua forma alterada - de mata-mata para pontos corridos - tenho a mesma opinião: mata-mata é muito, 15x melhor. E essa minha idéia vinha do fato de que, para mim, um campeonato sem final é algo muito sem graça; nada substitui aquela adrenalina de um jogo decisivo, a expectativa durante a semana, o frio na barriga no dia do jogo, o país inteiro parando para ver - mesmo que não torcesse para nenhum dos times. Para os defensores da fórmula de pontos corridos, o argumento é de que "seria mais justo", e eu só pensava "e daí que é mais justo?? o que importa é ser legal!!". A suposta justiça - que, até então, eu nem questionava - viria de, em um campeonato de mata-mata, o time que liderou o campeonato inteiro pudesse perder por um golpe de azar em um jogo decisivo: um erro de juíz, a infelicidade de um zagueiro etc.
Bom, a fórmula mudou e, logo nos primeiros anos, ficou claro que nem mais justo era...A princípio, já era evidente que a fórmula não premiaria, necessariamente, o melhor time - e sim o time com mais capacidade de vencer seus jogos "fáceis". Os 3 pontos de um confronto entre líderes valem os mesmos 3 pontos de um jogo em casa contra o lanterna. Esse campeonato de 2010 reflete bem isso: o provável campeão, Fluminense, foi um time com pouca capacidade de ganhar jogos decisivos - ganhou apenas 3 de 12 pontos disputados contra seus principais concorrentes (Corinthians e Cruzeiro). Sua vantagem foi construída em outros jogos, contra adversários não diretos - é um tipo de justiça, mas longe de poder ser chamada de "justiça para o melhor time".
Parece-me que essa noção de justiça foi muito construída com base nos campeonatos europeus. Lá, na melhor das hipóteses, 4 times brigam pelo título - na maioria das vezes, apenas 2. Sendo assim, é comum 1 time se destacar e liderar com sobra de 8 ou 9 pontos, sendo campeão com 3 rodadas de antecedência. Nesses casos, imaginar que esse time pode perder o título em um jogo contra um adversário direto que ficou bem atrás pode dar uma sensação clara de incorreção. No Brasil, o campeonato é muito mais disputado - todo ano, pode-se apontar uns 7 ou 8 times com chance de serem campeões. Isso se reflete nos resultados de cada campeonato: em 8 anos de pontos corridos, em apenas 2 anos tivemos situações de um time disparar. Em todas as outras, o campeão levou com diferença de, no máximo, 3 pontos sobre o vice-campeão. Em um campeonato onde 114 pontos são disputados, a diferença de, digamos, 2 pontos, é algo em torno de 1,5% de aproveitamento - é muito pouco! Assim como no mata-mata, qualquer erro de juíz em qualquer jogo pode causar essa diferença! Pior, porque em 38 jogos tem muito mais chance de erros serem cometidos. Uma suspensão rigorosa de um jogador, uma perda de mando de campo - são muitos os fatores que podem acarretar em um pequeno prejuízo, que já faria muita diferença ao time...
De 2 anos para cá, os gênios começaram a perceber outra coisa: a tabela faz diferença. Dependendo do momento do campeonato no qual você enfrenta um time, você leva vantagem ou não. Em 2005, os times que enfrentaram o São Paulo no último quarto do campeonato levaram vantagem, pois o time estava se preparando para o mundial e jogava com os reservas - a mesma coisa aconteceu com o Inter em 2006. Em 2009, o Flamengo teve a sorte de jogar um de seus jogos mais difíceis - contra o Corinthians fora de casa - quando esse adversário já não queria nada com nada; assim como, esse ano, o Fluminense teve essa sorte, porque 2 jogos teoricamente difíceis (São Paulo e Palmeiras fora de casa) também aconteram/acontecerão nessa situação. Só aí podemos ter uma diferença crucial, onde uma vantagem de 3 pontos para um lado ou para outro pode decidir o campeonato, simplesmente na sorte (será?) da montagem da tabela.
Acompanho de perto o campeonato brasileiro desde 1990. Desse ano até 2002, quando a fórmula era de pontos corridos, lembro-me de muitos poucos casos onde tenha aparecido a tal "injustiça". Em 1995, o Botafogo ganhou do Santos com 2 gols impedidos; ainda sim, dificilmente alguém diria que o Santos era muito melhor que o Botafogo e deveria ter, indubitavelmente, sido campeão. Em 2002, o Santos classificou-se para as quartas de final na última rodada, por uma combinação de resultados. Pegou o primeiro lugar da fase de classificação - o São Paulo, que tinha liderado, com sobras, quase todo o campeonato. O Santos ganhou os 2 jogos eliminatórios e desclassificou o São Paulo, para depois bater Grêmio e Corinthians e ser campeão. Ninguém em sã consciência pode falar que o Santos não mereceu ser campeão naquele ano - cresceu muito na reta final e foi decisivo quando o campeonato realmente importava.
Ok, pontos corridos funciona no mundo inteiro, mas o Brasil não é o mundo inteiro. Se "nos damos ao luxo" de fazer coisas ao nosso jeito em tantas áreas que não deveríamos, porque não fazer as coisas ao nosso jeito justamente onde deveríamos?
Roteiros em New York - MoMA
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