quarta-feira, 30 de março de 2011

Planejamento financeiro

Eu não costumo ler colunas de jornal ou prestar atenção em participações especiais em rádio ou tv desses consultores financeiros; geralmente eles não falam nada que a gente já não saiba, ou pior, inventam alguma coisa totalmente sem sentido ou sem utilidade prática. Por força das circunstâncias, assisti uma pequena palestra dum famoso consultor chamado Gustavo Cerbasi, e acabei lendo um livro dele. Foi a primeira vez, que eu me lembre, de algum consultor ter falado algo diferente e que fizesse, para mim, muito sentido.

Não, ele não nega a premissa de que é preciso guardar dinheiro - e, para isso, é preciso gastar menos do que se ganha. Mas uma coisa que me chamou a atenção foi a maneira que ele propõe de organização de gastos que, além de diferente do que costumeiramente consultores financeiros propõe, era algo que eu fazia instintivamente. Primeiro, para começar, é preciso estabelecer o quanto se quer guardar por mês. Até aí, nenhuma novidade, inclusive na dificuldade de colocar em prática - a gente costuma ver quanto "sobra" no final do mês, e não determinar que se quer guardar x% do que ganha...mas vá lá: assim como outros consultores, ele propõe que, quem tenha dificuldade de disciplinar-se a guardar aquele valor, assuma um compromisso mensal - como a prestação de um apartamento ou de um consórcio de alguma coisa - de modo que, assim que o dinheiro caiu na conta, aquela parcela já saia automaticamente.

E aí vem a inversão interessante. O mais comum de fazermos é "começarmos" a estabelecer os nossos gastos por aqueles chamados gastos "fixos", estruturais - casa, carro etc. Tomamos esses gastos meio como dados - "ah, gasto x com o apartamento, mais y com o carro..." - e, o que sobra, fica para as coisas do lazer. Ele propõe a inversão da ordem dos gastos - que, depois de se ter "guardado" o percentual determinado, estabeleça-se o quanto vai se gastar (mais ou menos) com seu lazer primeiro - saídas, compras etc, e aí acomode-se os gastos fixos com o que sobrar. Antes de analisar isso mais a fundo, eu entendo que há importantes motivos para essa inversão.

O primeiro é quantitativo: gastos com estrutura geralmente são muito mais significativos - de modo que alterações desse tipo de gasto apresentam mais diferença. Por ex, há uma conta de que a gente gaste, em média, 2% do valor do carro por mês (em seguro, ipva, depreciação, custo do dinheiro que poderia estar investido, manutenção, as vezes garagem adicional, sem contar gasolina, apenas gastos ligados ao simples fato de ter o carro). Então, se você tem um carro de 40 mil reais, em média você gasta 800 reais por mês com ele. Os gastos para morar dessa pessoa, então, devem ser bem maiores do que isso...O tamanho da diferença que um alto ou um baixo gasto nesses aspectos pode produzir é grande se comparado a gastos de lazer (sem exageros), onde a diferença de alguma alteração pode não ser tão significativa. O segundo aspecto importante é a sustentabilidade de certos cortes de gasto. Tem aquele exemplo conhecido do cafézinho: se você deixar de tomar aquele café da tarde, que custa 2 reais, em dez anos você terá economizado 8 mil reais. Ok, mas quanto isso te custou em qualidade de vida, se esse é o momento que, toda tarde, você sai para descontrair um pouco, conversar com os amigos? Será que isso não afetará até a sua produtividade, podendo te prejudicar muito mais financeiramente? Embora sempre haja espaço para cortar gastos eventuais com lazer, há sempre o limite da sustentabilidade: será que aquele nível de consumo tão baixo é sustentável a longo prazo, sem te enlouquecer? Porque o que acontece é que pensamos "ah, mas se eu só gastar X com lazer, vai sobrar alguma coisa para guardar"; só que aí você compra uma roupa que viu, alguém te chamou para ir em algum lugar mais caro, faz 3 anos que você não sai de férias e...bum! lá se foi o que você ia guardar...O que nos leva a um terceiro motivo: uma mudança de padrão em um custo fixo (para cima ou para baixo) é uma mudança para todos os meses - aquele dinheiro sobra ou falta todo mês. Um corte em um gasto de lazer (por ex, não sair naquele final de semana) produziu um efeito específico naquele mês, mas para o efeito ser repetido, no próximo mês você deverá fazer o mesmo sacrificio.

Claro que não tem mágica; ele não sugere, então, que não haja controle ou parcimônia nos gastos com lazer, sem o que não há planejamento financeiro possível. Outra coisa óbvia mas que não custa falar é que esse tipo de lógica se aplica às pessoas cuja situação financeira permite algum tipo de arranjo - o trabalhador que ganha salário mínimo e mal consegue por comida na mesa é outra história. Mas ainda sim gostei da lógica que ele propõe que, como falei, pareceu-me bem destoante daquele coro velho e batido dos consultores financeiros...

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