sábado, 22 de janeiro de 2011

Franqueza

Por indicação de uma pessoa próxima, comecei a ver o seriado "Boston Legal". Assisti os 2 ou 3 primeiros episódios com desconfiança, achei meio escrachado - depois passei a gostar e tenho assistido com frequência. Trata-se do dia a dia de um escritório de advocacia em Boston (jura?); é um semi-drama/semi-comédia, que usa o pano de fundo dos casos e julgamentos nos quais os personagens se envolvem para discutir as questões pessoais dos personagens (relacionamentos, diferenças psicológicas, família) e grandes questões da sociedade americana (racismo, ambiente, política internacional, pena de morte). Tudo isso com um toque de humor que, embora tenha momentos de zorra total, no geral é muito bem feito.
Mas a idéia do post vem de um capítulo que assisti hoje. Nos EUA, assim como no Brasil, um objetivo na carreira de um advogado em uma firma é tornar-se sócio (apêndice: não sou advogado e não conheço o mundo jurídico, em especial americano, mas meu feeling é que podemos confiar muito mais nesses seriados americanos em sua preocupação em não fugir a realidade´da sociedade de lá do que, por ex, nas novelas da globo; porque não é verdade que seja viável que alguém tome em segredo 60% das ações de uma empresa ou que descubra-se que o seu pai na verdade é aquele cara que acabou de chegar da Itália, como acontece em 2/3 das novelas...).

No seriado, o processo de "aceitação" de novos sócios se dá por meio de uma votação que acontece de tempos em tempos, nas quais os candidatos são os advogados seniors que vem tendo bons resultados etc. Nesse episódio, uma personagem antiga - uma advogada senior que sonha em ser sócia - começa a ter birras com uma nova advogada contratada. De fato, essa nova advogada contratada é uma fdp que não tem escrúpulos para "mostrar serviço", e um bom sarro é feito dessa rixa entre as duas. E a rixa, pelo lado da personagem mais antiga, é estimulada pela idéia de que as duas competem pela vaga de sócia na próxima eleição. Bom, o assunto acaba quando uma das grandes sócias da firma chama as duas para conversar, dá um grande esporro, pede para as duas acabarem com as criancices, mas quer conversar a sós com a personagem antiga, de quem é, inclusive, amiga. E ela fala para essa advogada antiga que ela não vai ser sócia nessa próxima eleição, por conta de uma série de questões, e ainda complementa "não sei o que deu na sua cabeça para achar que vc estava competindo com a outra; quando a contratamos (a nova), ela trouxe um monte de clientes, e já era nossa idéia fazê-la sócia na próxima eleição", deixando claro o que, na verdade, já dava para sacar desde o início.

É só um seriado; mas juntando com tudo o que eu já vi de representação da sociedade americana, junto com coisas que você vê quando viaja para lá, com relatos de gente que mora ou morou lá, ou trabalha com americanos etc, parece-me que eles cultivam uma coisa que nos falta aqui, em especial no mundo corporativo: a franqueza. Não aquela insensibilidade de falar a verdade doa a quem doer - o que até pode ser um efeito colateral - mas aquela franqueza de "é melhor você saber o que se passa do que ficar se enganando".

Com algumas exceções, o padrão que encontrei nos meus empregos era assim: não havia feedback, era superdifícil haver situações onde os chefes comunicavam claramente aos funcionários como eles estavam indo, o que era esperado deles e o que eles (empregados) podiam esperar. Em contrapartida, os empregados estavam sempre esperando uma promoção, um aumento de salário, mesmo que não houvesse a menor perspectativa de que isso pudesse acontecer. Para piorar, muitas vezes encontrei a situação de que, quando um desses funcionários ia reclamar ou perguntar ao chefe sobre a sua situação, a desculpa era sempre de que "não havia verba", ou "agora não dá", mesmo que, no caso aquele funcionário específico, não houvesse nenhuma razão para ele esperar ter um aumento em breve, mesmo que verbas estivessem jorrando pelas torneiras do banheiro...

Ok, as pessoas são toscas e, no geral, tem muita dificuldade em compreender o que se passa a sua volta - mas não custa alguém deixar claro para elas. Qual é o problema em ser franco? Porque não virar para o seu funcionário e dizer "olha, para a sua atividade, o seu cargo está adequado e o seu salário está justo; se você quer ser promovido para o cargo x, o que a empresa espera de você é que vc seja capaz disso, daquilo e daquilo outro; quando você começar a mostrar essas qualidades a gente pensa em promoção"? Minha opinião é que estamos sempre permeados com a mentalidade do "coitadinho" - "ah, mas eu vou falar isso para ele?". Po, você não tá falando que o outro é feio que dói e que as piadas dele são sem graça; você tá falando uma coisa objetiva, e que, se ele não for uma adolescente de 16 anos que vai ficar magoado, só vai ajudar a crescer! Um outro motivo é justamente o benefício que os chefes acham que ganham com a não clareza; existe um sentimento geral de que, se as coisas forem claras - "você não vai ter aumento" - as pessoas vão começar a se mexer, procurar um outro emprego e aí o chefe vai ter que se coçar para colocar alguém no lugar. Primeiro que não sei se isso é verdade - acho que a maioria gosta de reclamar mas não gosta de se coçar para mudar. E depois que, se assim o for, e daí? Só estamos construindo uma sociedade de pessoas que gostam de "enrolar" - você finge que me enrola, eu finjo que sou enrolado...

4 comentários:

  1. Otimo texto...como sempre!
    Beijos!

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  2. Foi a melhor descrição da política de remuneração/motivação/todooresto que já li sobre as grandes empresas.

    Daniel

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