sábado, 12 de fevereiro de 2011

Into the Wild

Cris McCandless era um jovem americano, de família de classe média alta; ficou famoso quando seu corpo foi encontrado em um ônibus abandonado no meio do mata do Alasca, e Jon Krakeuer escreveu uma reportagem a seu respeito. Dois anos antes de ser encontrado morto, Cris havia se formado no college e, tendo ja demonstrado anteriormente apreço por viagens longas e com poucos recursos, saiu em uma viagem pelo país sem comunicar ninguém da sua família. Ao longo desses 2 anos, planejou o que chamava de "aventura derradeira": passar algum tempo no meio do mato no Alasca, sobrevivendo com seus poucos e próprios recursos.

Após escrever a matéria, Krakeuer interessou-se tanto pela história que escreveu um livro. Sean Penn adorou o livro e fez um filme("Na natureza selvagem"). Conheci a história pelo filme (que assisti mais de uma vez) e acabei lendo o livro, o que me ajudou a formar novas opiniões, pois os 2 tem, em alguns momentos, enfoques diferentes. Não sei qual é o propósito desse post; acho que como acabei de ler o livro, queria tecer alguns comentários gerais, sem nenhuma rigidez. Se o eventual leitor não está familiarizado com a história, a leitura será desinteressante, pois não é meu intuito contar os detalhes.

Tomando-me como exemplo, tendo a achar que o fascínio que essa história exerce tem a ver com o imaginário moderno, essa certa vontade que muita gente tem de viver alguma aventura, uma vida não entediada por laços sociais, obrigações, menos apegada a bens materiais (embora carpe dien e fugere urbem não sejam conceitos propriamente modernos). Cris encarna bem o "cara inteligente, legal, que poderia ser muito bem sucedido mas teve a coragem e espirituosidade para tentar levar uma vida mais simples e sincera". Cris fez questão de sobreviver com poucos recursos, de recusar o conforto, o luxo. Pelo que sabemos da história dele, a viagem de Cris não deixa de ter um forte tom de crítica social - uma crítica aguda ao american way of life, o ápice da desvirtuação das relações e dos valores dos quais o capitalismo é capaz. É compreensível porque isso desperte tanta paixão: vai ver um profundo e generalizado vazio nas pessoas, uma ausência de sentido e a angústia propiciada pela vida moderna sejam os invólucros ideais para que esse tipo de história encontre eco.

Parece-me que Sean Penn optou por uma visão mais romantizada e filosófica da história; Jon Krekauer, nos momentos do livro em que, claramente, transmite sua opinião pessoal, parece bem simpático a vários aspectos da história de Mccandless. Mas não se furta a debater - até porque o veículo "livro" lhe permite - com mais detalhes, outras considerações.

Tem muita gente nos EUA que considera Cris um grande babaca - um menino mimado, ingênuo, que teve a arrogância de enfrentar a natureza sem estar minimamente preparado para tal. Mas como tudo que invoca paixão mereça ser analisado, vale também para o outro lado: porque tanta raiva dele? Krekauer conta que, quando escreveu a história, recebeu muitas cartas de pessoas indignadas com essa certa idolatria pelo que Cris fez; em especial, alasquianos, que moram em um estado que está acostumado a esse tipo de evento - "malucos" fazendo experiências temerárias com a esperança de que a natureza bruta curará suas decepções. Na opinião do autor do livro, essa indignação teria a ver com o espelho de que a história do Cris fornece às pessoas - um reflexo de tudo que as pessoas tem de sufocar e abdicar para viver suas vidas enquadradas no modelo.

Há considerações práticas nessa discussão. Somente como exemplo: Cris não carregava um mapa topográfico da região na qual ficou no Alaska (deve ter tido motivos, senão práticos, psicológicos, para tal). Se tivesse um mapa, saberia que, quando não conseguiu atravessar o rio de volta, porque o mesmo estava na sua cheia, conseguiria ter atrevessado o mesmo andando 2 km ao sul - e provavelmente teria sobrevivido. Por outro lado, ele já tinha sobrevivido - muito bem, obrigado - por 3 meses naquela região com seus próprios recursos. Sua assunção de que sobreviviria sem problemas por mais um ou dois meses, até que o fluxo do rio diminuisse o suficiente para que fosse "atravessável", está longe de ser "maluca". Outra polêmica é a causa de sua morte - há várias suposições e nenhuma certeza. Jon Krakeuer duvida da versão corrente - e aceita por Sean Penn no filme - de que Cris confundiu duas sementes diferente e tenha comido a venenosa no lugar da comestível. Não faz muito sentido - há evidências de que Cris tenha colhido as sementes corretas por 3 meses; porque, de uma hora para outra, iria se confundir? A hipótese que ele lança, embasada por alguns botânicos, é de que, mais tarde, Cris passou a comer as vagens da planta comestível também com as sementes - e essas sim, embora não esteja descrito em nenhum livro, são venenosas. Esse não seria um erro bizarro de um incompetente desavisado, mas um infortúnio que, junto com uma conjunção de infelicidades, levou a sua morte.

