sábado, 21 de maio de 2011

Realengo e desarmamento

Mais um da série "desenterrando posts não postados"; esse aí foi logo após aquela tragédia na escola carioca. Interessante que, pouco tempo depois, já estamos falando de outras coisas - o assunto já foi o casamento real, o casamento gay, o pallocci...

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À época do plesbiscito sobre a proibição do uso de armas, votei a favor da proibição. Em muitos círculos sociais que frequentava, era voto vencido - a maioria esmagadora era contra. Hoje, dias após a tragédia do realengo, volta-se a falar com força sobre isso e, aparentemente, alguns setores que, antes, colocavam-se contra, põe-se agora a favor. O que eu penso? Bom, seria muito cômodo dizer algo como "pois é, era isso que eu pensava", mas como tudo no Brasil que gera um certo consenso costuma estar errado...No colégio, eu tinha um professor de história que fazia provas teste, apresentando duas sentenças, e as alternativas eram algum tipo de relação entre as frases, algo como "as duas afirmações estão corretas, mas a segunda não explica a primeira".

Então, nesse caso, acho que é isso: sou totalmente a favor do desarmamento, mas tomar isso como a grande solução para evitar esse tipo de caso que aconteceu no RJ é besteira. O furor com o que se discute, agora, esse assunto, só pode ser entendido como a necessidade de se ocupar de algo.

Por que sou a favor do desarmamento (do ponto de vista jurídico, ou seja, a proibição total do porte e uso de armas de fogo por civis)? Bom, são vários motivos. Na verdade, acho que a pergunta deve ser invertida: em uma democracia, o uso da força é exclusividade das forças de proteção do Estado. Existem motivos para permitir que civis portem armas? Acho que, de forma geral, esgotamos esse motivos. Por exemplo,o argumento do direito individual: uma irresponsabilidade de alguns não pode privar o direito de muitos. Mas direito vem unido com responsabilidade, com arcar com ônus e bônus. E quem arca com o ônus da arma? Não é o portador. Estatísticas mostram um alto percentual de acidentes com crianças (por pais que tem armas e não conseguiram esconder direito), de armas "legais" sendo roubadas e armando ainda mais a bandidagem etc. Uma outra estatística é a que mostra que a maioria dos homicídios é de proximidade: briga de trânsito, disputas familiares ou de vizinhos etc. Quem arca com esse custo social? Aí vem aquele argumento "ah, mas automóveis matam mais do que armas, vamos proibir também os automóveis?". Deveria ser óbvia a diferença, mas vá lá: o objetivo principal de um automóvel é locomoção - causar acidentes é um desvio. Qual é o objetivo principal de uma arma mesmo? Ai tem aquele outro arguemento, de que há áreas do país que o Estado não alcança e as pessoas precisam se proteger: quer dizer que, nessas áreas, o Estado não chega para trazer proteção, mas chegaria para punir alguém descumprindo a lei de desarmamento? Ora essa, se vamos ser ser coniventes com a própria falta de competência do Estado, não sejamos em termos de legislação - sejamos na prática, tendo leniência com a fiscalização e punição em especificidades regionais.

Isso tudo posto, continuo achando que uma coisa não tem muita relação com outra - um doente mental, com um plano trágico como esse maluco do RJ tinha, vai dar um jeito de arrumar uma arma. Alguém que "desistisse" do seu plano por uma dificuldade adicional de achar uma arma não estaria, nem de perto, no nível de desequilíbrio para tomar uma atitude dessas. Tampouco parece-me razoável discutir "segurança" nas escolas - primeiro porque não conseguimos nem bons professores de português e matemática, vamos conseguir um nível satisfatório de segurança? E depois, se as escolas estiverem bem protegidas, qual será o próximo passo? Hospitais, shoppings, igrejas? Alguém com esse intuito pode achar o lugar que bem entender para promover o terror - vide o caso do cinema em sp ou do maluco que bateu com o taco de baseball na cabeça do outro numa livraria. O desarmamento, além de conceitual - estabelecer na constituição que, não, o cidadão comum não tem direito a fazer uso desse tipo de força para "se defender" - tenderia a diminuir essa morte por proximidade. Em alguns momentos, a ocasião faz o ladrão - a briga, a discussão, a rixa, poderiam acabar de maneira menos trágica se o cabra não tivesse uma arma em casa; não fosse assim, não teríamos especificação, na legislação, de homicídio premeditado. Mas o mundo moderno, infelizmente, terá de conviver, de tempos em tempos, com eventos como esse do RJ.

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