sexta-feira, 8 de abril de 2011

De quem é o dinheiro público?

Tem uma frase, que já ouvi há muito tempo e mais de uma vez, que diz mais ou menos assim: "Nos países desenvolvidos, o que é público é de todo mundo; nos subdesenvolvidos, o que é público não é de ninguém". Isso se traduz em uma atitude com as coisas públicas: se é de todo mundo, também é meu, então eu cuido, vigio, uso com responsabilidade, assim como faço com todas as outras coisas que são minhas; se não é de ninguém, eu não estou nem aí, e se for usar, uso sem cuidado, sem preocupação, como um saqueamento em uma região abandonada ou num caminhão caído à beira da estrada...

Em que tipo de pensamento geral em relação à coisa pública nos encaixamos no Brasil é desnecessário dizer. Mas isso tem uma repercussão ainda mais trágica quando se trata do dinheiro público. Acho que há uma sensação geral de que aquele dinheiro não é de ninguém, ou é do Estado, governo, como se essas instituições fossem algo que existissem por si mesmas. Por ex, quando nos indignamos com o salário dos deputados, minha sensação é de que existe mais um pensamento na linha de "p*, o cara ganha tudo isso enquanto eu ganho muito menos?" do que algo do tipo "p*, esse dinheiro tá saindo do meu bolso!!".

E uma coisa que, se não é causa, ajuda a manter esse comportamento, é a falta de percepção clara do quanto o imposto pago é dinheiro a menos na sua vida, dinheiro retirado pelo governo do seu bolso que poderia estar sendo usado por você para uma condição melhor de vida. Há pequenas situações onde essa indignação aparece: quem tem carro e paga ipva costuma ficar p* de pagar esse imposto e ver que pouca coisa é feita para melhoria das vias públicas; quem tem apto e paga iptu também sente coisa parecida. Mas é um sentimento nem tão intenso e que atinge apenas uma parcela da população. Uma coisa que poderia ser mais forte para estimular essa sensação é o imposto de renda. Mas pensa só: a população economica ativa brasileira é de 50%. Desse universo, há 10% de desemprego e apenas 50% dos empregados tem emprego formal - que pagam imposto. Dos que ganham salário formal, apenas os que ganhem, digamos, acima de 3 mil, sente efetivamente um volume de dinheiro sendo retirado de si (a isenção do IR vai até 1,5 mil, e alguém que ganha 2,5 mil, por ex, paga menos de 4% de IR sobre a sua renda, pouco para sentir alguma diferença...) - se considerarmos as diversas regiões do Brasil, e vários setores de trabalho, como chão de fábrica, serviço, saúdes, é até conservador estabelecermos que só 50% ganham acima de 3 mil (meu palpite é que é bem menos de 50%). Tudo calculado, pouco mais de 10% da população brasileira conseguem sentir diretamente o efeito do imposto de renda sendo subtraído mensalmente das suas receitas! O maior efeito do imposto na nossas vidas é o preço dos vários itens que consumimos que estão sempre majorados pela carga de impostos que foram incidindo ao longo da cadeia produtiva.

Uma coisa que poderia ajudar é se tívessemos alguma metodologia semelhante aos Estados Unidos: a cada coisa que você compra, você sabe claramente o quanto é o valor do produto e o quanto é o imposto. Em média, pagamos 40% de imposto; imagine que na sua passagem de ônibus, você estivesse sendo sempre lembrado de que dos 3 reais, 1,20 é imposto? Do pf de 8 reais na padoca, 3,20 é imposto? Do aluguel de 1000 reais, 400 reais é imposto? (no caso do aluguel, o imposto não é direto porque provavelmente o valor é cobrado por um particular; mas se entendermos que o custo total da economia está majorado em 40% por causa dos impostos, é de se imaginar que o dono do imóvel poderia cobrar 40% a menos). Acho que a lembrança diária de quanto dinheiro poderia sobrar para você caso os impostos fossem menores seria muito benéfica para que todos sentissem, quando o noticiário da tv anunciasse "deflagrada operação da PF contra corruptos que desviaram x milhões" todo mundo se indignasse e pensasse "FDPs!! tudo na minha vida é bem mais caro para esse bando de fdp me roubar desse jeito???"

O Brasil é um dos países do mundo com a relação custo x benefício para o contribuinte mais injusta. A Suécia tem o nível de tributação parecido com o nosso, mas o sistema educacional, de saúde e de suporte social é infinitamente melhor. A China tem sistemas de educação e saúde públicos piores do que os nossos, em geral, mas pelo menos o cidadão paga menos de 20% de imposto. O Brasil consegue aliar a alta carga tributária Sueca a um padrão chinês de baixa qualidade de serviços. E a gente tá cag* e andando para isso...toda vez que escuto coisas do tipo "governo pensa em criar estatal para cuidar do trem bala" eu só consigo pensar que devemos estar muito anestesiados, pois a indignação geral é um décimo do que deveria ser.

3 comentários:

  1. Cesinha, estava discutindo isso ontem com o Gustavo.
    Eu pago uma cacetada de imposto, descontado diretinho do meu salário e não recebo praticamente nada de volta. Sei que ainda posso me considerar uma privilegiada, pois fiz faculdade pública, mas saúde, segurança, previdência? Melhor contar comigo mesma.
    Além do retorno quase zero, tem uma carga de burocracia e dificuldade inimagináveis até você passar por alguma situação específica e viver isso. Há alguns anos fiz uma cirurgia e precisei tomar um remédio muito caro. A médica me disse que o dito cujo fazia parte da lista de remédios de alto custo, distribuídos gratuitamente pelo governo. Penso sempre como reverter isso e deixar de ser um povo tão pacífico? Votar correto? Talvez seja um caminho, mas ainda com resultados de longo prazo. Ganhar mais edúcação, cultura, ainda longo prazo.
    Bom texto. Material para pensar.

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  2. Nossa... cortou um pedaço do meu comentário rsrsrs (problema de usuário).
    Segue a continuação da parte da lista de remédio de alto custo:
    Fui atrás, mas a quantidade de exames adicionais que deveria apresentar para provar que realmente precisava tomar aquele remédio e o número de vezes que deveria voltar lá para provar que ainda estava viva e precisando do remédio, me fizeram desistir e comprar com meu dinheiro mesmo. Sem contar que eu não podia esperar, precisava começar a tomar com urgência.
    Sei que tem muita fraude no processo todo, mas a solução é punir o doente? Eu podia comprar e foi o que eu fiz, mas e quem não pode? Toda essa burocracia atrapalha a vida de quem está doente, mas quem está saudável e com tempo de burlar o sistema, vai em frente, não é mesmo?

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  3. pois é Dri, é tudo uma grande m*! soluções? tbém nao enxergo nada a curto prazo, e mesmo a longo, pouca perspectiva...nese aspecto, os últimos 8 anos de governo prestaram um grande desserviço, né...o que eu acho é que a gente não pode deixar de se posicionar toda vez que alguém vem com alguma solução fácil: não tem escapatória fora do trabalho duro e respeito aos outros...

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