Há as questões psicológicas; os críticos de toda essa história levantam todas as hipóteses - problemas com os pais, desequilíbrio, homosexualismo. Krekauer aponta bem que esse tipo de "pscinálise pós-mortem" não leva a lugar algum; apenas não possibilita ao "analisado" participar da sua própria análise. Fica claro que Cris tinha problemas familiares, e críticas sérias aos seus pais - aparentemente, nada muito mais grave do que nós todos temos. Talvez ele apenas tenha lidado com isso de maneira diferente. Com meu gosto por questões psicológicas, não consigo deixar de olhar para elas. Jon Krakeuer reconhece em Cris o que reconhecia em si mesmo anos antes - quando ele mesmo fez uma viagem para escalar um pico no Alasca e quase morreu: um certo dilema do porco-espinho, uma necessidade de ficar sozinho, de querer acreditar que ficará melhor sozinho mas que, em algum momento, reconhece a falta que o contato humano lhe faz. Parece que nas suas viagens Cris lidou, frequentemente, com esse dilema: fez amizades sinceras com pessoas que conheceu, mas em algum momento sentia uma vontade incontrolável de afastar-se. Há indicações que, ao final do seu período do Alasca, ele estava pronto para criar relações humanas mais profundas: grifara trechos de Tolstoi sobre a felicidade em uma comunidade, em volta de pessoas, bem como uma parte de Dr. Jivago que cita bem claramente "a felicidade só é real se compartilhada". Nunca saberemos se essa experiência teria realmente esse efeito terapêutico nele.

O traço em Cris que, por assim dizer, não consigo "perdoá-lo" (!!), é o que fez com sua família...tenho dificuldades em conceber algo de tão mal que seus pais o fizeram para justificar a dor insana que (imagino) ele os causou. Esse instinto de não causar tanta dor poderia ter falado mais alto do que qualquer consideração filosófica ou racional; tanto assim que, embora tenha conhecido muitas pessoas não tradicionais em sua viagem, a maioria delas tentou convencê-lo, sem sucesso, a contatar a sua família.

Obviamente, não conheço Sean Penn, nem tenho como saber suas motivações no filme. Mas me parece que sua abordagem "filosófica" foi muito feliz (sem contar a fotografia e trilha sonoro maravilhosas do filme). Olhar para o "exemplo" e pensar sobre questões práticas não são mutuamente excludentes. É provável que Cris fosse desequilibrado; que tenha encontrado uma maneira "esquisita" de lidar com suas frustrações. Ainda sim, é uma história linda. As histórias de heróis que conhecemos, que são contadas, não são as do equilibrados e sãos que dosaram adequadamente cada risco. São os de que, em algum momento, preocuparam-se menos com sua integridade física e mais com outra coisa. Sei lá, pode ser. O que você acha?

5 comentários:

  1. Cara, tudo o que vc escreveu poderia ter saído da minha "pena", se eu tivesse o dom e a paciência da escrita.

    Compartilho tudo, desde a ordem "vi o filme (indicado pelo Caio), li o livro" e as impressões, até aquilo que considerei a única verdadeira pisada na bola de Cris - não dar sinal de vida pra família. Pelo menos para a coitada da irmã, PORRA!!....rsrs

    No livro, o Krakauer fala um pouco de sua viagem ao Alaska para escalar o Devils Thumb. É bem legal ler a descrição completa que ele faz dessa aventura no livro "Sobre Homens e Montanhas". Na verdade não é um livro com enredo - é uma compilação de uns 10 artigos que ele escreveu sempre tendo o montanhismo como tema. Se vc gosta desta atividade, é muito legal. (Eu adoro, acho o máximo, mas tenho um cagaço paralisante. Acho que é uma loucura que meu cérebro não me permite experimentar...por isso adoro ver o documentário dos outros)

    Abraço!
    Daniel

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  2. valeu Daniel! vou dar uma olhada nessa sua indicação...abraços!

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  3. gorducho,

    acho os dois extremos rasos: tanto louvar o cara como um herói quanto considera-lo um babaca (ou psicologicamente doente, como já ouvi).

    Acho que a atitude dele inspira sim diversos arquétipos humanos e toca aqueles que se dispôem a enxergar além da superficialidade e,além disso, traz criticas sociais profundas (entendo que autor do livro - que nao li - e o cineasta trouxeram, pelo simples fato de terem trazido esta história ao alcance da grande massa, mais elementos para serem analisados, principalmente sob o prisma sociológico e político.)

    Mas também acredito que houve despreparo e irresponsabilidade (por mais que o imprevisível fizesse parte dos planos dele). Acredito que os heróis de verdade devem agir com inteligência e algum calculo de risco, senão há chances de tornarem-se apenas pessoas bem intencionadas..

    Mas no balanço eu sou bem simpático ao protagonista..

    Sei lá, eu acho, é verdade, pode ver...

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  4. Cesinha, também vi o filme e gostei (fiquei com vontade de ler o livro agora), mas discordo de você em um ponto.

    Apesar de nunca ter feito nada tão extremado, eu entendo ele não ter feito contato com a família e, na verdade, já vi isso acontecer várias vezes, apenas o final não é tão triste.

    Conheço várias pessoas que tentam uma fuga do que são, da origem da família, de questionar a forma de vida dos pais, sei lá.

    Normalmente essas pessoas ficam um bom tempo longe até darem notícias. Algumas pessoas simplesmente se afundam no trabalho, enquanto outras viajam, outras simplesmente se isolam.

    Tenho um tio que fez isso... só o conheci quando estava com 28 anos. Hoje esse tio fala com minha mãe toda semana.

    E um amigo que ficou andando pela Russia seis meses sem dar notícia alguma.

    Acho que quem está buscando alguma resposta, algum sentido na vida, se afasta do que está mais próximo, só isso (talvez seja o "procurar a felicidade pelo mundo inteiro para no fim descobrir que ela estava dentro de você o tempo todo").

    Para mim, o único erro dele foi ter dado azar.

    E confesso que morro de vontade de fazer a mesma coisa, mas nao tenho coragem... No máximo faço isso por algumas horas.

    bjs

    Dri

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