sexta-feira, 11 de março de 2011

Aposentadoria

Esses dias conheci um psicanalista de mais de 80 anos que, apesar da aparente falta de necessidade financeira para tanto, ainda trabalha pelo menos 7 horas por dia. Noutro dia tive aula com um professor - uma verdadeira sumidade na sua área de pesquisa - de mais de 70 anos, e não me lembro de ter tido uma aula com alguém tão apaixonado pelo assunto sobre o qual estava falando como ele.

Por outro lado, nos meus 10 anos de vida corporativa, tive contatos com algumas pessoas que se aposentaram ou estavam próximas da aposentadoria. Algumas pessoas aguardavam ansiosamente o dia do tão esperado descanso; alguns gostariam de poder descansar, mas a preocupação com a questão financeira falava mais alto e a proximidade da aposentadoria era motivo de angústia. Quase todos me causavam a impressão de que tinham, fácil fácil, pelo menos 10 ou 15 anos para queimar na empresa, trabalhando com muita produtividade. Cheguei a ter contato com dois ou três que tinham se aposentado, e o relato era o mesmo: após aproveitar um ou dois anos de descanso, estavam procurando algo para fazer, para sentirem-se produtivos. Um deles estava até fazendo trabalhos voluntários, mas ressentia-se de estar cortando batatas, quando poderia usar muito mais do intelecto e da experiência que acumulou durante quarenta e poucos anos de mercado financeiro.

A primeira diferença que vem à cabeça entre os casos que descrevi no primeiro parágrafo e os do segundo é: enquanto os primeiros tem verdadeira paixão pelo que fazem, os segundos tinham no trabalho apenas um meio de vida. A segunda diferença, menos óbvia, é que a profissão dos primeiros permitia um ritmo geral de vida mais adequado às exigências da idade do que a dos segundos, que trabalhavam em empresa. Qualquer um que trabalhe 10 horas por dia e leve todo o dia umas três horas no trânsito provavelmente está contando os dias para mudar de vida...

Essas constatações vem ao encontro de algumas impressões que eu tinha quando trabalhava em empresas. Cada vez mais a pressão sobre os trabalhadores de uma certa idade aumenta: os pacotes de estímulo à aposentadoria, para dar lugar a trabalhadores mais jovens, vem cada mais cedo. No meu último emprego cheguei a ver um pacote destinado a pessoas com 50 anos! Poxa, 50 anos o cara é praticamente um bebê eheehh...tem muita lenha para queimar. Por outro lado, os trabalhadores dessa idade tem sentimentos diversos sobre a situação: muitos anseiam, há muito tempo, esse descanso. Se a condição financeira lhes é favorável (talvez mais por sua baixa expectativa de renda do que efetivamente por uma condição financeira muito boa), a novidade é bem-vinda. Mas isso não exclui a necessidade de ainda sentir-se útil, produtivo. Muitos enxergam essa situação como a oportunidade de, finalmente, fazerem algo a que já gostariam de estar se dedicando há muito tempo. Não consigo deixar de pensar que, fosse o trabalho, de forma geral, menos desgastante, talvez nem esses quisessem se aposentar - talvez usassem o tempo livre que já tem para se dedicarem, satisfatoriamente, a outras coisas.

Eu entendo o ponto de vista das empresas; trabalhadores de uma certa idade, de forma geral, custam caro - os salários foram inchados, nem que tenha sido apenas pelos consequentes dissídios. Muitos não tem o mesmo gás e disposição para se submeter a certas situações de trabalho que os mais novos tem. E, principalmente, a legislação é um forte empecilho: você não consegue readequar a situação do trabalhador para que a situação seja proveitosa para os 2 lados. Digamos, que ao se aposentar, o trabalhador diminuísse sua carga horária para algo como 5 horas por dia - e recebesse o salário proporcional. A empresa, com o custo menor, continuaria a contar com a experiência dele, enquanto o trabalhador, ainda sentindo-se produtivo, e com mais tempo para fazer outras coisas, poderia produzir por muito mais tempo.

O conceito de idade produtiva mudou muito. Minha vó tem 80 anos e encontrou energia para ser síndica do seu prédio. Meu pai já passou dos 60 e ainda tem pelo menos 20 anos de trabalho pela frente. A minha geração deve chegar aos 90 anos com capacidade produtiva boa. Essa separação da vida em fases - uma produtiva e a outra para ficar moscando em casa - não faz mais sentido. Como sociedade, está na hora de pensarmos em forma de utilizar toda essa força produtiva em prol da própria sociedade - o que chegaria, eventualmente, a diminuir a necessidade de esfolar o couro dos que estão na sua fase produtiva. Em vez da vida ser um "rala, se esfola, para depois descansar", a contribuição de cada um na sociedade seria mais contínua e menos penosa.

4 comentários:

  1. Caramba !!!! Achei muito bom. Simplesmente Show de Bola. Grande abraço.

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  2. que beleza Ivaldão, obrigado pelo comentário! venha mais vezes eheheh abraços

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  3. É... concordo com tudo, mas confesso que pensar no "enquanto os primeiros tem verdadeira paixão pelo que fazem, os segundos tinham no trabalho apenas um meio de vida."
    tem sido um exercício bem difícil.
    To na busca do "do que eu gosto mesmo?" faz tanto tempo...

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  4. Oi Dri! é, isso é f*...já tive algumas conversas filosóficas sobre essa questão, se o trabalho deve necessariamente ter um fim em si mesmo ou se pode ser só um meio; e não cheguei a nenhuma conclusão! na verdade, eu desconfio que para algumas pessoas, algumas situações, pode ser um meio sim, dependendo do prazer e benefício que a pessoa tira das outras coisas que o trabalho dá (grana, status, posição na sociedade etc)....mas é complexo!! bjos

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