terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

barganha, semi-blefe

Outra boa de um seriado americano de que gosto: The Good Wife. O pano de fundo é a história da esposa do Promotor público de Chicago (que nos EUA é um cargo eletivo), cujo marido é deposto e preso após um escândalo sexual. A protagonista, que tem sido dona-de-casa por 15 anos, tem de recomeçar a vida profissional como estagiária em um escritório de advocacia. Gosto do seriado, principalmente, pelas questões jurídicas envolvidas: como os casos correm, a relação advogados x juízes, promotoria x defesa etc.

Pois bem, mas o post é sobre outra personagem: Kalinda, uma investigadora do escritório onde a protagonista trabalha. Muitos dos casos que o escritório ganha vem das investigações dela, mas ainda sim ela se sente - e parece que é - desvalorizada; já em outros episódios ela tinha mostrado descontentamente pelo salário (por ex, quando descobre a fortuna que o escritório paga para um consultor de júri). Mesmo demonstrando claramente sua insatisfação parece que nada é feito de muito concreto para melhorar a situação dela. Para piorar, outro investigador é contratado que, aparentemente, ganha mais e tem mais prestígio com os sócios do que ela.

Até que, no episódio que assisti recentemente, ela decide agir. Aproveita que existe a oportunidade dela ir trabalhar em outro escritório - e seus chefes sabem disso - e pede um grande aumento, bem como outras condições de trabalho. Como, de costume, seu chefe fala "vamos ver o que pode ser feito", ela percebe o "enrolation mode: on" dos seus chefes e também começa a trabalhar em 'operação padrão' - só faz o básico, em vez dos constantes coelhos da cartola que ela costumava tirar para ajudar nos casos. Quando isso começa a prejudicar os casos importantes dos sócios, o que obviamente acontece é que ela é promovida.

Ok, é um exagero televisivo, mas é exatamente assim que acontece em empresas. É perfeitamente possível - aliás, é comum - duas pessoas que desempenham tarefas parecidas e tem habilidade equiparáveis ganharem salários muito diferentes. E isso vem do simples fato de que, assim como em qualquer outro produto, a mão-de-obra obedece a lei de oferta e demanda. Você não vai pagar 10 por um produto que pode ser comprado por 5. Você até pague se a loja que vende por 5 só tem uma unidade e você precisa de duas - mas naquela unidade cujo preço é 5 é 5 que você vai querer pagar. Porque o chefe seria otário o suficiente para fazer diferente? Se tem alguém que aceita - sem reclamar, ou pelo menos sem tomar atitudes sérias a respeito - receber 5, porque vou pagar 10? A "mercabilidade" (hein?) é o fator preponderante para determinar quanto alguém vai ganhar. Não me considero o cara mais "adaptado" ao corporativismo, mas sempre me irritou muito as pessoas que reclamavam dessa dinâmica. As coisas são como são - reclamar disso é que nem achar ruim a lei da gravidade ou que chocolate engorda.

Nunca vi alguém crescer rápido ou ter um salário acima da média sem essa "mercabilidade"; e isso se compõe de várias características: marketing pessoal, capacidade de causar uma boa impressão, contatos e possibilidades de mudar de emprego. Seu chefe pode realmente achar que você poderia ganhar mais do que ganha, mas ele estará muito mais disposto a pagar quando acreditar que o risco de outro alguém pagar é grande.

No poker, embora o imaginário comum pense ser muito frequente o grande "blefe", tem um movimento que é muito mais usado e lucrativo: o semi-blefe. Isso acontece quando você aposta com uma mão que provavelmente não é a melhor, mas como ha ainda cartas por vir, a probabilidade dessa mão melhorar não é pequena. A jogada é lucrativa porque há 2 formas de vencer: quando seus oponentes desistem da mão ou quando eles pagam, mas ainda sim sua mão melhora e você vence. Nessa situação, seu principal objetivo é fazer com que seu oponente desista, mas se ele não desistir, também tudo bem. Essa situação que descrevi, do profissional barganhando, me lembrou muito essa jogada. Porque assim como o blefe puro é poucas vezes lucrativo, a barganha do profissional tem de ter uma saída - isso é, a pessoa tem de estar realmente disposta a mudar de emprego se as coisas não saírem como ela quer. E isso exige também outras características, como disposição para encarar novos desafios, sair da zona de conforto, reconquistar seu espaço em um lugar novo - coisas que, a maioria das pessoas - eu inclusive, quando trabalhava em empresa - não tem. Some-se a isso a tal da "mercabilidade" e temos a explicação de porque 2 pessoas podem desempenhar a mesma função e ganharem salários bem diferentes.

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