sexta-feira, 3 de junho de 2011

Paranóia de mercado

Outro dia ouvi no rádio uma propaganda que era algo assim "venha para o primeiro feirão de carros desse ano...de 2012!". Era o anúncio de uma feira de carros, em Maio de 2011, só com carrros de modelos do ano que vem. Pqp, estamos em Maio...lembro de alguns anos atrás, quando já era uma novidade você poder comprar em Dezembro os carros com modelo do novo ano. Parece que a competição de mercado foi antecipando isso de tal maneira que, daqui a pouco, estaremos comprando carro de modelos de 3 anos pra frente.

Isso me lembra uma situação que acontecia quando eu trabalhava em banco. No mercado de empréstimos para pessoas jurídicas, um momento importante é a tomada de empréstimo, pelas empresas, para pagar o décimo-terceiro salário. Quer dizer, a legislação trabalhista cria uma obrigação paras as empresas que não tem a menor correlação com a realidade econômica; quando chega o momento de pagar a primeira parcela, que geralmente é começo de Novembro, a maioria das empresas procura os bancos para tomar um empréstimo específico para isso. Os bancos movimentam-se, nessa época, para montar estruturas de divulgação, propaganda, movimentação de pessoal interno para ganhar a maior parte possível desse mercado. Há 10 anos, quando primeiro tomei contato com essa realidade, lembro dessa discussão dentro do banco começar no começo de Outubro, porque durante o mês de Outubro, Novembro e, às vezes, começo de Dezembro as empresas tomariam esse empréstimo. Por conta da disputa mercadológica entre os bancos, esse prazo foi diminuindo...lembro bem claramente que, um belo ano, estávamos em Maio e, numa reunião de equipe, o nosso chefe comentou 'e aí, o que vamos fazer pro décimo-terceiro esse ano?". A cara de todos, minha inclusive, foi de surpresa. Caraio, tamos em Maio! O nosso chefe falou "mas o Santander já está anunciando"...O que tinha acontecido é que, em uma reounião com o pessoal do comercial, o diretor comercial cobrou justamente isso: que o Santander já estava anunciando e o nosso banco não tinha nem começado a se coçar. Não importava que o momento da propaganda e da ação comercial estivesse totalmente descolado do momento em que, efetivamente, as empresas tomavam sua decisão nesse sentido.

Um tempo atrás lançaram aquele açúcar light. Parece que é uma mistura de açúcar com adoçante; não é nem açúcar, nem adoçante, é algo meio termo - tem cara de açúcar, gosto de algo mais ou menos e não é tão calórico. E tão anunciando como se fosse uma p* invenção. Isso me lembra algo, novamente, do mercado bancário: a primeira vez que lançaram o empréstimo que, se você pagar todas as parcelas no prazo, você não paga a última parcela. O mercado se alvoroçou; no banco que eu trabalhava, as pessoas eram cobradas "porque ainda não temos aquele produto maravilhoso que o banco x tem". Claro, qualquer ser pensante entende que o banco não é instituição de caridade e, se ele te oferece algo assim, alguma compensação tem. A lógica aqui é clara: a taxa de juros é mais alta o suficiente para compensar a eventual "perda" dessa última parcela. Há considerações de crédito que tornam o produto interessante, mas o importante é que o alvoroço era pelo suposto genial apelo comercial. O problema é que se um dia eu voltar a trabalhar em empresas, é uma coisa com a qual terei de me adaptar. Eu não vejo nada de errado em que o mercado funcione dessa maneira, e até entendo a lógica. Eu só não tenho saco; como diria Raul "macaco jornal tobogã eu acho tudo isso um saco". Se você pudesse ficar no seu cantinho e, quando ordenado, executar a maluquice qualquer da vez que os caras inventassem, beleza - mas não é assim que funciona. O cara que primeiro inventou e implantou esse produto de isenção da última parcela deve ter recebido um bônus animal e ficou bem visto; assim como o cara que inventou o açúcar light. Os outros eram os perdedores que não inventaram nada de interessante... Cria-se um ambiente de total loucura na busca dessas supostas vantagens, de estar na frente; se o diretor (ou apenas UM diretor, se esse diretor foi influente o suficiente para que ninguém se ache no direito de questioná-lo) pôs na cabeça que a oitava da maravilha será alcançar aquela vantagem específica, isso passa a ser mais urgente do que tirar o pai da forca. Claro, apenas até outro diretor por outra coisa na cabeça...

Do ponto de vista da macroeconomia, a teoria geral inicial do capitalismo era a máxima Smithiana de que se todos buscarem o melhor para o seu interesse próprio, a mão invisível do mercado encarregar-se-ia de garantir que isso implicasse no melhor para a sociedade como um todo. John Nash, com sua teoria dos jogos, provou que isso nem sempre é verdade: é bem possível agentes interagindo escolherem o que é mmelhor para si e o resultado geral ser longe do ideal para todos. O liberalismo clássico vem sendo modificado pelas claras evidências que alguma - nem tão pouca assim - regulação é necessária. Parece que dentro das empresas, e nas competições mercadológicas em geral, ainda estamos no principio antigo do capitalismo. Cada um buscando o melhor de si e, boa parte das vezes, não gerando a melhor situação possível para todos. E não falo de algo ideológico do "social" - falo para todos dentro da empresa ou do próprio mercado! - em termos de resultado, de eficiência, de alcançar melhores metas com menos esforços. É a paranóia...

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